Mais do que nunca é preciso estar atento. Política e Democracia são essenciais.*

Publicado em
10 de Março de 2021
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Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes – 09.03.2021*
 
São enormes as dificuldades que tem o Brasil para sair de sua maior crise, considerando que, além de dimensões gigantescas, ela não se limita somente aos problemas econômicos, sociais ou políticos. É uma crise generalizada, ética, moral e de valores, e que se encontra em quase todas as esferas dos três poderes, abrange o setor privado e atinge cruelmente a maioria da população brasileira, principalmente, e como sempre, as camadas mais pobres. Lamentavelmente a pandemia e o desgoverno atual contribuem decisivamente para deixar o País sem rumo.
 
O Brasil já chegou ao “caos”, embora muitos não percebam, pois além de não existir coordenação ou proposta séria de combate a uma pandemia que já fez mais de 11 milhões de vítimas, das quais 267 mil fatais e desorganizou toda a economia, ainda tem que buscar soluções para problemas históricos - infelizmente em crescimento -, tais como a miséria, a desigualdade, o desemprego e a violência. E agora com real e concreto atentado à Democracia!
 
Já alcançamos níveis ruins além do que se poderia permitir a uma nação minimamente civilizada, mas é evidente que tudo isso não é o resultado de um ou dois governos, pois são vários anos de descaso, de irresponsabilidade e de incompetência. Mas, sem dúvida, o governo atual tem contribuído mais do que qualquer outro (1), superando, inclusive, até o governo Dilma.
 
Por sua vez o poder Legislativo, nas mãos do ‘Centrão’ e sem uma oposição organizada (e até “meio perdida”), continua tendo dificuldades para instalar uma agenda de trabalho voltada para o Brasil e os brasileiros. Funcionando apenas quando há pressão popular, o Legislativo tem vivido, nesses tempos de pandemia e ‘ausência’ de público, apenas para si mesmo (2).
 
E se Executivo e Legislativo nos decepcionam, o poder Judiciário, sempre a última esperança, já a alguns anos dá sinais inequívocos de estar em constante conflito, dividido em grupos antagônicos e com comportamento explicitamente político. Os noticiários recentes, incluindo a decisão do ministro Edson Fachin que considerou ‘incompetente’ a 13ª Vara Federal de Curitiba para analisar os crimes do ex-presidente Lula (3) e o julgamento, pela 2ª Turma do STF, sobre a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, tem trazido mais dúvidas e incertezas a todos. Observação: está certo que o ex-ministro Sergio Moro e os promotores da Lava-Jato cometeram erros e, em alguns momentos, justificaram os meios em razão dos fins a serem buscados, mas daí a transformá-los em “réus” há uma grande diferença. Vale à pena acompanhar.  
 
No plano econômico, mais especificamente, o que se vê é uma enorme dificuldade para “colocar as coisas em seus devidos lugares” e não há um plano concreto para aliviar os efeitos da crise. Aliás, a agenda econômica liberal (também discutível) utilizada na campanha eleitoral desapareceu. Assim como o superministro da Economia. 
 
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a queda de 4,1% no PIB de 2020, quando comparado com 2019, foi a maior nos últimos 30 anos (4). Obviamente muito em função do coronavírus, que paralisou parte substancial da economia e desempregou muita gente. Embora o Brasil já tivesse dois anos consecutivos de taxas negativas (desgoverno Dilma), nos dois anos seguintes (governo Temer), conseguiu obter taxas positivas: 1,3% em 2017 e 1,8% em 2018. Em seguida, apesar da esperança dos ‘crentes’ de sempre, o desgoverno Bolsonaro, já em seu primeiro ano (2019), proporcionou uma queda na taxa de crescimento da economia se comparada com a do ano anterior: 1,4% positivo.
 
Diversas análises macroeconômicas e setoriais, após a divulgação dos dados de 2020, foram publicadas. Com exceção das atividades agropecuárias, houve quedas em todas as demais variáveis macroeconômicas, tanto no lado da oferta como no lado da demanda agregada. Com esse resultado, o crescimento da economia na década compreendida entre os anos de 2011 e 2020 foi de apenas 2,7%, isto é, taxa média anual de 0,26%! O Brasil, que por algum tempo oscilava entre a 7ª ou 8ª economia do mundo, agora ostenta o 12º lugar.
 
Considerando o aumento da população brasileira, foi inevitável a queda da renda per capita. Em 2020, ainda de acordo com o IBGE, a queda foi de 4,8%, a pior da série histórica medida desde 1996. O país está muito mais pobre. Um verdadeiro desastre.
 
Parece-me claro que neste início de 2021, com o recrudescimento da pandemia, aliás, muito mais violenta se comparada com a ‘primeira onda’ (5), a falta de coordenação e de medidas concretas para combate-la, e a incerteza gerada pela inércia do atual governo no campo econômico (inclusive com relação à prorrogação do auxílio emergencial), tem sido motivos suficientes para não se acreditar em retomada econômica, no curto e médio prazos, em níveis melhores, suficientes e necessários. 
O ´pífio´ desempenho da economia implica, sempre, em problemas sociais e políticos, pois aumentos do desemprego e da desigualdade, com consequentes aumentos da pobreza e da miséria, não só geram instabilidades sociais como políticas, na medida em que proporcionam movimentos reivindicatórios e de críticas mais contundentes. O que já era ruim vai ficando pior.  
 
É preciso dizer que não são as inúmeras ‘gafes’ produzidas pelo presidente Bolsonaro que devem assustar o brasileiro, já acostumado com presidentes que dizem bobagens. Entretanto, volto a repetir, parece que o governo atual, na medida em que o tempo passa, sentindo-se ‘mais senhor’ da cadeira que ocupa, aposta no autoritarismo e na forma populista e irresponsável de administrar. Como se ainda estivesse em campanha política, Bolsonaro abusa da caricatura de um “messiânico salvador da pátria” e indica claramente, caso seja necessário, que não hesitaria sacrificar a própria Democracia para alcançar seus resultados (sua reeleição e proteção de sua família). 
 
Porém há que se registrar que agora, com a possibilidade de se ter o Lula como candidato nas próximas eleições, deverão crescer a polarização e as críticas à Política (negação da política de uma forma geral) e às ações de Judiciário, criando um campo ainda mais fértil para ideias ousadas e, porque não, antidemocráticas. É a polarização, inquestionavelmente, assim como a negação da política, que inibem qualquer discussão mais objetiva, clara e imparcial, fortalecendo os extremos e diminuindo as chances de propostas convergentes e de alcance mais equilibrado. É o que já vimos nas eleições passadas. Bolsonaro e o Lula gostam desse ambiente. 
 
Consequentemente, ao se instalar uma situação como essa, facilitam-se as bravatas e os discursos populistas, com propostas fáceis e, por que não, mais autoritárias, na medida em que se percebe que a população carente e desempregada (e ainda sem vacina) tem facilidade para acreditar em lideranças carismáticas, messiânicas, populistas e propensas ao autoritarismo, posto que somente através da força e da negação de Política é que um governante poderá fazer o que é preciso ser feito para resolver os problemas do País. O Bolsonaro, só como um exemplo, sempre repete não poder combater a pandemia porque o STF não permitiu. E seus 30% de seguidores e eleitores acreditam nisso também.
 
Portanto, a tendência de retrocesso democrático não é uma ilusão, como já alertava o Almirante Mário Cesar Flores, em artigo publicado no Estadão dia 05/05/18: “o Brasil não está imune a esse risco (de retrocesso democrático) e a pressão psicossocial do quadro negativo contribui para legitimar e até estimular o processo: o povo é levado a ver em lideranças populistas de propensão autoritária, na legislação forte e em políticas de questionável consistência democrática a solução para o déficit da condução política democrática”. 
 
Ou como escreveu Lília M. Schwarcz em seu livro “Sobre o autoritarismo brasileiro” (Companhia das Letras, 2019): “problema maior é cair no canto da sereia dos governos de verve autoritária, que fazem apelos morais e prometem saídas fáceis. Andamos precisando de menos líderes carismáticos e de mais cidadania consciente e ativa”. Como todos sabemos, o presidente Bolsonaro não ‘morre de amores’ pela democracia (7) e ele mesmo já disse que “se tudo dependesse de mim não seria esse o regime” (?). E ele ainda tem mais dois anos do governo.
 
Em todo caso, parecer haver algumas convergências de pensamento, inclusive junto ao próprio governo federal: primeiro a vacinação (6) e o auxílio emergencial e em seguida um plano econômico digno do nome. Mas é preciso que, como disse o Diretor Geral da OMS, que o Brasil leve a pandemia a sério. E isto não quer dizer passear em Israel para analisar um spray ainda em elaboração. 
 
Não há qualquer dúvida que a melhoria da economia brasileira está ligada à imunização da população brasileira e ao auxílio emergencial (até que enfim entenderam...), mas é imprescindível que se inicie a elaboração de um plano, ainda de curto prazo, para recuperar a economia, na qual os investimentos privados e públicos são essenciais. Para médio prazo, é fundamental a retomada das reformas.
 
E se é preciso que todos exijam que a vacinação em massa e urgente torne-se prioridade absoluta, também é preciso não se descuidar da Política (com P maiúsculo), atuar firmemente contra a intolerância, a polarização e o radicalismo, e defender a Democracia, sempre o caminho mais curto e melhor para vencer crises. Não é possível ignorar o que está acontecendo e acreditar no discurso diário, constante é burro das redes sociais que somos “nós ou eles”. Se alguém já disse que a Democracia não se resume às eleições, é momento de ficarmos atentos e exercermos nosso papel como cidadãos que vivem em um Estado Democrático de Direito.
 
(1) É notório, neste desgoverno, o retrocesso no combate à corrupção, na proteção do meio ambiente e das populações mais carentes, na utilização das boas práticas diplomáticas e, de uma forma geral, no respeito à legalidade e às instituições democraticamente constituídas; 
 
(2) A agenda do Legislativo é clara: proteção aos seus, aumento da imunidade, mais verbas parlamentares, destruição da Lava-Jato etc. etc.; 
  
(3) Matéria publicada no último sábado pelo jornal Nexo, indica que de acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 2020 foi a terceira maior queda do PIB da série iniciada em 1901. Apenas em 1981, no último governo militar (João Figueiredo) e em 1990, no governo Collor, é que o Brasil teve quedas maiores: 4,25% e 4,35% respectivamente;
 
(4) Embora o ministro do STF, Edson Fachin tenha anulado as condenações impostas pela operação Lava Jato ao ex-presidente Lula, não se discutiu o mérito da questão, isso é, se o ex-presidente Lula é culpado ou não pelas acusações apresentadas à época do julgamento. Os processos (tríplex do Guarujá, sítio de Atibaia e ações e doações ao Instituto Lula) contra o ex-presidente serão enviados à Justiça Federal do Distrito Federal e lá deverão ser rediscutidos;
 
(5) Picos na 1ª onda: de casos foi na semana de 23 à 29/07/20, com 46.235 por dia. De mortes foi na semana de 09 à 15/07/20, com 1067 por dia. Picos na 2ª onda: de casos foi na semana de 25/02 à 03/03/21, com 56.602 por dia. De mortes, também na mesma semana, foi de 1.332 por dia. A 2ª onda foi, respectivamente, 22,4% e 24,8%, maior do que na 1ª onda. E isso já com 10 milhões de vacinados. Um verdadeiro desastre;
 
(6) “Nada de redução da carga tributária ou incentivo à produção local de veículos. O maior estímulo que a indústria automotiva pode receber neste momento é a aceleração e a ampla vacinação contra a Covid-19” (grifos meus), é o resultado da pesquisa ‘Cenários para a Indústria Automobilística’, realizada por Automotive Business em parceria com a Roland Berger com 532 profissionais do segmento;
 
(7) “Bolsonaro não é liberal, e sim um populista, semelhante a Victor Orbán, na Hungria, (Recep) Erdogan, da Turquia, (Vladimir) Putin, na Rússia, com propensão a ser um ditador, como (Nicolás) Maduro, na Venezuela. Não tem nenhum compromisso com a democracia, com a melhoria das condições de vida da população. Visa, apenas, à sua reeleição em 2022 e proteger-se contra o impeachment” (economista Affonso Celso Pastore em entrevista para o Estadão dia 24/02/2021.
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