Não apenas transportadoras entrarão em dilema durante a negociação, os clientes também buscarão alternativas, caso as margens sejam pressionadas
A possível sanção da medida provisória que regulamenta a tabela mínima de frete deve criar no mercado logístico uma corrida para manter os contratos. Apesar de “garantir” margens melhores para o caminhoneiro, a regulamentação do preço também colocará clientes em busca de novas formas de operar.
Canalizar um volume maior de carga em um mesmo transportador, buscar caminhoneiros autônomos com preços melhores, melhorar o planejamento de embarque, criar estratégias com frotas próprias ou alugadas, estas são algumas das possibilidades que o mercado pode ver, caso a chamada “MP do Frete” tenha sanção presidencial. “O momento é de muita instabilidade e isso vai perdurar”, aponta o diretor comercial da GKO Informática, Ricardo Gorodovits.
De acordo com o executivo, a publicação da tabela mínima não deve determinar o fim da discussão. Pelo contrário, para ele, a decisão ainda deverá repercutir no mercado, tudo dependerá do nível de fiscalização e da “guerra de liminares” que surgirão sobre o assunto. “Ainda é cedo para dizer quais as soluções serão mais usadas, mas certamente todas as empresas estão pensando em qual será a melhor saída”, expõe Gorodovits.
Ele ainda acredita que este dilema não é exclusivo dos embarcadores, mas também das transportadoras e dos autônomos. “Muitas estão neste momento pensando: ‘tenho uma lei a meu favor, imponho a lei ou corro o risco de perder um cliente’.”
Com isso, o executivo acredita que a discussão da tabela do frete é mais um “ponto de fricção” para uma relação entre clientes e transportadores, que desde 2015 já dava sinais de desgaste com a pressão por redução de custos. “Tivemos um período de negociação muito desfavorável para o transportador que acaba impactando ainda mais o autônomo”, comenta.
Motivador do atrito
De acordo com pesquisa da GKO Informática, em parceria com a RC Sollis, entre os atributos mais desejados pelos embarcadores em uma transportadora, o preço passou de 22% em 2015 para 28% em 2016 e 29% em 2017. (Veja mais no infográfico).
“A medida abre uma janela que pode estressar ainda mais a relação no médio prazo”, complementa o sócio da área de tributos da Grant Thornton, Murilo Pires.
De acordo com Pires, o papel dos órgãos reguladores neste momento também será o de evitar possíveis enfrentamentos, uma vez que a decisão de intervir veio do governo. “O momento é sensível e cada um está pensando em seu lado. Por isso, o papel dos reguladores será fundamental para traçar um equilíbrio”, afirma.
Caso isso não ocorra, ele destaca que alguns problemas podem surgir, como a manutenção periódica da greve, na falta da fiscalização da regra, ou até a redução de uso de autônomos ou a constituição de frotas próprias.
“Na minha opinião, essa manobra do governo foi a do caminho mais difícil”, destaca. Para ele, outras formas de auxiliar os players do transporte rodoviário e sua profissionalização poderiam ser tomadas. “Ao invés de ter sido por meio de uma medida provisória para conter o caos, poderia ter sido criada uma discussão envolvendo a classe”, comenta.
Hoje, de acordo com ele, o sentimento para os dois lados é de insegurança sobre que desdobramentos podem surgir da discussão. “Inclusive de empresas que estão pensando em vir ao Brasil. Neste momento pensam se existe instabilidade no escoamento de suas mercadorias e se faz sentido entrar aqui”, acrescenta.
Na opinião de Pires, a MP do Frete é paliativa e poderia ter sido minimizada com outras ações, como por exemplo o investimento em infraestrutura.
Próximos passos
A Medida Provisória 832 de 2018, que permite à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) fixar um valor mínimo para o frete no transporte rodoviário de cargas, foi aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado, na última semana e agora aguarda a sanção do presidente da república.
De acordo com Pires, a MP tem prazo e 60 dias, prorrogáveis por mais 60 para ser transformada em lei. E esse, segundo ele, será um período importante para que se possa analisar se o que foi proposto no papel funciona ou precisa ser revisto. “Às vezes há que rever como foi escrito. Acredito que se houver a necessidade, pode acontecer.”