Guerra na Justiça marca fim dos contratos de concessão de rodovias no RS

Publicado em
28 de Fevereiro de 2013
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As empresas detentoras de concessões rodoviárias no Rio Grande do Sul esperam que até o dia 6 de março seja publicada uma sentença judicial que altere o cenário de disputas que cerca o fim de seus contratos. No processo em questão, movido pela Concessionária Rodoviária do Planalto S.A. (Coviplan, operadora do polo de Carazinho), é questionada a data determinada pelo governo do Estado para o fim das operações - 6 de março - e a suposta inobservância por parte da administração pública da previsão de indenizações prévias antes do encerramento dos prazos dos contratos.

Uma primeira decisão em caráter liminar, favorável à concessionária, foi cassada em decisão monocrática. O que as empresas aguardam, agora, é o julgamento do mérito da questão. Procurada pela reportagem, a Coviplan preferiu não dar entrevista. Mas o diretor-presidente da Associação Gaúcha de Concessionárias Rodoviárias, Egon Schunck Júnior, afirmou que os questionamentos feitos no recurso à Justiça são comuns a todos os processos abertos pelas empresas. Segundo ele, as concessionárias buscam apenas preservar os direitos previstos no contrato, além de manter abertas as portas para as negociações tanto com o governo do Estado, quanto com o governo federal.

“Tivemos de ir ao Judiciário para proteger os direitos, já que o encerramento dos contratos foi antecipado em seis meses, aproximadamente. Esse recurso se deve à cláusula dos contratos que determina como requisito para o encerramento do contrato, no advento do prazo, a prévia indenização dos investimentos não amortizados durante o prazo da concessão, e existem muitas situações que configuram essa hipótese”, argumentou Schunck.

Segundo ele, a operação de guinchos e ambulâncias pelas empresas, a atuação em trechos urbanos e a realização de obras não previstas são alguns dos exemplos de investimentos que deveriam ser indenizados antes do encerramento da relação de concessão. Porém, Schunck diz que o governo não entende que essa necessidade de indenização prévia exista e que a alternativa apresentada seria a inclusão das concessionárias na fila dos precatórios.

“Isso é o pior cenário”, garante ele. Para evitar que essa situação se configure, as empresas recorreram à Justiça e, paralelamente, tentam construir alternativas a serem apresentadas caso os juízes sejam favoráveis aos argumentos das empresas (de que os fins dos contratos não se dão nas datas previstas pelo governo ou que é preciso indenizar as empresas antes do fim da concessão).
Para o representante das empresas, porém, a celeridade que o governo emprega no encerramento dos contratos é uma tentativa clara de inviabilizar uma transição consensual e, sobretudo, para se dispensar de fazer a indenização prévia. “Nesse sentido (o governo) antecipou o prazo de encerramento e também fez ampla divulgação na mídia de um estudo contratado que teria apontado algumas não conformidades em relação à execução dos contratos”, diz Schunck. “Ocorre que ninguém conhece esse relatório. As empresas não foram participadas dele, a imprensa também não. A apresentação genérica (feita ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em dezembro) não foi no formato que prevê o bom o relacionamento entre poder concedente e concessionária, como o direito administrativo estabelece”, reclama.

Por outro lado, o secretário de Infraestrutura e Logística, Caleb de Oliveira, garante que está tranquilo com a posição da Justiça com relação ao calendário de encerramento das concessões dos pedágios. Ele lembrou que a liminar reconhecendo o fim do prazo da Coviplan em dezembro foi cassada e afirmou que a estrutura jurídica da administração está mobilizada para garantir a posição da Seinfra.

“É normal (o recurso à Justiça). É evidente que as concessionárias, ao encerrar os contratos, vão buscar alguma maneira de melhorar os seus resultados dentro do processo todo, porque na verdade o empreendedor enxerga isso como um negócio de 15 anos, que teve determinadas despesas, determinadas receitas e determinado resultado. É evidente que se a concessionária conseguir ficar mais uns meses dona da cancela naquele trecho, ela vai ter mais alguns meses de receita. É natural, estamos bastante tranquilos com isso”, diz Caleb.

“Nessa primeira tentativa, da Coviplan, a liminar já foi derrubada. A Procuradoria Jurídica do Estado já está tratando do assunto, não há como voltar atrás, já está definido que será o mês de março como estava previsto do estudo que o Estado havia feito, e a Agergs, homologado. Portanto, isso é um processo normal. Fala-se em indenizações milionárias, mas temos muita convicção do que estamos fazendo, vai se chegar a um acordo e eventualmente esse assunto será esgotado”, garantiu o secretário.

Já o diretor de Operações Rodoviárias do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Cleber Domingues, é mais direto e afirma que o estudo contratado pelo governo para verificar as condições de toda a malha pedagiada terá a função principal de servir como elemento de defesa do Estado nos processos abertos pelas concessionárias. Ele afirma, ainda, que a autarquia estadual defende um “fechamento de contas para os dois lados”.

Nesse cálculo (também defendido pela Agergs) feito polo a polo, o Estado quer comparar o projeto inicial da concessão com os dados sobre as condições atuais das rodovias. Casos como a operação de guinchos e ambulâncias (que contratualmente deveriam ser fornecidos pelas empresas, mas operados pelo poder público) gerariam créditos para as empresas. Já casos de má conservação das estradas ou da não realização de obras previstas no projeto, seriam motivos de indenização para o governo. “Isso vai acabar sendo feito nos autos dos processos”, estima Domingues.

Empresas põem em dúvida o estudo feito pela Dynatest SD - Ninguém conhece a íntegra do relatório que aponta, por exemplo, que 22% das estradas estaduais estão abaixo do nível de qualidade contratado com relação às irregularidades longitudinais. A crítica é feita pelo diretor-presidente da Associação Gaúcha de Concessionárias Rodoviárias, Egon Schunck Júnior. Uma versão prévia e condensada desse estudo, feito pela consultoria Dynatest SD para a Secretaria de Infraestrutura e Logística, foi apresentada no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em dezembro e distribuída à imprensa. Porém, a Seinfra, o Daer e o Conselhão nunca deram acesso à íntegra do documento.

A primeira justificativa é que o estudo prevê, além do levantamento técnico, um estudo de engenharia financeira, que ainda estaria em elaboração. Mas o ponto principal, segundo o diretor de Operações Rodoviárias do Daer, Cleber Domingues, é não antecipar os argumentos que farão parte da defesa do Estado na Justiça. Na divulgação parcial dos resultados, no Conselhão, foi dito que a cada 200 quilômetros de estradas, 30 ou 40 deveriam estar duplicados, e não estão; dos 900 quilômetros incluídos nos polos, 30% estariam precisando de reparos imediatos, 24% apresentam defeitos e 53% precisarão de investimentos nos próximos cinco anos; 8% não têm mais vida útil.

Schunck insiste que o Estado não é justo quando usa esses números para argumentar descumprimento dos contratos. “A forma de agir do Estado não está correta. As empresas deveriam ter sido informadas oficialmente sobre a realização desse relatório, para que manifestassem o que fosse de seu interesse. Mas o Estado estranhamente deixou as concessionárias ao largo do relatório. E, também estranhamente, não envolveu a Agergs e a União. Acabou que um pedaço do relatório foi apresentado no processo de uma concessionária há poucos dias. Então, a concessionária que recebeu esse material contratou um perito, uma empresa especializada na mesma atividade da Dynatest SD, para analisar esse material, e ela apontou uma série de defeitos. O Estado não tem o monopólio da verdade. Isso está incorreto”, garantiu.

Para Schunck, o próprio cruzamento de dados para o “fechamento das contas” é absurdo. Isso porque, argumenta, a diretoria colegiada do Daer emitiu decisões homologatórias do valor monetário do desequilíbrio financeiro dos contratos em maio de 2008, e a Agergs, no ano seguinte, emitiu uma resolução em que também reconhece os desequilíbrios.

Para Agergs, contrato nunca foi atendido 100% - O presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), Luciano Schumacher Santa Maria, é categórico ao dizer que o pedido de indenização feito pelas empresas, sem considerar possíveis indenizações ao Estado ou descontos por falhas na operação, é inaceitável. “As empresas apresentaram essa conta de R$ 3 bilhões, que não aceitamos. Não tem esse tamanho, porque o cálculo não está considerando as questões pró-Estado. É preciso que se faça uma conta para cada polo. Alguns polos talvez tenham equilíbrio e em outros talvez haja dívida do Estado ou para o Estado”, argumentou ele ao lembrar que já foram iniciadas 40 ações judiciais.

Segundo Santa Maria, a agência tem acompanhado desde 2004 a qualidade do serviço prestado. Usando indicadores estabelecidos pelo contrato (informação que a Associação Gaúcha de Concessionárias Rodoviárias questiona), ele diz que são avaliadas as trepidações, a formação de trilhos de roda, a altura do degrau entre a pista e o acostamento e a retrorrefletividade da sinalização horizontal. “Fizemos divulgações disso. As empresas nunca atenderam 100% do contrato”, diz o presidente da Agergs.

Ele entende que cada polo tratou de forma diferente das questões que geraram desequilíbrios, como a operação de guinchos e ambulâncias, que deveria ser feita pelo poder público. E que essas posturas diferentes tiveram impactos distintos na questão financeira. Mas Santa Maria alerta que há uma grande confusão entre desequilíbrio e prejuízo. “É possível ter lucro com desequilíbrio. Aliás, é esse o caso. Houve descumprimentos de parte a parte. Por parte dos governos (das diferentes administrações que passaram pelo Piratini), deveriam ter sido tomadas certas atitudes na gestão desses contratos, mas elas não foram tomadas. Por parte das empresas, não houve o atendimento completo ao contrato”, argumentou.

O presidente da agência lamenta que, por falta de uma lei que regulamente o poder de sanção, a Agergs tenha tido sua ação prejudicada em relação às concessionárias de rodovia. O limite institucional, disse ele, fez com que a Agergs (que foi criada depois do processo de concessão) pudesse apenas notificar o Daer para tomar medidas punitivas com relação às falhas das empresas – o que nunca foi feito, segundo o diretor de Operações Rodoviárias, Cleber Domingues, em função da precariedade da estrutura da autarquia. “Em muitas ocasiões, faltou gente mesmo”, justificou.
Santa Maria detalha que nos últimos dez anos, pelo menos em três oportunidades o projeto de lei dando poder de sanção à Agergs esteve na Assembleia Legislativa, mas nunca foi à votação. “Isso retirou muito da força que a agência deveria ter para atuar nesses contratos. Porque a gente vai a campo, acompanha, vê que o contrato está sendo descumprido, que a qualidade não é a que deveria ser, que faltam investimentos. O passo seguinte seria exigir das empresas que levassem a qualidade das estradas ao contrato, que investissem na recuperação da malha. A gente notifica as empresas, notifica o Daer, mas não existindo esse poder de sanção, a empresa se sente desobrigada a atender a essa notificação da Agergs. E acabou não havendo correção de rumos”, descreveu.
Outro obstáculo à atuação da Agergs apontado pelo presidente da casa foi o período de denúncia dos contratos durante o governo Yeda Crusius, quando as rodovias federais foram devolvidas ao Ministério dos Transportes (que não aceitou, e a concessão ficou em um hiato por mais de dois anos, até que Tarso Genro firmasse um convênio retomando a responsabilidade sobre os trechos). Neste período, a agência acompanhou apenas no polo de Gramado, composto por rodovias estaduais.
Agora, com a proximidade do encerramento das concessões, Santa Maria afirma que a agência firmou um convênio com o Daer para receber os dados do levantamento feito pela Dynatest SD e usá-los em seu relatório final, já que a contratação de uma consultoria pela agência foi atrasada pela aprovação do edital e não seria possível fazer isso antes do dia 6 de março.
Para a Seinfra, com a EGR tudo será diferente - É citando a famosa canção de Roberto Carlos que o secretário de Infraestrutura e Logística do Estado, Caleb de Oliveira, começa a falar sobre o futuro das rodovias com a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). “Daqui pra frente, tudo vai ser diferente”, garante ele. Para a Seinfra, a criação da empresa pública para gerir contratos de manutenção, realização de obras e cobrança dos pedágios é uma modernização que vai permitir ao Estado driblar os problemas enfrentados ao longo dos 15 anos do Programa de Concessões de Rodovias.
“A EGR é uma empresa pública e deverá ser mantida com uma estrutura enxuta exatamente voltada para isto que talvez as estruturas do Estado nesse primeiro momento (quando definido o Programa de Concessões, nos anos 1990) não tivessem: que é ser uma estrutura gestora de contratos, com capacidade de elaborar esses editais da melhor maneira, acompanhar as obras feitas, a execução dos contratos, ter contratos bem feitos com as empresas que permitam que, quando o prestador de serviços não está executando aquilo que ele deveria fazer, a empresa tenha condições de interferir. Ao invés de ter um fornecedor só para todo o serviço, vai ter vários fornecedores para os trechos. Se houver um problema, esse problema será localizado. O problema é ter uma única empresa para todo um polo rodoviário”, argumentou.
Oliveira explicou que cada trabalho (conservação, sinalização, operação das praças de pedágio etc) será contratado por uma licitação separada. Além disso, o relatório da Dynatest SD deverá ser base para a engenharia econômica dos contratos. Com esse arranjo, ele espera que sejam definidas tarifas capazes de cobrir os custos de manutenção da trafegabilidade das estradas e de financiar as obras.
O presidente da nova empresa pública, Carlos Bertotto, ressalta que a atuação seguirá um modelo “que já deu certo, que são os pedágios comunitários”. Essas praças (em Campo Bom, Coxilha e Portão, foram assumidas pela empresa em 15 de fevereiro e deverão ter seus processos de aproximação com a população replicados para os demais polos. “Eles duplicaram, conservaram e mantiveram estradas com pedágios de muito menor custo para o usuário. Esses valores serão mantidos, e nas outras praças a redução será de 25% a 30%”, ressaltou.
A EGR já é uma empresa constituída, com 15 dos 35 funcionários do quadro que, quando ampliado, chegará a 100 pessoas. Antes de assumir as estradas estaduais dos polos, Bertotto diz que a empresa já estará em sua sede definitiva, no Centro de Porto Alegre. Para o futuro da EGR, Bertotto e Oliveira apontam que já é cogitada uma alteração contratual da empresa para que, em parceria com o Dnit, ela possa operar os pedágios federais que venham a ser instalados no Estado. “É o que se cogita para o futuro. Hoje as rodovias federais passam para a União”, diz o secretário.

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