MPF-MG investiga empresas que podem ter transportado mais de 1 milhão de toneladas de excesso de peso

Publicado em
29 de Agosto de 2019
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O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com duas ações civis públicas, uma contra a empresa Supergasbras Energia e outra contra a Vallourec Tubos do Brasil, para obter ordem judicial que as proíba de transportarem carga com peso acima dos limites previstos na legislação de trânsito.

Investigação do MPF constatou abusos reiterados no transporte de mercadorias praticados por essas empresas. A Vallourec, por exemplo, em apenas seis meses (de novembro/2016 a maio/2017), realizou 244 operações irregulares, que totalizaram mais de um milhão de toneladas de sobrepeso. Esses dados foram apurados em perícia realizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) nos DANFEs, documentos auxiliares de Nota Fiscal Eletrônica que são emitidos por empresas para acompanhar o trânsito de suas mercadorias.
 
“É assombroso como essa infração se tornou não só uma prática reiterada, mas até parte da cultura empresarial. Não há outra explicação para tantas ocorrências ao longos dos anos, mesmo com as centenas de multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização. No curso da investigação, propusemos às duas empresas a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta, mas ambas recusaram a oferta, o que nos obrigou a ingressar em juízo para que o Poder Judiciário impeça as empresas de continuarem violando a lei de forma tão rotineira”, afirma o procurador da República Fernando de Almeida Martins, autor das ações.

Entre os anos de 2007 e 2014, a Supergasbras recebeu da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) 579 multas por excesso de peso. Pelo mesmo motivo, o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) registrou, no período de julho de 2010 a novembro de 2014, 282 infrações cometidas pela empresa, sendo 206 notificações de autuações e 76 notificações de penalidade.

Durante as investigações, o MPF solicitou à Supergasbras cópia de todos os DANFEs emitidos no período de 1º a 08 de dezembro de 2014. O material recebido foi então enviado à Delegacia Metropolitana da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que, após análise pericial, detectou 67 carregamentos irregulares, totalizando 450,37 toneladas de excesso de peso. Já no ano de 2016, entre 1º de outubro a 31 de dezembro, foram constatadas 431 operações com excesso de peso, que somaram 2.389,4 toneladas.

A Vallourec, por sua vez, recebeu da ANTT 98 autuações por transporte de carga com sobrepeso entre os anos de 2014 e 2016, e do Dnit, 180 notificações no período de apenas um ano (2014/2015).

A partir desses dados, somados aos elementos contidos nos DANFEs enviados tanto pelas empresas quanto pela Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, foi possível estimar o valor dos danos – materiais, à segurança do tráfego e à concorrência – resultantes da conduta ilegal. No caso da Supergasbras, esses danos somaram R$ 3.779.817,83; os da Vallourec, R$ 1.593.455,46.

Desgaste prematuro e acelerado

O MPF lembra que o excesso de peso nos milhares de veículos de carga que transitam pelas rodovias brasileiras causa o desgaste prematuro e acelerado do pavimento asfáltico, sendo o “principal agente causador da redução do tempo útil das estradas pavimentadas e do aumento da insegurança de seus usuários”.

Alguns danos são imediatos, como o surgimento de buracos, fissuras, lombadas e depressões, mas os acostamentos também são destruídos, pois passam a ser utilizados como pista de rolamento.

“Pior ainda é que, além dos danos ao patrimônio público constituído pelas rodovias federais, cujo desgaste acaba exigindo o dispêndio sempre maior de recursos para sua restauração e manutenção, o tráfego com excesso de peso ainda expõe os demais usuários a riscos de morte e acidentes”, lembra o procurador da República.

De acordo com as ações, “os veículos com excesso de peso têm o seu sistema de frenagem absolutamente comprometido e sua massa exponencialmente elevada. A baixa velocidade com que trafegam nas subidas e a alta velocidade nas descidas, aliadas à dificuldade de frenagem, levam os motoristas das carretas e caminhões a forçarem a passagem, empurrando os motoristas de carros menores e aumentando o estresse de todos que trafegam na rodovia”.

Pesquisa realizada pela extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes e informações publicadas pelo próprio DNIT apontam que, “nas rodovias brasileiras, os caminhões trafegam com sobrecarga de 10 a 30%”. Em outro estudo, elaborado pela Coordenação Geral de Operações Rodoviárias (CGOR), órgão vinculado ao Dnit, concluiu-se que “77% dos caminhões trafegam com excesso de peso por eixo”, sendo que “um excesso médio de 10% de peso por eixo reduz em até 40% a vida útil projetada para o pavimento”.

Concorrência desleal

Para Fernando Martins, “a multa prevista no art. 231 do Código de Trânsito Brasileiro já não representa empecilho algum para o trânsito de veículos com excesso de peso. Acreditamos mesmo que as empresas chegam a incluir tais multas na previsão dos fluxos de caixa de cada exercício financeiro, já que os custos são irrisórios diante da economia proporcionada pela maximização ilícita do peso dos caminhões”.

Por isso, explica o MPF, a conduta ilegal também constitui infração à ordem econômica, na medida em que acarreta concorrência desleal com os empresários que obedecem os limites previstos na legislação. Outro dano de ordem econômica é a redução no número de empregos em função da diminuição artificial do número de viagens a serem realizadas para o transporte de uma mesma carga.

“Ao assim agirem, os empresários privatizam os lucros e socializam os prejuízos, inclusive no que diz respeito a violar o direito de todos nós a um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, sustenta o procurador. “Afinal, é incontroverso que um caminhão carregado com excesso de peso aumenta o consumo de combustíveis fósseis não-renováveis, e, nesse caso, justamente do diesel, que é o mais poluente de todos, aumentando, por conseguinte, a descarga de fumaça e gás carbônico na atmosfera”.

Por isso é que, nas análises realizadas pela Polícia Rodoviária Federal, são quantificados todos os tipos de prejuízos causados pelo transporte de carga com excesso de peso, cujos valores integram a matriz de danos apontada nas ações.

Pedidos

O MPF pediu que as duas empresas sejam condenadas, cada uma, a pagar R$ 4.350.890,00 de indenização pelos danos materiais causados ao patrimônio público federal, ao meio ambiente, à segurança do tráfego e à ordem econômica, pedindo também a condenação no mesmo valor por dano moral coletivo.

Ainda foi pedida a aplicação de multa a cada uma das empresas no valor de R$ 7,47 milhões, para funcionar como medida inibitória de reincidência da conduta, já que “a multa aplicada pelas Polícias Rodoviárias e pelos demais órgãos é insuficiente para coibir o excesso de peso, que é elemento ínsito à cultura empresarial da Ré. Significa dizer que a Ré, ignorando o exercício do poder de polícia pelos diversos órgãos estatais responsáveis pela fiscalização rodoviária, já contabiliza as eventuais multas em seu orçamento, em clara afronta aos interesses da coletividade e à tutela do patrimônio público”, explicam as ações.

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