Mantega quer adiar regra de segurança em veículos

Publicado em
12 de Dezembro de 2013
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Equipamentos seriam obrigatórios em todos os carros novos a partir de janeiro. Ministro diz estar preocupado com o impacto no preço dos carros; nova regra era prevista desde 2009

Expressando preocupação com o aumento no preço dos carros, o ministro Guido Mantega (Fazenda) afirmou ontem que o governo deve prorrogar o prazo para a instalação obrigatória de airbags (bolsas que inflam em caso de colisão) e de freios ABS (que evitam o travamento das rodas) em todos os carros novos.

A exigência dos dois itens para 100% da frota nova no próximo ano está prevista desde 2009 em duas resoluções do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), formado por representantes de oito ministérios. A Fazenda não faz parte do conselho.

Após a declaração de Mantega, o Ministério das Cidades e o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) disseram em nota que desconhecem mudança no cronograma e que a obrigatoriedade começa a valer em 2014.

A Folha apurou que o governo tratará o assunto diretamente com a Anfavea (associação das montadoras), na semana que vem.

Em vez de elevar para 100% o percentual de carros com os equipamentos, como previsto, Mantega afirmou que poderia haver um aumento gradual. "Nós estamos estudando o que fazer com isso. Possivelmente, nós vamos adiar a entrada em vigor. Provavelmente, nós vamos diferir isso em um ou dois anos."

Impacto na inflação - Na declaração sobre a prorrogação, dada em Brasília durante evento com empresários da indústria, Mantega afirmou estar preocupado com o impacto dos equipamentos no valor dos carros.
"Elevaria o preço entre R$ 1.000 e R$ 1.500", prevê o ministro. A Folha havia antecipado, na terça, que montadoras previam aumentos de até 10% nos modelos populares.
A preocupação com o preço dos veículos faz parte do esforço do governo para tentar conter a inflação.

Pelo terceiro ano seguido, o governo Dilma Rousseff não entregará a inflação no centro da meta de 4,5%, o que servirá de combustível para críticas na campanha eleitoral de 2014.
Hoje, o índice está em 5,77%, e o objetivo do governo é conseguir levá-lo para mais perto do centro da meta no ano que vem. A projeção do mercado, no entanto, é que a inflação permanecerá próxima de 6% em 2014.
Para o Denatran, que tem a responsabilidade de zelar pelo cumprimento da legislação de trânsito, a edição das resoluções estabelecendo o uso obrigatório dos sistemas de segurança a partir de 2014 "foi um passo importante para diminuir os índices de mortalidade e acidentes no trânsito", segundo seu site.
Procurado, o Ministério da Fazenda não comentou a nota do Ministério das Cidades e do Denatran.

Se aplicada, mudança dará sobrevida a modelos antigos - Para ministro da Fazenda, itens encareceriam ’popular’ em até R$ 1.500; obrigatoriedade pode passar para 2016. Segundo especialista em segurança viária, adiamento seria um retrocesso e põe em risco o consumidor

Para Alessandro Rubio, técnico do Cesvi (Centro de Experimentação e Segurança Viária), adiar a obrigatoriedade de equipamentos de segurança seria um retrocesso. "É como extinguir a obrigatoriedade do cinto de segurança nos veículos."

Testes recentes de impacto feitos pelo Latin NCAP (programa de avaliação de veículos novos) concluíram que compactos sem airbag apresentaram "nível de segurança precário".
Isso acontece porque eles não protegem adequadamente seus ocupantes em uma batida frontal a 64 km/h, como as simuladas no teste.

Montadoras de menor expressão, que já tinham feito investimentos para adequar seus produtos à norma, foram surpreendidas pela notícia.

Se vigorar, a prorrogação dará sobrevida a modelos de projeto mais antigo que teriam de sair de linha por não atender às novas exigências, como a Volkswagen Kombi.
A montadora havia informado que o furgão deixaria de ser produzido no dia 20. Anteontem, o site do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC publicou uma entrevista de seu secretário-geral, Wagner Santana, em que ele afirmava que a Kombi não seria aposentada.

De acordo com Santana, o pedido do adiamento da lei foi feito diretamente à presidente Dilma Rousseff na semana passada. O sindicato disse que, se a Kombi e o Gol G4 tiverem a produção encerrada, poderá haver 4.000 demissões na VW e em fornecedores de autopeças.

Por meio de nota, a VW afirmou ontem que "seguirá toda e qualquer nova regra a ser aplicada para o setor".

Procurada, a Anfavea disse que já foi informada da prorrogação e que não não fará um pronunciamento "por estar avaliando o assunto".

ANÁLISE - Valdo Cruz

Nem todos os meios valem para segurar a inflação - O que é mais importante, tomar medidas para salvar vidas ou evitar que os preços subam e a inflação fique mais alta? A pergunta parece ser fácil de ser respondida, mas o Ministério da Fazenda emite sinais de que pode optar pela pior resposta.

Explico: o ministro Guido Mantega (Fazenda) anunciou ontem que o governo pode adiar a entrada em vigor, em 2014, da regra que obriga todos os carros novos no Brasil a conter itens básicos de segurança, como air bag frontal duplo e freios ABS.

Buscando justificar a medida, que pode alterar decisão adotada em 2009, Mantega disse: "Estamos preocupados com o impacto disso no carro, eleva o preço em R$ 1.000 a R$ 1.500".
A frase do ministro não poderia ser mais infeliz. Passa a imagem de que o governo está mais preocupado em segurar a inflação e garantir a venda de carros do que em salvar vidas e proteger brasileiros da violência do trânsito.

Claro que não podemos dizer que Mantega pouco se importa com os milhares de acidentes de trânsito que acontecem a cada dia no Brasil. Pelo contrário. Mas sua visão puramente econômica do caso mostra insensibilidade para questão social grave.

O governo vai dizer que não quer revogar a medida, apenas adiar sua entrada em vigor, evitando que dê um salto de 60% (percentual de carros que teriam que se adaptar às novas regras neste ano) para 100% no próximo ano.

Sinceramente, não é justificativa aceitável. A decisão do Conselho Nacional de Trânsito está tomada desde 2009. As montadoras tiveram tempo mais do que suficiente para se adaptar e, tudo indica, o fizeram em sua maioria. O que está falando mais alto é o lado econômico.

Prorrogação preserva lucro e abala confiabilidade do setor - Eduardo Sodré, editor-adjunto de

Veículos

A provável prorrogação do prazo para instalar airbags e freios ABS em todos os carros à venda servirá para fabricantes de modelos de grande volume preservarem boas margens de lucro em 2014.
O setor acredita que o ano da Copa não vai registrar alta nas vendas internas em comparação a 2013. A previsão, aliás, é de queda de 1%.

Com o aumento da concorrência, as grandes montadoras sabem que não será possível repassar os gastos com o pacote de segurança integralmente ao consumidor. Embora haja o ganho de escala, as empresas têm contado centavos após meses de queda nos emplacamentos.

Automóveis que já estavam sendo oferecidos com freios ABS e airbags frontais em todas as versões deverão voltar às lojas em opções sem esses equipamentos. Assim, os itens voltarão a figurar como opcionais, que, quando escolhidos, elevarão o preço final do produto.

Se as vendas em 2013 e as projeções sobre 2014 fossem mais otimistas, é provável que a extensão do prazo de adequação nem sequer estivesse em discussão.

A adoção dos itens de segurança foi gradativa (teve início em 2010), dando tempo para os fabricantes fazerem as devidas adaptações.

Indicada como um dos motivos para a prorrogação do prazo para colocação de airbags e ABS, a onda de demissões previstas por sindicatos devido ao fim da produção de alguns modelos é bastante questionável.

A chegada de carros mais modernos às linhas de montagem ajudaria a absorver a mão de obra. A VW, por exemplo, que retiraria de linha a Kombi e o Gol G4, já está produzindo as unidades pré-serie do compacto Up!, que será lançado no início de 2014.

Além de perder a oportunidade de elevar o nível de segurança dos automóveis produzidos e comercializados no Brasil, prorrogar o prazo de adequação reforça a percepção de que o setor automotivo nacional não é confiável tanto para o consumidor como para o mercado mundial.

A medida atrapalha planos de incentivo à exportação de veículos e divide os fabricantes. A Renault, por exemplo, já preparava o lançamento do Clio com airbag e ABS em toda a linha. Agora, irá avaliar se o investimento na fábrica vale a pena.

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