Monitorar a carga e manter o controle de temperatura já não são mais condições suficientes para garantir a eficiência e a segurança da cadeia logística de medicamentos e demais insumos das indústrias hospitalar e farmacêutica. Este segmento do mercado logístico está passando por profundas mudanças e continua crescendo, lançando novos desafios aos operadores e ao mercado como um todo. De acordo com o relatório da IMARC, o volume total de negócio dos serviços logísticos da área da saúde deverá passar dos atuais US$ 8,5 bilhões para US$ 13,4 bilhões em 2020. Já dados da OMS mostram que 8 dos 10 medicamentos mais vendidos no mundo são derivados de substâncias sensíveis à temperatura, e 54% dos 50 medicamentos mais vendidos também têm esta característica.
Quando analisamos esse segmento, muitas vezes, acabamos olhando apenas “a árvore e não o bosque”, ou seja, determinadas atividades (como o controle de temperatura) e não o contexto geral. Ultimamente, este contexto tem sido pressionado por diversos fatores, dos quais podemos destacar uma condição emergente e cinco macro tendências. A condição é o aquecimento global e as mudanças climáticas, que estão causando eventos cada vez mais extremos, muito difíceis de prever e que aumentam o risco na cadeia do frio como um todo.
As macro tendências são as seguintes: a globalização, que impõe distâncias cada vez maiores entre consumidores e produtores; o aumento da volatilidade social e de mercado; o avanço da tecnologia; e o surgimento do big data, ou seja, o uso de dados para desenvolver uma logística preventiva. Embora o foco regulatório seja voltado para produtos que demandam temperatura controlada ente +2C° e +8C°, começamos a ver mais preocupações e exigências sanitárias para produtos enquadrados na categoria CRT (Controlled Room Temperature), que também são considerados de cadeia do frio. A América Latina, por sua vez, enfrenta ainda outros desafios. Começando pelo tamanho e as diferenças geográficas, também traduzidos em diferentes jurisdições e regras sanitárias. A deficiência de infraestrutura e a escassez de mão de obra especializada também são características comuns.
Diante de um cenário tão complexo, como mitigar riscos? Não existe uma resposta fácil ou universal. A primeira coisa é planejar e preparar o processo como um todo, para que você possa minimizar todas as possíveis ameaças. Monitoramento, visibilidade do transporte e controle de temperatura são elementos bastante importantes, mas olhar antecipadamente para todas as fases envolvidas é fundamental para garantir o sucesso da operação. Em outras palavras, não podemos ver o transporte da cadeia do frio como um mero frete: trata-se de um projeto completo!
Outro elemento muito importante é a embalagem. A resistência da embalagem deve ser determinada de acordo com as variações de impacto às quais a carga pode ser submetida. Além disso, questões como volume, capacidade de empilhamento e qualidade também devem ser analisadas a fim de alcançar o melhor nível de eficiência possível durante toda a operação. Estratégias de embalagem adequadas podem ajudar as empresas a superar desafios como a distância entre produtores e consumidores, variações de temperatura mais elevadas, impactos e manipulação inadequada (uma vez que hoje temos materiais bastante resistentes). Começamos a ver até mesmo algumas empresas dispostas a comprar dos operadores logísticos mapas de monitoramento de temperatura de determinadas rotas para auxiliar o desenho de seus planos de mitigação de riscos.
O risco humano nas operações, por sua vez, é amplamente conhecido, mas ainda pouco considerado. As empresas devem treinar e investir constantemente na formação da sua força de trabalho, pois, no fim das contas, eles são os responsáveis pelo planejamento, execução e enfrentamento da volatilidade do mercado. Eles também lidam constantemente com as diferentes jurisdições e regras existentes, fazendo os arranjos necessários. Uma plataforma de TI forte e eficiente também auxilia, mas o elemento humano é essencial para manter a consistência e a segurança da operação. Também é importante estabelecer rotinas bem definidas de auditoria interna, para que se possa identificar por conta própria eventuais falhas no cumprimento de regras de compliance. Portanto, formar a sua própria força de trabalho é um caminho que todas as empresas especializadas na cadeia do frio, cedo ou tarde, terão que seguir.
A comunicação entre todos os elos da cadeia de abastecimento acredite ou não, pode representar outro inconveniente. Ela pode ser tanto excessiva, aumentando a burocracia e tornando o controle significativamente mais difícil, quanto insuficiente. Às vezes, a informação está disponível, mas não chega às pessoas certas. Outras vezes, temos apenas a confirmação da entrega da mercadoria, mas não o horário e sob quais condições. Ou ainda, temos todas essas informações, mas não somos capazes de medir os custos individualmente, o que torna mais difícil escolher a melhor estratégia ou abordagem. Neste caso, o importante é definir quais informações são essenciais, verificá-las para se certificar de que estejam corretas e garantir que alcancem as pessoas certas, no momento certo e dentro do padrão aprovado, permitindo a comparação e a tomada de decisões empresariais.
A coleta e padronização adequadas servem de base para a gestão estratégica preventiva da cadeia do frio, pois permitem o desenho de cenários, a identificação de problemas recorrentes e a consequente adaptação de estratégias e estruturas. Os Procedimentos de Operação Padrão (SOP na sigla em inglês) são um bom exemplo. O SOP deve ser um documento vivo, constantemente revisado, e composto do sistema completo de modo a dar conta da complexidade de toda a operação. A trilha do SOP é especialmente essencial para cumprir com diferentes entidades reguladoras.
O mapeamento destes e de outros riscos relativos à cadeia do frio e a ponderação dos mesmos com dados verificados na prática – isto é, a elaboração de um mapa de risco – é a melhor maneira de conseguir uma gestão eficiente e efetiva da operação, que se transforma em algo vivo e adaptável às variáveis do mercado. A abordagem de mitigação de riscos é uma obrigação que permite aos executivos otimizar todos os recursos (financeiros, tecnológicos e humanos), de acordo com as áreas de grande necessidade ou que possam trazer mais resultados.
Com isso, cresce o valor dos serviços logísticos especializados – não mais vistos apenas como custos, mas investimentos para a confiabilidade da operação –, o olhar estratégico dos gestores da cadeia do frio e o papel dos operadores enquanto verdadeiros especialistas logísticos que entregam conhecimento e não apenas atividades.
* Arlete Gago é Gerente de Desenvolvimento de Negócios da área de Soluções de Gerenciamento de Temperatura da DHL, da DHL Global Forwarding, e membro do Comitê de Logística Farmacêutica da Associação Brasileira de Logística (ABRALOG)