Lei 12.619, que normatiza o trabalho dos motoristas profissionais, continua gerando discussões

Publicado em
15 de Outubro de 2012
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Depois de muito embate, as multas previstas na Lei devem começar a ser aplicadas em seis meses, após serem re-adiadas por falta de estrutura nas estradas para o cumprimento da norma. No entanto, apenas as multas estão suspensas: a lei já está em pleno vigor.

Mariana Mirrha

Jornada de trabalho controlada, tempo de descanso pré-estipulado, remuneração para o tempo gasto na carga e descarga de produtos no embarcador ou em inspeção em barreiras fiscais e alfandegárias. Os principais pontos da Lei 12.619, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff em 30 de abril de 2012 e que normatiza o trabalho dos motoristas profissionais em território brasileiro, parecem ser, à primeira vista, ideais para trabalhadores que até então atuavam quase sem qualquer fiscalização e segurança no serviço, apesar dos direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Porém, não foi isso que grande parte desta classe achou e uma greve, organizada pelo Movimento União Brasil Caminhoneiro – MUBC, culminou com o primeiro adiamento das ações punitivas da lei, também conhecida como Lei do Descanso. Os grevistas não queriam que a lei vigorasse ainda em 2012 e discutiam sobre os locais de descanso nas estradas, falta de segurança nas rodovias e a imposição limite de horas de trabalho.

Após a primeira prorrogação para o início das penalidades, a data afixada para que os órgãos competentes pudessem começar a aplicar sanções para aqueles que não estivessem cumprindo as normas era o último dia 11 de setembro. No entanto, o governo federal suspendeu novamente a aplicação de multas de trânsito para os motoristas rodoviários por mais 180 dias. Quando for retomada, a fiscalização só será feita nas rodovias que deem condições para o cumprimento da lei, com segurança e infraestrutura para que o motorista consiga cumprir as horas de descanso estipuladas.

No entanto, apenas as multas de trânsito estão suspensas. Do ponto de vista trabalhista não há adiamento e a lei já está em pleno vigor, sendo que a previsão era que o Ministério do Trabalho começasse a fiscalizar as empresas e aplicar punições àquelas que não estivessem obedecendo a jornada de trabalho legal ainda em setembro.

Os ministérios dos Transportes e do Trabalho e Emprego têm até 180 dias para publicar, no Diário Oficial da União, uma lista com as rodovias que possuam condições para a parada de descanso dos motoristas e a, partir disso, as multas serão aplicadas.

O QUE DIZ A LEI 12.619?
A nova legislação, no modelo como se apresenta atualmente, foi resultante de cerca de quatro anos de conversas efetivas entre empresas de transportes, motoristas e entidades de classes, segundo Flávio Benatti, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística – NTC & Logística (Fone: 11 2632.1500). Durante este tempo, as principais necessidades de cada envolvido nas operações e as soluções mais contundentes foram discutidas para formular uma lei que atendesse a todos. “A nossa CLT é datada de 1943, quando o transporte de cargas pelo modal rodoviário quase não existia no país, enquanto os outros modais já atuavam com mais força e foram cobertos pela CLT. O modal rodoviário tomou força na década de 1960 e, até unir classes de empresas e trabalhadores, pensando na especialidade de cada carga transportada para discutir uma regulamentação, demorou 50 anos”, explica.

Segundo Adauto Bentivegna Filho, coordenador jurídico e assessor da presidência do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas de São Paulo e Região – Setcesp (Fone: 11 2632.1000), há décadas o setor vem trabalhando para criar uma lei que assegurasse os direitos dos motoristas rodoviários, mas havia pouca sensibilidade para o assunto. “Com as demandas trabalhistas ignorando a falta de controle de jornada de trabalho prevista no artigo 62, I da CLT, que desobriga a marcação de ponto quando a atividade é exercida externamente e sem condições de controle de ponto, somadas aos crescentes acidentes de trânsito, o Congresso Nacional passou a tratar o assunto com a emergência necessária”, afirma.

Após anos de tentativas para consolidar normas que regulassem a atividade do motorista, a nova lei passa a garantir direitos e deveres tanto daqueles que atuam no transporte rodoviário de cargas, quanto de passageiros.O intuito é que, com as medidas previstas, haja a prevenção de acidentes e melhores condições de trabalho para motoristas que, hoje, enfrentam rotinas extenuantes de direção nas estradas para entregar as cargas transportadas o mais rápido possível.

“Além dos novos direitos do motorista, os seus deveres – que já deveriam ser praticados por questões éticas e morais – passam a ser supervisionados pela lei, como estar atento às condições de segurança do veículo, conduzir com prudência, respeitar a legislação de trânsito e zelar pela carga transportada”, avalia Hamilton Picolotti, presidente da Confederação Nacional das Revendas Ambev e das Empresas de Logística da Distribuição – Confenar (Fone: 11 5505.2521) no artigo “Normatização da função de motorista e suas implicações”. Segundo Picolotti, a lei possui um importante impacto: a redução de acidentes nas estradas. “De acordo com dados da Previdência, perto de 42 mil pessoas morrem anualmente vítimas do trânsito no país”, afirma.

O mais celebrado e, ao mesmo tempo, criticado ponto da lei é que, a partir dela, passa a ser vedado ao motorista profissional dirigir por mais de quatro horas ininterruptas durante o trabalho. Para cada quatro horas seguidas de direção, o profissional que estiver em viagens de longa distância, que o mantenha fora da base da empresa, matriz ou filial por mais de 24 horas, deverá cumprir 30 minutos de descanso, podendo ocorrer o fracionamento do tempo de direção e descanso, desde que a condução de veículos não ultrapasse quatro horas contínuas. Em situações excepcionais, o tempo de condução poderá ser prorrogado em uma hora, para que o condutor, carga e veículo cheguem a um local que ofereça a segurança necessária para o cumprimento do descanso.

Dentro de um período de 24 horas, o condutor é obrigado a cumprir 11 horas de repouso. Na legislação, entende-se como tempo de direção ou de condução de veículos apenas o período em que o condutor estiver efetivamente ao volante de um veículo em curso entre a origem e o seu destino, sendo que o descanso obrigatório poderá ser feito dentro do próprio veículo, caso seja vontade do motorista, desde que este seja dotado de locais apropriados para isso e que cumpra a duração do descanso exigido.

O condutor somente iniciará viagem com duração maior que um dia após o cumprimento integral do intervalo de descanso de 11 horas. Ele também será responsável por controlar o tempo de condução e ficará sujeito a penalidades caso não cumpra os períodos de descanso observados.

A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho, admitindo-se a prorrogação de duas horas extraordinárias, pagas com acréscimos. Fica assegurado ao motorista profissional intervalo mínimo de uma hora de almoço, podendo ou não coincidir com o intervalo de descanso, repouso de 11 horas a cada 24 horas e descanso semanal de 35 horas.

Outro ponto importante coberto pela Lei 12.619 é o que ela nomeia de tempo de espera, as horas que excederem a jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias. Essas horas excedentes não são computadas como horas extraordinárias. As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30%. Em casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo transportado por qualquer meio onde ele siga embarcado, e que a embarcação disponha de alojamento para a realização do intervalo de repouso diário previsto, esse tempo não será considerado como jornada de trabalho, a não ser o tempo restante, que será considerado de espera.

Nas viagens de longa distância, em que o motorista permanece por mais de 24 horas fora da base ou filial da empresa ou de casa, são concedidas as horas de descanso já citadas, com direito a repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em hotel. Nas viagens com duração superior a uma semana, o descanso semanal será de 36 horas por semana trabalhada ou fração semanal trabalhada, e feito no retorno do motorista à base, matriz ou filial da empresa ou em seu domicílio, salvo se a companhia oferecer condições adequadas para a efetiva realização do referido descanso.

É garantido ao motorista que trabalha em regime de revezamento, o repouso diário mínimo de 6 horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado. Em casos de revezamento de motoristas trabalhando em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a jornada normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no veículo em movimento será considerado tempo de reserva e será remunerado na razão de 30% da hora normal.

Convenção e acordo coletivo poderão prever jornada especial de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso para o trabalho do motorista, em razão da especificidade do transporte, de sazonalidade ou outra característica que justifique.

“Por fim, a legislação proíbe a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente legislação”, explica Osvaldo Marchini Filho, advogado e sócio do escritório Fernando Quércia Advogados Associados (Fone: 11 3145.3535), no artigo ‘Nova legislação para motoristas profissionais’.

A jornada de trabalho e o tempo de direção devem ser controlados, também, pelo empregador, com a utilização de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, além de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos. Em caso do não cumprimento das condições estipuladas pela lei quanto ao tempo de permanência do condutor ao volante e aos intervalos para descanso, a punição dada poderá ser em forma de multa e medida administrativa, com a retenção do veículo para cumprimento do tempo de descanso aplicável. O condutor ainda poderá perder 5 pontos na carteira de motorista, considerando que o descumprimento da lei é uma infração grave, e a multa é de R$ 127,69. Os contratantes também poderão ser multados. “De acordo com a lei, a fiscalização será feita pelo Ministério do Trabalho, o que já ocorria, e pela Policia Rodoviária, que poderá apreender o veículo caso o motorista não cumpra os intervalos e ainda aplicar multa, de acordo com a alteração do Código de Trânsito Brasileiro”, afirma Marcia Regina Assis Del Giudice, advogada trabalhista do escritório Moreau & Balera Advogados (Fone: 11 2858.8011).

Dentre outras questões asseguradas pela lei estão: o direito do motorista ao acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em cooperação com o poder público, e a não responsabilidade perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, com ressalvas para situações em que houver intenção de lesar ou descaso com veículo ou carga. Aos motoristas empregados é assegurado o benefício de seguro obrigatório, custeado pelo empregador, destinado à cobertura dos riscos pessoais inerentes às suas atividades, no valor mínimo correspondente a 10 vezes o piso salarial de sua categoria ou em valor superior fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

“A lei traz uma segurança jurídica que não existia antes, tanto para o motorista quanto para o contratante. Essa atividade não tinha regulamentação antes da lei, não ficavam claras as relações entre motoristas e empresas e o autônomo atuava sem regra alguma. A fiscalização fica sob o encargo do Ministério Público e das empresas que devem ter documentos para comprovar o cumprimento da lei. Os motoristas também deverão fiscalizar sua atividade. O que irá auxiliar na fiscalização são os relatórios de viagens, tacógrafos eletrônicos e outras tecnologias que algumas empresas já estão criando. Tudo isso homologado pelo Contran – Conselho Nacional de Trânsito e atestado pelo Inmetro - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Essa lei é importante, também, pois pensa na saúde do motorista, que passa a ter um seguro pago pelo empregador no valor de mínimo 10 vezes o salário do motorista”, explica Benatti, da NTC & Logística, que continua: “ao atender a saúde e segurança do motorista, se assegura a saúde da sociedade. Com a saúde do motorista levada em conta, com horas de descanso asseguradas, a direção se torna mais segura, com menos riscos de acidentes. Essa é uma lei moderna, que não existia antes”.

CUSTOS
A obrigatoriedade de descanso de 30 minutos a cada 4 horas de rodagem, uma hora diária de almoço e repouso por 11 horas a cada 24 horas trabalhadas são alguns dos fatores que estão levando empresas a aumentarem o número de funcionários registrados ou terceirizados. Segundo a matéria ‘Fretes aumentam com nova lei’, publicada no jornal Valor Econômico em 10 de setembro último, companhias consultadas pelo veículo já apresentaram aumento de custos de 40%. De acordo com a matéria, a Gafor Logística conseguiu ajustar 70% de seus contratos e apontou uma elevação de 20% a 30% no valor do frete, impulsionados pelo maior número de veículos e, também, de motoristas contratados, cuja quantidade subiu 35%. No caso da JSL, o impacto foi menor, pois pouco mais de dois terços dos trajetos realizados são de curta distância, além de os caminhões da empresa não rodarem após as 22 horas. Ainda assim, em casos específicos, o aumento do custo pode chegar a 40%. Por conta da parada obrigatória após quatro horas de trabalho, os motoristas da companhia rodam agora com diários de bordo, onde precisam registrar cada parada. Algumas operações da companhia sofreram aumento de custo, mas são pontuais. Hoje, a JSL conta com cerca de 7 mil motoristas e segue em período de contratações.

Apesar do aumento nos custos, as companhias enxergam com bons olhos a legislação. Conforme apurado pelo Valor Econômico, o Mira Transportes calcula um aumento de ao menos 30% no seu quadro de motoristas que operam em longas distâncias – percursos a partir de 600 quilômetros.

O aumento dos custos de contratantes de fretes está entre as principais reclamações do mercado no que se refere às consequências que a Lei 12.619 trará para o setor de transportes. Com a obrigação de paradas pré-estipuladas para descanso, novas contratações podem ocorrer, aumentando o custo do frete. Além disso, será necessário que contratos de motoristas sejam revistos para atender às horas da jornada, e prazos de entregas de cargas também deverão ser renegociados.

Com as novas normas, a indústria deverá replanejar suas vendas, considerando os novos prazos de entregas. Operadores Logísticos e transportadoras precisam pesquisar formas para compensar a queda da produtividade dos veículos, com melhores programações de transporte. Reduzir o tempo gasto para carga e descarga, além do agendamento das entregas, também são ações necessárias para diminuir os custos das operações.

“Não se deve ignorar as influências da medida nos custos das operações. A jornada, apesar de mais segura, será mais longa, pois a lei estabelece que o tempo que o empregado ficar em filas para carregar e descarregar produtos ou na fiscalização de mercadoria deverá ser remunerado como hora normal mais 30%, gerando mais custos para o empregador. Cada parada terá, também, um custo adicional, em questão de acomodações e alimentação, visto que um dos vetos da legislação foi em relação à obrigação do governo de construir pontos de parada para caminhões. O impacto da legislação nos custos do transporte deverá ser de até 26%. Para setores específicos, o percentual pode ser superior, e chegar a 40%. Tais custos acabarão sendo repassados ao valor do frete, criando um efeito dominó que afetará toda a cadeia e, mais uma vez, o bolso do consumidor final. As estimativas do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul – Setcergs apontam reajustes entre 10% e 20% para o frete convencional”, afirma Picolotti, da Confenar.

Para os autônomos, as contratações serão ainda mais interessantes. Isso tudo devido à quantidade de horas que estes profissionais podem trabalhar a mais que os motoristas contratados. O motorista registrado pode fazer no máximo duas horas extras por dia, segundo a lei. Obrigado a cumprir um dia de folga por semana, este motorista conseguirá fazer 12 horas extras a cada sete dias. Essas horas, somadas às outras 44 horas da jornada de trabalho regulamentar, totalizam 56 horas semanais. Já no caso do autônomo, a obrigação é repousar 11 horas por dia, fazer intervalos de descanso a cada quatro horas ao volante, além do tempo de alimentação. Durante suas operações, será possível ficar 12 horas por dia ao volante. Isento da obrigatoriedade de respeitar o dia de descanso, ele poderá dirigir por 84 horas por semana, caso trabalhe os sete dias da semana.

A grande diferença de horas de trabalho está gerando conflitos no mercado, tendo em vista que, para muitos, há uma concorrência desleal entre as companhias que arcam com despesas de contratação registrada de motoristas e aquelas que atuam com terceirização na maioria das operações. Nesse caso, esperava-se que as obrigações de cumprimento de descanso fossem iguais para os dois tipos de contratos.

Até mesmo os autônomos, que nesse ponto seriam beneficiados pela lei, estão descontentes com certos aspectos, como a obrigação do descanso de 11 horas ao dia, afirmando que é muito tempo para se ficar parado nas estradas, enquanto poderiam estar trabalhando e sendo pagos. Para grande parte deles, essa obrigação acaba por cercear a liberdade de trabalho que possuem.

CARGA E DESCARGA
Além da contratação, outra solução pode ser dada para a diminuição da produtividade do caminhão, sem que haja custos adicionais às transportadoras: a maior cooperação do embarcador nas operações. Para Benatti, da NTC & Logística, o impacto da lei pode ser minimizado se as empresas de transporte reorganizarem suas relações com os embarcadores, evitando novas contratações com um planejamento bem estruturado e cooperação entre transportadoras e clientes. Hoje, além de lidar com problemas de infraestruturas na estrada e trânsito, que culminam com o atraso na entrega das cargas, o motorista precisa lidar com as horas, e até dias perdidos para a carga e descarga do caminhão. Apesar deste período agora a ser reconhecido como tempo de espera e recompensado financeiramente para o motorista, graças à lei, ele gera oneração para o contratante. Com a agilização dessa parte do processo, a contratação de mão-de-obra poderá ser repensada em uma série de operações, impedindo o aumento do custo do frete. “Não dá para o caminhão chegar ao supermercado e só poder descarregar os produtos quando a gôndola esvaziar”, explica. Segundo Benatti, é importante mostrar ao embarcador que caso as transportadoras aumentem seus fretes para cobrirem os novos gastos com a contratação de mais motoristas, esse custo será repassado a ele. “A discussão deste novo cenário que surge entre transportadoras e clientes é fundamental para que as novas normas não causem tanto impacto nos custos de ambos os lados”, continua.

Hoje, não é mais possível para as transportadoras tolerar que contratantes do frete segurem o caminhão por muito tempo para carga e descarga de produtos. A adequação dos horários para que o caminhão esteja no local certo e na hora exata da carga ou descarga ajudará todos os envolvidos a manterem ao máximo os custos atuais nas operações e não terem que arcar com mais despesas em função da lei.

Apesar dessa necessidade iminente, a nova prorrogação de alguns efeitos punitivos da lei por mais 180 dias está gerando desentendimentos no mercado, mesmo estando claro que apenas as multas de trânsito estão suspensas, e não as questões trabalhistas das quais a lei trata. Embarcadores estão utilizando o pretexto da prorrogação para adiar negociações de reajuste de fretes. No entanto, a renegociação dos fretes deve ser imediata, tendo em vista que as transportadoras já estão obrigadas a cumprir as novas regras de transporte, aumentando custos causados pela perda de produtividade e aumento de mão-de-obra. “O possível aumento no custo do frete tem preocupado alguns empresários do setor de transportes rodoviários. Porém, as possibilidades de elevar a segurança no trânsito, preservar a saúde dos motoristas – mão-de-obra escassa, especialmente por faltarem motoristas qualificados no mercado – e elevar as condições de trabalho trazem boas expectativas ao empregador e ao trabalhador do segmento”, afirma Newton Gibson, presidente da Associação Brasileira de Logística e Transporte de Carga – ABTC (Fone: 61 3321.7172).

SEGURANÇA NAS ESTRADAS
Aos caminhoneiros, mais um fator é obstáculo para o cumprimento da lei: a falta de segurança nas estradas. Para cumprir os períodos de descanso previstos, os motoristas precisam estar amparados por uma infraestrutura que ainda é incipiente nas estradas, como pontos de paradas para aqueles que realizam viagens longas. Com essa necessidade, passou-se a exigir que o governo implemente um projeto que possibilite a existência de locais adequados ao longo da malha rodoviária nacional. “O mercado está contra a lei, pois não há infraestrutura para que a ela seja cumprida, em razão da falta de locais para as paradas obrigatórias. A legislação não é condizente com a realidade do país. Ela é bela apenas no papel e não na prática, pois as estradas são perigosas e nada seguras, não há posto de parada para que o trabalhador possa realizar seu intervalo de 30 minutos. Muitas empresas não vão suportar o aumento no custo, assim haverá aumento na informalidade”, critica a advogada trabalhista Marcia Regina, do escritório Moreau & Balera Advogados. E continua: “a lei traz a responsabilidade de motoristas, mas na realidade essa responsabilidade de ‘respeitar a legislação de trânsito’ já é um dever de todo aquele que conduz veiculo automotor, não só o motorista empregado”.

Com uma série de reivindicações sendo feitas pelo mercado, tanto partindo dos embarcadores, como de transportadores e motoristas, autônomos ou registrados, a lei deverá gerar grandes mudanças no setor e as conversas sobre a fiscalização e infraestrutura necessárias para o cumprimento da lei estão longe do fim. “Essa é uma lei diferente das outras. Os seus pontos foram muito negociados entre as classes. Ela tem uma característica ampla trabalhista. É fruto de negociações de todos os envolvidos no setor, as partes precisaram ceder, pois não é possível atender a todas as solicitações. Pensa-se no que é melhor em conjunto, no que é melhor para o atual cenário. Sem dúvida, essa lei impacta o setor, já que o mercado está habituado com uma maneira de atuação e agora vai precisar se adequar”, avalia Benatti, da NTC & Logística.

Entre os otimistas em relação aos resultados que deverão ser observados com o surgimento da lei também está Picolotti, da Confenar. “Ao cobrir, também, empresas e associações que se utilizam do transporte diretamente para a execução de seu serviço diário, a legislação trará muitos reflexos positivos para todos os envolvidos, começando pela retenção dos bons profissionais”. Segundo ele, antes da lei 12.619 os motoristas não eram devidamente amparados legalmente e trocavam facilmente de empregador, sempre dando preferência ao que lhes trouxessem mais benefícios de trabalho, como jornadas mais curtas. “Ainda teremos desdobramentos, mas já é possível reconhecer a lei 12.619 como um grande avanço para o setor”, afirma.

Gibson, da ABTC, acredita que de forma geral a lei está sendo bem aceita pelo mercado, mas ainda existem falhas. Mesmo assim, considera que a aprovação da lei representa mais segurança jurídica, tanto ao empresário quanto ao trabalhador, e é um grande avanço para o setor rodoviário de cargas.

“Sempre há uma reação inicial à mudança. Sempre achamos que são muitas modificações, algo impossível de se cumprir. Existe uma resistência nesse segmento para sair da zona de conforto e mudar as operações. No entanto, quando o mercado começa a se perguntar ‘é melhor acumular um passível trabalhista impossível de se pagar sem a segurança jurídica ou ter uma lei que vai gerar essa segurança?’, passa-se a perceber as vantagens da lei. Há o primeiro impacto negativo, mas quem quer crescer no mercado vai pensar bem e passar a compreender o motivo dessas mudanças. No entanto, dá para entender os pedidos do mercado por mais tempo para adequação das operações”, finaliza Benatti, da NTC & Logística.

O QUE A LEI 12.619 TRAZ DE NOVIDADE AO SETOR
• Direção máxima contínua de 4 horas por motorista, prorrogável por mais 1 hora caso não haja local seguro para parada nas viagens de longa distância, com mais de 24 horas;
• Paradas de descanso de 30 minutos a cada 4 horas ininterruptas de condução, podendo ser fracionada;
• Descanso diário de 11 horas;
• Descanso semanal de 35 horas para motoristas profissionais;
• Permitida a prorrogação da jornada de trabalho por até 2 horas;
• O motorista somente responde pelos prejuízos causados ao empregador se houver intenção de lesar ou descaso com veículo ou carga;
• Jornada de trabalho fiscalizada e registrada por meios que armazenem a real jornada realizada pelo profissional, contando os tempos de descanso, de espera e almoço;
• Criação do tempo de espera, com remuneração com base no salário-hora normal acrescido de 30%.


MIRA TRANSPORTES CRIA COMITÊ DE ESTUDOS PARA ADEQUAR AS OPERAÇÕES À NOVA LEI
Buscando meios para cumprir a Lei 12.619, conciliando as novas normas à realidade operacional da transportadora, o Mira Transportes (Fone: 11 2142.9000) criou um comitê de estudos sobre a lei para ajustar suas operações às novas regras de tempo de direção e jornada de trabalho dos motoristas profissionais.

A intenção é garantir que os motoristas estejam conscientes das novas regras e que todos os colaboradores saibam como proceder com a nova lei. Para isso, o comitê da transportadora se reúne semanalmente para debater as mudanças provocadas pela lei e a multiplicação dos novos procedimentos.

“A lei muda o cenário operacional do transporte no Brasil, mas traz em seu bojo o grande objetivo de disciplinar a profissão de motorista e trazer mais segurança às rodovias de nosso país. Estamos estudando as normas à exaustão e tomando diversas providências para nos encaixarmos em seu cumprimento da melhor forma possível”, afirma Carlos Mira, presidente executivo da empresa.

Iniciativas vindas do comitê já foram colocadas em prática na empresa. Segundo Taís Rosa da Silva, gerente de recursos humanos, o primeiro passo foi criar a documentação para os motoristas anotarem suas paradas para descanso. “Criamos o modelo da ficha e, junto com isso, iniciamos um teste piloto com quatro motoristas de transferência, que realizam rotas partindo de São Paulo. Com as informações e as experiências destes profissionais, que fizeram diversas viagens já no modelo da lei, pudemos criar um conteúdo para os nossos colaboradores, que vai balizar a elaboração de diversos materiais didáticos e de comunicação para deixarmos todos cientes das novas regras”, conta.

As estratégias da empresa para se adequar à nova realidade passam pelo desenvolvimento de material de divulgação e conscientização dos motoristas, divulgação das regras por meio dos canais de comunicação da empresa, elaboração de cartilha específica para os gestores de todas as filiais e o treinamento dos motoristas. Dos 120 motoristas de longa distância da companhia, 80 já receberam treinamento.

As paradas obrigatórias e o tempo de direção controlado farão com que as viagens levem mais tempo para serem completadas. O gerente de frota e tráfego da empresa, Wellington de Souza, estima que, nas viagens de até 1000 quilômetros, o trajeto total demore 50% a mais. “Isso está fazendo com que tenhamos que reprogramar toda a operação, os pontos de parada, as previsões de chegada e, em alguns casos, até as rotas. Como o caminhão vai ficar mais tempo parado durante a viagem, temos também a preocupação com a segurança. A maior reclamação dos motoristas com esta nova Lei é a falta de locais adequados para fazer as paradas”, diz o gerente.

A preocupação com a remuneração dos motoristas e a retenção dos profissionais na empresa também aumentou. “Sabemos que o mercado está difícil, não se encontram motoristas qualificados para contratar e pensamos que, se houvesse perda de remuneração com a lei, teríamos perda de profissionais. Por isso, estamos acompanhando os impactos na remuneração também”, afirma.

De acordo com o gerente de administração de pessoal da empresa, José Vicente Lima, a lei cria toda uma nova demanda no controle de horário e fechamento da folha de pagamento. “A lei muda a CLT, criando figuras como o tempo de espera e a nova jornada de trabalho. Com isso, estamos fazendo o aditamento de contrato de todos os nossos motoristas de linha celetistas. A grande mudança no dia a dia é que, antes, não havia um controle preciso sobre as horas trabalhadas ou descansadas pelos motoristas, e, agora, o controle tem que ser 100%”, diz Lima. Os novos procedimentos estão sendo aplicados somente aos motoristas de transferência, mas a empresa estuda a possibilidade de incluir, também, os motoristas urbanos.


JÁ SURGEM SISTEMAS PRÓPRIOS PARA COMPUTAR A JORNADA DO MOTORISTA
Com a Lei 12.619, as transportadoras e gestoras de frota passaram a ter uma nova necessidade: controlar e acompanhar o total de horas de direção e descanso dos seus profissionais para assegurar o cumprimento da lei. Essa nova obrigação está movimentando o mercado de sistemas para o setor logístico, e companhias já estão lançando soluções que irão auxiliar transportadores e motoristas profissionais nesse controle.

SASCAR
O Sascar Tempo de Direção, sistema exclusivo da Sascar (Fone: 4002.6004), oferece controle absoluto sobre a jornada de trabalho do motorista. O novo produto, além de apresentar relatórios detalhados sobre a condução do motorista, aponta, também, as infrações cometidas, distância percorrida e número de horas descansadas.

“A solução já estava sendo desenvolvida em conjunto com clientes antes de a Lei ser sancionada. Reunimos nossos clientes para buscar informações sobre as necessidades de cada uma para criar uma solução completa. Com a chegada da lei, fizemos alguns ajustes no sistema para que ele fosse capaz de atende-la também”, conta Marcio Webber, diretor de produtos e mercado da Sascar.

A solução atua em conjunto com o rastreador Sascar e a solução web da companhia. Ao entrar no caminhão, o motorista faz o seu login com uma espécie de chave que deve ser passada num acessório do rastreador que fica no painel do caminhão. A chave funciona como um crachá de acesso que contém todas as informações do condutor necessárias para a produção de um relatório sobre suas atividades naquele caminhão. Ao terminar o seu trabalho, o motorista realiza o logoff com a mesma chave, impedindo que o sistema misture suas informações com os dados do próximo condutor que usar o caminhão.

Segundo Webber, o Sascar Tempo de Direção atua como um upgrade da solução de rastreamento da companhia que o cliente já possui e todas as informações tiradas do rastreador podem ser acessadas pela internet.

O sistema também dá informações detalhadas, inclusive de velocidade no seco e na chuva, frequência de banguela e de freadas e arrancadas bruscas, até excesso de RPM. “Em caso de acidentes será possível saber a maneira que o veículo estava sendo conduzido, caracterizando uma imprudência ou não do condutor”, completa Webber.

ONIX SAT
A Onix Sat (Fone: 43 3374.3822) desenvolveu o Sensor Biométrico, um acessório que permite a identificação individualizada do motorista e de sua jornada de trabalho. Instalado próximo da ignição do caminhão, o produto realiza a identificação de motoristas armazenando até 50 impressões digitais diferentes em um mesmo caminhão.

O Sensor Biométrico é um acessório que pode ser adquirido junto com um dos equipamentos da Linha OnixSmart e está diretamente interligado ao software de rastreamento Enterprise. Por meio de equipamentos da linha, o motorista recebe alertas de tempos de paradas e alimentação, por exemplo, e consegue cadastrar a sua atividade atual com o Sensor.

Após o acesso do motorista ao caminhão gravado pela coleta da digital no início da jornada, informações sobre as atividades daquele condutor e caminhão são compiladas em um relatório de jornada de trabalho que, entre outros itens, permite controlar a jornada de trabalho com base em uma carga horária pré-definida; a quantidade de horas trabalhadas no período da noite; e a jornada ininterrupta do motorista, com base no limite estipulado pelo usuário.

O relatório é produzido por meio do Enterprise. “É válido lembrar que por meio desta configuração é possível controlar quantas vezes o motorista excedeu uma jornada ininterrupta e cada vez que este excesso foi cometido. Este relatório permite ver quem cometeu o excesso e quando este aconteceu”, explica Wagner Eloy, diretor de marketing e vendas da empresa.

Ainda segundo ele, “com este equipamento é possível individualizar os registros e criar o hábito no caminhoneiro de registrar a sua jornada. A identificação por meio da digital de cada profissional evita problemas futuros com questões trabalhistas, pois não há a possibilidade de troca de informações”, finaliza.

NTC & LOGÍSTICA LANÇA ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA LEI 12.619 NOS CUSTOS DE OPERAÇÕES
Estudos técnicos divulgados pelo Departamento de Custos Operacionais e Pesquisas Técnicas e Econômicas – DECOPE da NTC & Logística no último dia 10 de setembro mostram quais os impactos do cumprimento das exigências da lei sobre os custos das empresas de transporte rodoviário de carga fracionada, lotação ou grandes massas e contêiner. Esse estudo não aborda os custos com ampliação da frota, contratação de novos motoristas e treinamentos.

Segundo dados publicados, estima-se que, em virtude da redução da quilometragem rodada/mês, haverá aumento do prazo de entrega em aproximadamente 56%, pois o veículo irá demorar mais tempo para concluir o mesmo percurso.

“Com relação ao número de viagens no percurso médio, tomando-se como exemplo a carga fracionada, processo que exige no mínimo três operações rodoviárias (coleta/entrega e transferência), estima-se que o número de viagens/mês, somente na operação de transferência, terá redução de no mínimo 4,5 viagens/mês, ou seja, de 12,7 para 8,2 viagens/mês. O que vale dizer que a redução em percentual será de 35,7% no número de viagens/mês. Esses raciocínios também são válidos para outros tipos de cargas, como, por exemplo, a lotação, que é a mesma característica da etapa de transferência da carga fracionada”, afirma o relatório.

De acordo com os estudos técnicos, no transporte de carga fracionada nas faixas de distâncias muito curtas (50 quilômetros) é esperado aumento de custo de 9,51%. Já nas curtas distâncias (400 quilômetros), a média é de aumento é de 11,16%. As faixas médias de distância (800 quilômetros) sofrerão a maior subida de custos, com 14,98%, seguida das longas distâncias (2400 quilômetros), com 14,01%, segundo o estudo.

No caso das operações de carga lotação ou grandes massas, nas faixas de distâncias curtas (400 quilômetros), é esperado aumento de custo de 30,62%. Já nas médias distâncias (800 quilômetros), o aumento é de 28,92%. As faixas longas (2400 quilômetros) sofrerão subida de custos de 27,09%, e as muito longas (6000 quilômetros), de 26,35%. O estudo revelou ainda queda de produtividade da ordem de 37,5%, com redução no número de viagens por mês, nas distâncias longas, de 2,25 viagens/mês. “Como os custos fixos permanecem no mesmo nível no período anterior à Lei 12.619, quando há redução na produtividade do veículo, isso acaba por elevar os custos por unidade transportada. No caso das operações de lotação, que operam muito mais em rotas de médias e longas distâncias, a tendência é de que haja uma diluição maior dos custos fixos. Os impactos são menores à medida que o percurso aumenta. Para o setor de transporte de contêiner, o impacto médio foi de 27,28% nas distâncias muito curtas. Houve queda no número de viagens de aproximadamente 28,57%, o que representa em números absolutos redução de 5,14 viagens/mês nas rotas muito curtas e de 3,21 viagens nas rotas médias”, diz o estudo.

SUGESTÕES PARA DIMINUIR OS IMPACTOS
• Redução nos tempos de carga e descarga no cliente;
• Diminuição das restrições à circulação de caminhões, tanto nas marginais da cidade de São Paulo, quanto nos centros urbanos de uma maneira geral;
• Melhor aproveitamento da capacidade dos veículos. Quanto maior for esse aproveitamento, melhor será diluído o custo fixo por tonelada;
• Maior agilidade na liberação dos veículos nos postos fiscais das fazendas estadual e federal, na fronteira entre os estados.

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