Maílson da Nóbrega: segurança jurídica é a base do capitalismo

Publicado em
20 de Setembro de 2022
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Ex-ministro da Fazenda não vislumbra cenário positivo para os próximos anos, independentemente do resultado das eleições

Dois pilares dão sustentação ao desenvolvimento do sistema capitalista: o direito à propriedade e o respeito a contratos. "Mas há que ter uma terceira parte: aquela que garante o respeito à posse e o cumprimento dos contratos", elabora o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, ao ser questionado sobre a relação entre a insegurança jurídica e o desenvolvimento econômico.

O economista é o terceiro convidado da Bússola dentro da série de entrevistas com grandes nomes do mercado e da academia sobre insegurança jurídica e seu impacto no desenvolvimento econômico e na atração de investimentos para o Brasil, além de sua influência na tomada de decisão das companhias aqui instaladas.

Ele recorre ao livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, escrito em 1776, que já versa sobre o papel indispensável da segurança jurídica para a prosperidade — particularmente da Inglaterra. "Diante do fim do absolutismo, as pessoas passaram a ter certeza das regras fiscais vigentes e abandonaram a necessidade de esconder valores para protegê-los da instabilidade monárquica", declara.

Transplantando o fenômeno para o Brasil atual, Maílson identifica dois gargalos que impedem o país de figurar em posição mais estável para a atração e a manutenção de investimentos: o fato de o sistema tributário ser 'bagunçado, confuso e mutante e a atuação do poder judiciário, que desempenha papel oposto ao que se espera dele em um sistema capitalista. "O judiciário é importante porque assegura o direito de propriedade e o cumprimento dos contratos. Aqui, o juiz interfere no contrato e diz para o cara não pagar", afirma.

De acordo com o economista, quando há discordância sobre os termos de um acerto, o normal é credor e devedor negociarem. "Aqui, não, o judiciário interfere e suspende a dívida", relata. Ele acrescenta como complicador o fato de o Congresso estar sendo liderado por pessoas populistas, que buscam atender determinadas demandas da sociedade, não visando sanar as reais deficiências regulatórias.


Ele cita a recente aprovação de um piso salarial para enfermeiros, possibilitado pela capacidade de influência política de representantes do setor, e que foi determinado sem levar em conta a realidade do mercado. "Líderes irresponsáveis do Congresso, associados a corporações do setor público e diante de uma ausência incrível do Poder Executivo, aprovam essas coisas."

Maílson sintetiza: "Isso é uma fonte de insegurança jurídica no Brasil, provocada por uma conjugação deletéria de irresponsabilidade do Congresso, força das corporações e um governo desarticulado."

Custos jurídicos prejudicam a produtividade
O cenário se aplica ao mundo dos negócios no Brasil. "Por trás desses riscos, você tem o aumento de custos", constata. Ele explica que os gastos com o litígio, como quando um fiscal descobre algo supostamente errado e a empresa tem de provar que não houve má-fé, impactam negativamente a produtividade.

"E a produtividade é fundamental para a posteridade, porque é o principal fator gerador de riquezas no país. O Brasil está estagnado comparativamente a outros países pela baixa produtividade", diz o economista. Como exemplo, ele cita México, Colômbia, Chile e mesmo a Argentina, que é uma “bagunça, mas o sistema tributário é organizado.”

No Brasil, considera, há ainda o agravante do estímulo à "síndrome de Peter Pan". O ex-ministro explica que, ao dar incentivos mal calculados — com cobrança reduzida de impostos a pequenas empresas —, o governo está estimulando que essas companhias não cresçam, mantendo-as com produtividade baixa para evitar aumento na taxação.

"Certas coisas têm de ser complexas. Aqui, tendemos a acreditar que a simplificação do sistema tributário é positiva, e eu até concordo. Desde que haja uma análise técnica do alcance adequado para o benefício", declara.

De acordo com Maílson, há ainda a tendência da inversão da lógica dentro das cabeças da economia mundial. "Ouviremos falar em slowbalization, friendshore, reinshore", propõe, ao prever que, diante da geopolítica mundial, a tendência é de que as grandes economias voltem seus esforços para si e para aliados preferenciais. Algo próximo de uma inversão da globalização.

"Eu acho que, seja o Bolsonaro ou o Lula, nenhum dos dois terá condições de fazer um bom governo porque o drama fiscal é gigantesco, o ambiente mundial é desfavorável e não existe liderança política capaz de enfrentar todos esses problemas", afirma.

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