Governo negocia e bloqueio é suspenso

Publicado em
01 de Agosto de 2012
compartilhe em:

A paralisação de caminhoneiros, que provocou congestionamentos em 12 Estados pelo terceiro dia consecutivo e afetou a movimentação de pessoas e cargas, dividiu o segmento de transporte de cargas no país. Ontem à noite, após o governo receber representantes do setor e endurecer o tom ao avisar que só voltaria a negociar com as estradas liberadas, representantes avisaram que iriam suspender a manifestação, segundo informou o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. Os representantes do setor confirmaram que os bloqueios começariam a ser desfeitos ontem a noite.

A paralisação foi organizada por entidades ligadas a motoristas autônomos, donos de seus próprios caminhões e que vivem do valor de frete e de serviços comissionados, mas foi apoiada por empresas do setor de carga, o que fez parte do próprio segmento classificar o movimento como um locaute. Outros representantes do setor - como os motoristas contratados por empresas e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) - não apoiaram o bloqueio.

O ponto de discórdia é a Lei 12.619, sancionada em abril e que regulamenta a profissão do caminhoneiro com base na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Como para a maioria dos trabalhadores do país, a nova legislação estabelece, entre outros pontos, que o motorista de veículos de carga e de passageiros deve respeitar uma hora diária para almoço, descansar por 30 minutos a cada quatro horas de rodagem e repousar por 11 horas a cada 24 horas trabalhadas. Esse tempo de descanso é criticado pelos autônomos e apoiado pelos trabalhadores contratados com carteira de trabalho.

Além da jornada, a lei aprovada no Congresso estabelecia que deveriam ser montados pontos de apoio a cada 200 quilômetros nas rodovias para acolher os caminhões. Esse dispositivo foi vetado pela presidente Dilma Rousseff. Nesse ponto, a insatisfação reúne todos os segmentos do setor.

O país tem cerca de 3 milhões de caminhoneiros, dos quais metade exerce a função de forma autonôma e metade com algum tipo de vínculo empregatício. Principal entidade por trás da greve, o Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), presidida por Nélio Botelho, defende que os motoristas autônomos não terão condições de competir no mercado se forem obrigados a respeitar a nova legislação, pois dependem de comissões e precisam cumprir metas para carregamento e entrega de mercadorias. Além disso, a rede de cooperativas de transportadoras alega que o país não tem estrutura para atender à demanda, como paradas de descanso e rede de hotéis.

A sinalização dada ontem pelo ministro Paulo Sérgio Passos, de que o governo só se reuniria novamente com representantes dos caminhoneiros se as estradas fossem liberadas, ocorreu sob orientação direta do Palácio do Planalto. Passos anunciou no início da noite que o bloqueio seria suspenso nas rodovias já na noite de ontem. Em troca, o governo montou uma mesa de negociações, com a primeira reunião em 8 de agosto, e prazo de 30 dias. "Teremos uma desmobilização gradativa que deve durar, pelo menos, até amanhã [quarta-feira] pela parte da manhã", confirmou Botelho, ao deixar reunião de cerca de cinco horas com Passos.

"Todas as reivindicações cabíveis serão examinadas e todos os aperfeiçoamentos propostos serão analisados com cuidado", disse o ministro após a reunião. Passos informou que, durante as negociações, a fiscalização da jornada de trabalho terá caráter educativo. Entre pontos que também serão discutidos estão o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), uma defasagem dos preços do frete; e o regulamento do Pagamento Eletrônico do Frete (PEF), que teria sido responsável por queixas recorrentes contra a operadora financeira responsável pelas operações.

Bandeira da categoria há décadas, a lei que regulamenta a profissão foi discutida entre sindicatos de trabalhadores e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) - principal entidade empresarial do setor - desde 2009. Com mediação do Ministério Público do Trabalho, patrões e trabalhadores chegaram a um acordo e a lei foi aprovada, mas sua entrada em vigor e a aplicação das primeiras multas foram o estopim para a greve dos últimos dias.

José da Fonseca Lopes, presidente da seção de transportadores autônomos da CNT, chama a paralisação de "golpe, um verdadeiro locaute". "Por trás da greve tem uma parcela de postos de abastecimento, uma parcela de empresas de transporte, uma parcela de empregados comissionados, uma parcela de cooperativas de transporte. A turma não quer o sistema regulamentado. Empresas temem aumento de custo e motoristas, perda de comissões", afirma Lopes.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), Paulo João Eustasia, denunciou o locaute aos Ministérios do Trabalho, da Justiça e dos Transportes. "Formalizamos a denúncia com base no que ouvimos dos nossos trabalhadores no Brasil todo. Muitas empresas estão orientando os motoristas a parar nos piquetes mesmo contra sua vontade. Não citamos empresas nominalmente, mas é o que diz a nossa denúncia", relatou Eustasia.

O presidente da Associação Nacional dos Caminhoneiros (Antrac), Benedito Pantalhão, nega que a greve seja dos empresários e disse que o movimento é pró-autônomos. "Nós compomos o MUBC e queremos condições melhores para os profissionais que não são vinculados a empresas", afirmou. Questionado se a Antrac é contra o descanso previsto na lei, Pantalhão diz que a manifestação é por conta dos problemas que a lei deve ocasionar. "Não há onde descansar e isso traz insegurança para os trabalhadores", afirma.

Nélio Botelho, do MUBC, tem o mesmo argumento. "Quem pensou esta lei não conhece a realidade das estradas brasileiras. Ela serve aos países de primeiro mundo, não ao nosso", afirmou. Segundo ele, o adiamento de um ano seria suficiente para a instalação dos pontos de apoio nas rodovias.

A paralisação dos caminhoneiros começou na quarta-feira, cresceu no domingo e atingiu ontem, segundo o MUBC, 120 mil caminhões em doze Estados. A Polícia Rodoviária Federal confirmou paralisações em seis estados e 35 quilômetros de congestionamento.

Empresas de logística montam alternativas - Grandes transportadoras e empresas de logística já sentiram os efeitos da greve dos caminhoneiros. Algumas empresas relatam que fizeram operações emergenciais nos últimos dias para atender clientes.

A Cargolift, empresa paranaense que tem 60% das operações dedicadas à indústria automotiva, coletou autopeças na região de Belo Horizonte levou-as em vans (e não caminhões) até a região de Porto Alegre, para conseguir passar pelos bloqueios. Em alguns casos, foi feito o transporte aéreo. "A indústria automotiva trabalha com estoques baixos. Qualquer atraso implica parada na linha de produção por causa falta de peças", diz Merkenson Marques, presidente da Cargolift.

Para essa e outras empresas do setor os efeitos da paralisação ainda são restritos à operação de alguns clientes. Há a preocupação, no entanto, com a possibilidade de o movimento se espalhar e complicar mais as operações. "Se essa paralisação continuar, compromete muito a operação de todas as empresas. A ligação entre o Norte e o Sul é basicamente feita pela Dutra. Com o bloqueio, simplesmente o caminhão não passa", diz Sergio Maggi Júnior, presidente da Gafor, que tem uma frota de 1,5 mil caminhões e clientes que dependem da rodovia Presidente Dutra.
As grande empresas informam que apoiam a nova regulamentação para os caminhoneiro. Isso porque elas já operam respeitando uma série de procedimentos de segurança - que incluem o rodízio de motoristas. Mesmo assim, alguns ajustes serão feitos por elas para atender a nova legislação e por isso haverá aumento do preço do frete de 15% a 40%.

A JSL, empresa de capital aberto e uma das principais companhias de logística do país, tem dois tipos de operação. Uma delas é a que conta com rodízio de motoristas a cada oito horas - que corresponde à maior parte das operações. Outras, de longa distância, são em geral feitas por um único motorista - que chega a rodar até dez horas por dia. "Nesses casos teremos um esforço para nos adaptar. O custo da operação pode subir até 40% em alguns casos", diz Adriano Thiele, diretor de operações e serviços da JSL.

As três companhias apoiam a nova legislação, mas fazem ressalvas. A principal delas é a infraestrutura nas estradas, que não estariam preparadas para as paradas dos caminhoneiros. "De alguma forma isso precisa ser fornecido por alguém", diz Thiele.

No Sul Fluminense, produção é afetada - Empresas instaladas em polos às margens da rodovia Presidente Dutra, no Sul Fluminense, já começam a enfrentar problemas com seus funcionários. Em sua maioria, eles vivem em cidades da região e utilizam a estrada para chegar ao trabalho. Algumas resolveram suspender a produção.

A Peugeot-Citröen, por exemplo, deixou seus funcionários em casa desde a tarde de segunda-feira. Com isso, não foram produzidos cerca de 800 veículos até ontem. Por mês, a montadora fabrica cerca de 13 mil carros. A companhia ainda planeja repor a produção atrasada.

Em Resende, a MAN, decidiu liberar os funcionários uma hora mais cedo desde segunda-feira. Além disso, muitos têm chegado atrasados. "Ainda não sentimos os efeitos, mas o problema reduz a cadência da produção", afirma o presidente da fabricante de ônibus e caminhões Volkswagen, Roberto Cortes. A empresa orientou os motoristas dos ônibus fretados que transportam os funcionários a fazer rotas alternativas. Mesmo assim, levaram mais de três horas para percorrer alguns quilômetros.

O executivo lembra também que a greve pode afetar o fornecimento de matéria-prima, tanto para a MAN como para os fornecedores. "Aqui na MAN cerca de 70% da produção trabalha com peças que chegam ’just in time’. Isso vale também para as empresas", conta Cortes.

A DuPont, que produz em Barra Mansa fluidos para a indústria de alimentos também suspendeu a operação. A empresa ressalta, porém, que a medida não afeta o abastecimento no curto prazo, já que seus estoques seriam suficientes para atender aos pedidos do próximo mês.

Na capital, o setor de hortifrúti é o que mais sofre. Na Ceasa, produtos provenientes de São Paulo dobraram de preço. "Recebemos diariamente até 150 caminhões de batata. Hoje (ontem) só entraram cerca de 40", diz o assessor-técnico da Ceasa, Antonio Carlos Rodrigues. Na semana passada, a saca de 50 quilos era negociada entre R$ 40 e R$ 45 e nos últimos dias, tem sido vendida entre R$ 100 e R$ 110.

Os cítricos também foram reajustados em 80%. A caixa de 25 quilos do limão subiu de R$ 25 para R$ 40 a R$ 45. O mesmo ocorreu com a tangerina e a laranja pera, que foram de R$ 20 para entre R$ 30 e R$ 35.

A União Brasileira de Avicultura (Ubabef) divulgou nota alertando para atrasos na entrega de ração. "Um descompasso nesse fornecimento é extremamente prejudicial para a produção." A Ubabef também vê problemas no transporte dos animais. "A produção avícola também depende do transporte de pintos de um dia para as regiões produtoras e, posteriormente, de aves vivas para as agroindústrias."

O serviço de entrega expressa dos Correios em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo também foi afetado. Por meio de nota, os Correios informaram que os impactos à operação de transporte de cargas são causados pelo bloqueio das estradas, pois a empresa "não utiliza caminhoneiros autônomos para transporte postal". Os maiores problemas decorrem dos bloqueios nas rodovias Fernão Dias (km 513 e 589) e Presidente Dutra (km 276), que interligam São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Boletim Informativo Guia do TRC
Dicas, novidades e guias de transporte direto em sua caixa de entrada.