Há que se trabalhar mais celeremente para se combater o desemprego e a desigualdade.

Publicado em
28 de Julho de 2019
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Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes*
 
Por ocasião dos “200 dias de governo Bolsonaro”, muito se tem escrito e falado sobre o que foi, de fato, realizado. Alguns dizem que pouco foi produzido, outros enaltecem as providências tomadas e muitos não sabem o que dizer a respeito. “Nada” foi a resposta de 39% das pessoas entrevistadas pelo Datafolha ao serem questionadas sobre o que de melhor, até agora, foi feito pelo governo Bolsonaro. Não deve ser à toa que os índices de aprovação de seu governo tem caído. 
 
É desnecessário, neste artigo, comentar a respeito das inúmeras ‘gafes’ produzidas ou das incorretas, inapropriadas e injustas – até com a história -  afirmações feitas pelo nosso presidente e alguns de seus ministros mais identificados com o que se tem chamado de “Bolsonarismo”. Parece que na medida em que o tempo passa e o novo governo se sente “mais senhor” da cadeira que ocupa, o autoritarismo e a vontade de agredir surgem de forma cada vez mais transparente. Ou seria, como diz um amigo, grande entusiasta do novo governo, “uma estratégia”?
 
Recentemente, em Vitória da Conquista, Bahia, ao dizer que “não temos preconceito contra ninguém, mas temos uma profunda repulsa por quem não é brasileiro” (também já disse o mesmo sobre nordestinos, petistas, estudantes, homossexuais etc.), Bolsonaro fomenta o divisionismo e a polarização, alimentando um clima de revanchismo e ameaças, no qual são desconsideradas quaisquer opiniões dos grupos rotulados como contrários. Embora às vezes possa parecer engraçado, nada há de cômico quando esse comportamento se mantêm ao longo do tempo. Pelo contrário, pode ser trágico
 
Para piorar, até mesmo alguns dos principais colaboradores do governo que considerávamos como “freios e amarras” aos avanços da indesejável impetuosidade do Presidente, tem diminuído ou encerradas suas intervenções. Alguns por terem sido demitidos, outros por terem sido “enquadrados” às regras do governo atual, e outros por terem criado, para si, seus próprios problemas. Os nomes são vários e oriundos de diversos setores ou classes. Inclusive dos meios militares.
 
Os poderes Legislativo e Judiciário, embora ainda muito desacreditados por uma ampla maioria da população, têm desempenhado um pouco esse papel de “freios e amarras”, na medida em que tem impedido a aprovação de propostas consideradas inadequadas, seja sob o ponto de vista jurídico ou constitucional. O Congresso, inclusive, tem adotado uma agenda própria – felizmente com temas de importância para o País, como são os casos das reformas da Previdência e Tributária – e limitado a implementação de políticas que, além de só interessarem aos ‘apaniguados’, são questionáveis (1). Ou também é estratégia do governo enviar propostas, mesmo sabendo que será impossível aprova-las, para que Congresso, e até mesmo o Judiciário as rejeitem? Como quem diz, fiz minha parte mas os “políticos” (e “malhe-se” a política e os políticos) não permitem que eu governe. 
 
Opor-se a um determinado tipo de governo, de esquerda ou de direita, defender mais ou menos liberalismo na economia, proteger valores mais ou menos conservadores, fazem parte da democracia, na qual as eleições respondem de forma definitiva pela definição do caminho a ser tomado. Mas mesmo considerando a existência de caminhos completamente diferentes, o objetivo precisa ser um só: o bem da Nação. Terminadas as eleições o novo governo precisa estar voltado para o bem comum e governar para todos. Não é possível acreditar cegamente (obediência doutrinária, religiosa ou ideológica), seja lá no que for, ao ponto de se negar a própria realidade.     
 
Com base no multipartidarismo, o mundo democrático atual precisa da política e dos partidos políticos para enfrentar os desafios que se apresentam neste mundo novo e ainda em constante mudança, e construir soluções para uma convivência harmônica entre todos (2). Mesmo com divergências partidárias – salutares em quaisquer sociedades democráticas -, é essencial levar em consideração o ponto de vista dos outros, como forma única de se buscar o bem de toda a sociedade. Sectarismo e a aceitação da filosofia do “nós e eles” em nada ajudam.
 
Parece ser entendimento geral, atualmente, que a democracia representativa já não consegue dar respostas a tudo, levando a maioria das sociedades do mundo a negarem a política e defenderem posições mais radicais e autoritárias. “A agonia antipolítica”, escreveu o professor Hübner, “corrói a democracia em várias partes do mundo, e não faltam causas para esse estado de espírito”. Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, publicou o artigo “A política do pânico e circo”, no livro “Democracia em Risco? 22 Ensaios sobre o Brasil hoje” (Companhia das Letras, 2019). 
 
Ao comentar sobre o Brasil, Hübner acredita que “o surgimento de Bolsonaro também é o resultado, entre outros, desse sentimento contrário à política e aos políticos”. E continuou: “em sintonia com líderes pré-democráticos, Bolsonaro se coloca abertamente contra o corpo e o espírito da Constituição ao defender a supressão de direitos e de programas de solidariedade”.
 
Em um regime democrático, o exercício das atividades governamentais somente será possível quando, além de respeitar a Constituição vigente, houver uma convivência harmoniosa entre os poderes constituídos. O respeito às leis e a sujeição ao controle e ao julgamento do poder Judiciário, são valores inquestionáveis. Infelizmente, diante do que se observa atualmente, parece que nosso governo é contra esse tipo de mediação posto que, como concluiu Hübner, “o populismo autoritário se insurge e Bolsonaro se inscreve nessa tradição”.
A economia, como não poderia deixar de ser, reflete esse estado confuso da política brasileira, dificultando que se faça uma correta leitura da situação atual e criando obstáculos para que se construam caminhos alternativos. Uma das consequências é o fato de ainda não termos, passados quase sete meses de governo, indícios concretos de retomada do crescimento. O baixo crescimento da economia e a alarmante e persistente falta de empregos, além de prejudicarem fortemente as camadas mais pobres da população, continuam aumentando o nível de pressão sobre o novo governo. Esse desempenho insatisfatório e decepcionante indica, sobretudo, que encontrar soluções para o tamanho do problema brasileiro sempre foi muito mais difícil e complexo, notadamente em uma sociedade democrática, na qual, mesmo que de forma imperfeita, as instituições e os demais poderes constituídos ainda funcionam, do que diziam (será que acreditavam?) o candidato Bolsonaro e seus colaboradores mais diretos. 
 
Um dos resultados dessa triste realidade é a de que a desigualdade tem aumentado (3), fazendo ascender ainda mais, lideranças populistas (4) e movimentos nacionalistas exacerbados. Como se vê, um “círculo vicioso” sem virtudes. Evidente que não se pode “cobrar essa fatura (desemprego e desigualdade)” somente do atual governo, mas está claro que nestes primeiros quase sete meses de trabalho, pouco se fez a respeito. Alguém já disse que Bolsonaro governa para corporações amigas e ricos e que ao não adotar medidas urgentes para atender a classe mais pobre da população brasileira, pode parecer provocação. O que, sem dúvida, estimula mais e mais a radicalização e a polarização da política nacional.
 
É imprescindível, portanto, que se comece a agir no sentido de se implantarem medidas concretas e compatíveis com os principais problemas nacionais atuais, dos quais o desemprego é um dos mais prioritários no momento. Macro políticas, tais como a reforma da Previdência, Tributária e de Desburocratização, embora necessárias, não diminuirão o desemprego no curto prazo. É preciso sair do (falso?) dilema “estímulos à demanda” ou “estímulos à oferta”. Assim como é essencial, mesmo com a necessidade de se dar maior protagonismo à iniciativa privada, não acreditar que o mercado, sozinho, tenha forças para regular e equilibrar a economia. Aliás, essa crença é um grande engano, como demonstraram, ao longo do tempo, todas as grandes crises econômicas vividas pelo mundo capitalista.   
 
Como já escrevi recentemente (artigo publicado dia 21/05/19, aqui mesmo no Guia do TRC), “na atual situação do Brasil, muitas providências são necessárias, mas o combate ao desemprego, além de essencial, é medida de sobrevivência”. E finalizei: “o desemprego precisa começar a diminuir, pois do caos ao anarquismo o caminho é muito rápido”. E no caos nós já nos encontramos, apesar das aparências contrárias, pois enquanto se governa apenas para atender interesses empresariais e dos grupos que apoiaram o novo governo, os demais brasileiros, sem muitas opções, vão se “virando” sozinhos. Até quando?
 
Considerando que são inegociáveis os compromissos de combate ao déficit público, também se coloca como essencial o desenvolvimento e a implantação de um projeto nacional, no qual o combate ao desemprego e à desigualdade precisa estar contemplado. Urge entender que agendas econômicas que apenas primam pela austeridade, aumentam a desigualdade, principalmente nas áreas da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura. 
 
Diante dos altíssimo índices de desemprego atuais, bem como os baixíssimos índices de qualidade nos serviços de educação, saúde e segurança, é impossível imaginar que o trabalhador brasileiro possa aumentar sua produtividade, um dos principais problemas de nossa economia. O desemprego alija o trabalhador de eventual participação na evolução dos processos produtivos e tecnológicos, pois sem trabalhar, não se atualiza e fica para trás. Sem educação não há como preparar o trabalhador brasileiro para um mundo que exige maiores capacitação, qualificação e maior empregabilidade. Sem saúde, jamais haverá condições físicas, ânimo ou possibilidade de se trabalhar com entusiasmo. E sem segurança, tudo fica muito, mas muito pior, para todos. 
 
Desemprego e desigualdade, além de afetarem de forma cruel os cidadãos, ainda inibe o crescimento econômico presente e futuro. Vamos acordar!
(1) No jornal Valor do último dia 24, levantamento realizado mostra que nos primeiros seis meses do governo Bolsonaro, 50 Projetos de Lei foram encaminhados, entre PECs e MPs, mas o Congresso, até agora, aprovou apenas 7 (14%). Sem dúvida, a falta de um bom relacionamento entre Executivo e Legislativo tem dificultado a aprovação de medidas de interesse da Nação. “A técnica jurídica do governo deixa a desejar, pois muitos deles deveriam, antes, passar pelo Congresso” disse o professor de direito da FGV, Oscar Vilhena em entrevista para o Estadão.
 
“Não houve inexperiência, houve erro de avaliação. Do jeito que está se comportando, perde todas (as votações) e acaba virando um governo ineficaz”, disse Fernando Gabeira em entrevista ao Estado dia 30.06.19.
 
(2) “O multilateralismo não é a expressão ideológica de um globalismo. Objetiva a elaboração e a aplicação de normas e pautas de conduta, elaboradas coletivamente pelos Estados para reger suas recíprocas relações num mundo interdependente” (Ex-ministro de Relações Exteriores, professor Celso Lafer – Estado de 21.07.19: “O Brasil e o multilateralismo”).
 
(3) Levantamentos feitos pelo IBRE/FGV, no início deste ano a desigualdade de renda dos trabalhadores teve seu maior índice nos últimos sete anos. O índice Gini, que no final do ano de 2018 era de 0,625, atualmente é de 0,627. O índice aumentou e ficou mais distante do ‘zero’. O índice Gini, quanto mais próximo do ‘zero’, menor é a desigualdade do rendimento domiciliar per capita do trabalhador.
 
Mesmo que o aumento da desigualdade pareça ser um fenômeno que tem caracterizado o capitalismo deste início de século, como já salientado, no Brasil esse problema tem aumentado. Artigo publicado pela Folha de São Paulo, dia 23 pp (“Desigualdade global ameaça democracia”), comenta sobre a série “Desigualdade Global”, produzida por Fernando Canzian e Lalo de Almeida, na qual se conclui que “entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, a classe média viu cair sua participação na riqueza mundial nos últimos 40 anos”. 
 
(4) O crescimento dos partidos políticos de extrema direita, que também primam pelo populismo, seria consequência do “aprofundamento da fissura de valores entre conservadores sociais e os liberais sociais, com a canalização, pelos primeiros, de eu apoio a políticos xenófobos, etnonacionalistas e autoritários” ou da “angústia e da insegurança econômica de muitos eleitores, alimentadas pelas crises financeiras, a austeridade e a globalização?”, pergunta o professor de economia política da Universidade de Harvard, Dani Rodrik”. E ele mesmo responde, ao dizer que a análise correta das causas que explicam a “ascensão do populismo autoritário pode ser menos importante do que as lições de política pública a serem extraídas dela. Há pouca discussão nessa esfera. As medidas corretivas econômicas da desigualdade e da insegurança são primordiais” (tradução de Rachel Warszawski feita para o Valor do último dia 12: “O que impulsiona o populismo?”.
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