Fim do monopólio da Petrobras não terá efeito imediato no preço de combustíveis sem investimentos em logística, diz estudo
As oscilações na cotação internacional do petróleo na última semana, provocadas pelo temor de uma nova guerra no Oriente Médio com a escalada da tensão entre Irã e EUA, evidenciaram mais uma vez as dificuldades do governo para amenizar o repasse de uma alta brusca da commodity para o preço da gasolina e do diesel no Brasil. Enquanto estuda a criação de um fundo com recursos dos royalties para evitar que picos da cotação cheguem às bombas, o governo — constantemente pressionado pelos caminhoneiros — segue com o plano de abertura do setor de combustíveis para ampliar a competição e reduzir os preços. A Petrobras colocou à venda oito de suas refinarias, mas analistas apontam que isso não é suficiente para aumentar a concorrência no curto prazo. Será preciso vencer um outro obstáculo: o gargalo logístico em torno das unidades.
Uma pesquisa da Leggio Consultoria, especializada nos setores de óleo e gás e infraestrutura, ao qual O GLOBO teve acesso, revela que falta infraestrutura no país, principalmente portuária, para uma efetiva concorrência entre as refinarias. Isso porque há muitas limitações de transporte para que uma refinaria possa vender derivados na área das outras. O mesmo vale para os importadores.
Unidades isoladas
Marcus D’Elia, sócio-diretor da Leggio, explica que, como as refinarias foram construídas pela Petrobras (que concentra mais de 90% da produção de combustíveis no país) sem o objetivo de competirem entre si, a logística delas foi planejada para atender mercados no seu entorno. Não há infraestrutura de escoamento, que permita a uma refinaria levar seus produtos à área de influência de outra, como quer agora o governo.
— Para o consumidor ser beneficiado com redução de preços tem que ter competição. E, para isso, precisa ter infraestrutura. Atualmente, cada refinaria tem sua área de influência bem definida. Sem ampliar a infraestrutura, as refinarias vão apenas mudar de dono. Para ter competição, os refinadores precisam ter condições de movimentar seus produtos até os pontos de venda de seus concorrentes — diz D’Elia.
O estudo aponta, além da venda de refinarias da Petrobras, a necessidade de aumento da capacidade de transporte de combustíveis no país em portos, ferrovias e dutos para estimular a concorrência.
Um exemplo desse gargalo está na Rlam, na Bahia, uma das refinarias que a Petrobras pôs à venda. O terminal portuário de Aratu tem capacidade para movimentar apenas 5% da produção da unidade. Isso limita a possibilidade de competidores ameaçarem a área de influência da Rlam, embora também dificulte as vendas dela para outras regiões.
No Rio Grande do Sul, o Porto de Rio Grande fica muito distante da Refap, outra refinaria da Petrobras à venda, e não há terminais de líquidos no litoral norte do estado nem no sul de Santa Catarina, área de influência da unidade. Para D’Elia, esses fatores aumentam os custos e desestimulam a competição no setor.
O consultor diz que o Ministério da Infraestrutura deveria dar prioridade à realização de leilões de concessão para terminais marítimos nos estados de Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O estudo recomenda o investimento em logística ferroviária para que as refinarias alcancem o interior do país. Um exemplo citado é a interligação entre as ferrovias Rio-Vitória e Vitória-Minas, para estimular a movimentação de combustíveis entre Rio, Minas Gerais e Espírito Santo.
José de Sá, sócio e especialista em óleo e gás da consultoria internacional Bain & Company, avalia que os consumidores já serão beneficiados logo que se concretizar o fim do monopólio da Petrobras, mas não necessariamente pela competição entre refinarias. Ele admite que a competição será limitada pela carência de infraestrutura, mas acredita que a lógica de mercado aberto e a gestão privada farão diferença no primeiro momento. Um dos benefícios, diz, será a possibilidade de reajustes regionais nos preços dos combustíveis, dependendo da estratégia de cada refinaria. Hoje, todas seguem a política de preços da Petrobras.
— Entre outros fatores, vai acabar a isonomia de preços por região, uma característica do regime monopolista. Isso trará uma nova dinâmica ao mercado. Haverá um rearranjo na distribuição e no varejo de combustíveis — prevê Sá.
Felipe Perez, diretor e estrategista de downstream (fase logística de transporte dos produtos da refinaria até os locais de consumo) para a América Latina da consultoria britânica IHS Markit em Washington, pondera que, embora metade da capacidade de refino será assumida por diferentes agentes privados, a competição não será plena sem investimentos na infraestrutura. Ele aponta que a Petrobras seguirá dominando o Sudeste e o Centro-Oeste porque a Regap, em Minas Gerais, que será vendida pela estatal, não tem escala nem capacidade de escoamento suficiente para competir com a Reduc, no Rio, e com refinarias paulistas, que não serão vendidas. Já quem comprar a Rman, em Manaus, contará com mercado cativo e isolado, prevê Perez.
— O impacto da competição local vai demorar a chegar ao consumidor sem que se faça mais infraestrutura — diz o especialista, lembrando que, nos EUA, refinarias contam com uma rede de dutos privados para levar seus combustíveis a diferentes regiões do país.
Autorregulação
Edmar Almeida, especialista em óleo e gás e professor do Instituto de Economia da UFRJ, vê como natural que cada refinaria tenha sua área de influência, com a competição se dando principalmente nas “margens”, nas regiões limítrofes que podem ser atendidas por duas produtoras de combustíveis. Ele destaca que os investidores que assumirem as refinarias terão um estímulo para ampliar a capacidade logística para ampliar seus mercados.
— No início, realmente há esse problema da necessidade de expansão da infraestrutura, mas ela acontecerá naturalmente — diz. — A compra de uma refinaria não é desassociada da logística. Quem compra uma está de olho nisso. Vão surgir oportunidades de novos investimentos nesse setor, e a concorrência vai aumentar.
Para Perez, se parte das refinarias da Petrobras já estivesse nas mãos de investidores privados, não seria necessária a discussão atual no governo para criar mecanismos capazes de amortecer o impacto de altas do petróleo no mundo sobre os preços dos combustíveis no Brasil.
— O mercado é que se autorregula, e acabou. Hoje, a pressão dos conflitos externos cai nos ombros da Petrobras
— avalia o estrategista da IHS, para quem um fundo que funcione como colchão financeiro para amortecer o impacto de altas do petróleo nas bombas traz mais riscos que benefícios.
— A experiência internacional, principalmente na América Latina, é que isso nunca deu certo. Por mais regras que tenham, os governos acabam usando os recursos para outros fins. O foco do Brasil tem que ser no crescimento da economia, e deixar o mercado regular os preços dos combustíveis.