Projeto também libera as mais variadas combinações de veículos de carga, desde que trafeguem com AET
Nelson Bortolin
Para combinações de veículos de carga (CVCs) com Peso Bruto Total Combinado (PBTC) de até 57 toneladas não será obrigatório o uso de veículo com tração dupla 6×4. Essa é uma das determinações do substitutivo ao projeto de lei 4.860/2016, conhecido como Marco Regulatório do Transporte Rodoviário de Carga. Se for aprovado pelo Senado, o projeto volta a permitir que os bitrens sejam tracionados por cavalos 6×2, o que é proibido desde janeiro de 2011, por força da resolução 326 do Conselho Nacional do Transito (Contran).
“Será um retrocesso. Os bitrens, quando puxados por 6×2, são os causadores de uma grave deformação do asfalto. Quando troca de marcha, a tração patina no 6×2 e empurra o asfalto para o lado”, afirma o engenheiro mecânico da TRS Engenharia, Rubem Penteado de Melo. A versão 6×4, segundo ele, evita que o bitrem “enrugue” as rodovias. “Além disso, no 6×2 temos o freio motor atuando apenas em um eixo”, complementa.
O marco regulatório, aprovado na Câmara no final do ano passado, traz uma série de outras modificações em relação às CVCs e às autorizações especiais de trânsito (AETs). E, segundo João Batista Dominici, engenheiro especializado em transporte, precisa de alguns reparos antes de ser aprovado definitivamente pelo Senado.
Uma modificação que Dominici considera fundamental é na parte do texto que altera o artigo 101 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Hoje, o CTB permite, no caso de transporte de cargas indivisíveis, a concessão de AETs para combinações de veículos que não se enquadram nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo Contran. No projeto de lei, na nova redação do Art. 101, foram suprimidas as palavras “cargas indivisíveis”. Ou seja, se aprovado do jeito que está, o marco regulatório vai permitir o uso de configurações, por exemplo, com largura acima de 2,60 metros para o transporte de cargas divisíveis, desde que seja concedida AET. “Do jeito que está, o projeto torna a legislação excessivamente e irresponsavelmente liberal”, aponta. Essa redação, segundo ele, não encontra paralelo com a de nenhum país “sério”. Para o engenheiro, o texto foi redigido por “quem não conhece o negócio”.
Dominici, que é especialista no trânsito e no transporte de cargas que dependem de AET, critica também o fato de o marco regulatório transferir para o motorista a responsabilidade de evitar choque com pontes, viadutos, árvores, fiação elétrica, entre outros, ao dispensar de licença especial o transporte de máquinas de até 23 metros de comprimento e 4,95 metros de altura. “É justamente para evitar esse tipo de coisa que existe a AET. Para obrigador o transportador a verificar antecipadamente a viabilidade do percurso. Essa não é decisão que se possa tomar durante o transporte. Imagina em plena Marginal do Tietê (São Paulo) o motorista tendo que parar o veículo para verificar se o gabarito da ponte permite a passagem da carga? Não é justo deixar essa decisão e responsabilidade para o motorista”, alega.
“O objetivo da AET é justamente planejar a viagem de tal forma que imprevistos não ocorram”, reforça Dominici, que é presidente da Logispesa, Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas Pesadas, criada em 2003 e cujas atividades devem ser retomadas em 2018.
O engenheiro ressalta, por outro lado, que o projeto de lei apresenta “grandes avanços” para o transporte de cargas pesadas e excepcionais no Brasil, ainda que um ou outro aspecto seja bastante questionável do ponto de vista da infraestrutura rodoviária. Um desses aspectos é a dispensa de estudo de viabilidade para o transporte de carga com até 12 toneladas (qualquer que seja a quantidade de eixos do veículo) e a concessão de AET anual para guindastes com até 108 toneladas, sem percurso definido. “É preciso verificar se os órgãos com jurisdição sobre a rodovia foram consultados e vão estar de acordo com essa decisão”, alega.
Outra medida há muito esperada, mas controversa, segundo Dominici, é a liberação do trânsito noturno pra CVCs com até 26 metros, para todas as rodovias, independentemente do volume de trânsito da rodovia. “O que se pode concluir é que o projeto tenta suprir as deficiências da infraestrutura logística, da baixa produtividade e eficiência dos transportes no Brasil, mas negligencia alguns aspectos técnicos e de segurança”, alega. Em resumo, segundo ele, o projeto é bom, mas seria conveniente que alguns ajustes fossem feitos no Senado, até para evitar possíveis vetos presidenciais.