Governo não consegue fiscalizar concessões

Publicado em
03 de Julho de 2013
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Ao mesmo tempo que se prepara para iniciar uma negociação da ordem de R$ 244 bilhões com o leilão do Trem de Alta Velocidade (TAV) e que prevê a concessão de mais de 10 mil km de ferrovias a partir deste ano, o governo federal admite não ter condições de fiscalizar os contratos de concessão ferroviária já vigentes nos País. 

De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os contratos mais importantes do setor, firmados na década de 1990, apresentam falhas que impossibilitam a fiscalização do serviço das empresas concessionárias. "Os contratos são um pouco falhos com relação aos instrumentos de cobrança, mas temos fiscalizado fortemente os ativos ferroviários das concessionárias, por exemplo, desde 2011. Principalmente com relação à prestação de serviço adequada pela", afirmou o diretor da ANTT, Carlos Fernando Nascimento, em entrevista exclusiva ao DCI.

"Nossos contratos assinados na década de 90 não trazem no texto os instrumentos necessários para uma boa fiscalização", explicou Nascimento. "O texto tem limitações da obrigatoriedade de investimentos na malha, aliadas à impossibilidade de atribuir responsabilidade sobre a manutenção da malha que era da rede ferroviária federal e passou a ser da concessionária", concluiu.

De acordo com o diretor da ANTT, os contratos são tão superficiais que nem mesmo é possível saber em que condições as ferrovias estavam quando foram entregues às concessionárias.

"Nós não temos uma ideia exata de qual era o estado de conservação dessa malha quando ela foi passada para a concessionária, isso gera conflitos entre a agência e as concessionárias", disse Nascimento.

Empresas
Ainda segundo a ANTT, usuários que se sentirem lesados podem acionar a agência para pedir uma investigação do serviço. "A Agência vem atuando de forma a estimular a manifestação desses usuários para que possamos cobrar da concessionária a postura adequada, mas muitas vezes é muito complexo para a agência perceber se o serviço está sendo prestado da forma correta", declarou Nascimento.

Hoje, a empresa com o maior número de concessões no País é a América Latina Logística (ALL), que também tem a maior lista de processos, com pelo menos cinco ações ajuizadas por clientes junto à ANTT pelo descumprimento de contratos.

No início do mês passado a empresa perdeu uma concessão na Argentina. À época, o ministro do Interior e Transporte do país, Florencio Randazzo, explicou que a decisão de rescindir o contrato com a empresa brasileira foi adotada diante de "graves violações do contrato de concessão".

Questionada pela reportagem do DCI, a ALL, que anunciou à época que adotaria "todas as medidas legais admissíveis" para enfrentar a decisão do governo argentino, informou por meio da assessoria de imprensa que "cumpre todas as regras previstas nos contratos com os seus clientes". e que "nos casos em que fatores externos, alheios à sua vontade, dificultam o transporte contratado, a companhia sempre procura oferecer soluções, caso a caso, para atender da melhor maneira os seus clientes".

A empresa destacou ainda que, desde o início da concessão, a ALL investiu mais de R$ 7 bilhões em melhorias na malha ferroviária, em vagões e locomotivas desde 1997, quando iniciou o serviço.

A ANTT, de qualquer forma, afasta a possibilidade de um rompimento a de contrato a curto prazo. "Buscamos preservar o contrato porque também traz benefícios aos usuários. Esse cancelamento seria uma medida muito extrema", disse o diretor.

Para o advogado especialista em infraestrutura do escritório FH Cunha Marlon Shigueru Ushiro, a postura da Agência é bastante acertada. "A perda da concessão depende bastante das condições contratuais estabelecidas. Caso isso não se cumpra, pode haver advertência por escrito, multa ou até a perda de concessão", explicou o especialista ao DCI. "Depois de todo o procedimento de defesa, cabe à agência decidir as sanções. Mas o cancelamento de um contrato desse porte realmente gera prejuízos para os dois lados", concluiu.

Além da ALL, também têm concessões ferroviárias no Brasil a MRS Logística, a FCA - Ferrovia Centro-Atlântica, a Vale, a Transnordestina Logística S/A, a FTC - Ferrovia Tereza Cristina S.A. e a Ferroeste. A ANTT diz ainda que existem mais de duzentos processos em desfavor das concessionárias ferroviárias.

TAV
Ainda em meio às dificuldades de fiscalização de ferrovias já concedidas, o governo anunciou ontem que o valor do contrato de operação do Trem de Alta Velocidade (TAV) que ligará Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro aumentou em quase R$ 2,5 bilhões .O valor é relativo à outorga pelo direito de explorar o serviço, atualmente estimado em R$ 27,6 bilhões. Com isso, as receitas que poderão ser obtidas ao longo de 40 anos pelo concessionário que vencer o leilão, marcado para 19 de setembro, passaram de R$ 241,738 bilhões para R$ 244,199 bilhões.

Para o especialista em administração pública da Fundação Getúlio Vargas Gustavo Andrey Fernandes, as mudanças são um grande risco. "O risco desse investimento só aumenta. O governo está aplicando muito dinheiro nisso e pode perder alguma coisa na ordem de dezenas de bilhões de reais, caso qualquer coisa dê errado", disse o especialista em entrevista ao DCI.

"Acredito que o governo esteja subestimando, por exemplo, o custo de execução da obra e superestimando a demanda. E, na tentativa de proteger o investidor do prejuízo, a União deverá absorver eventuais perdas", concluiu.

De acordo com o edital revisado pela ANTT e publicado ontem no site da Agência, além dos recursos advindos das passagens, cuja tarifa-teto foi mantida em R$ 0,49 por quilômetro (mais a correção pelo IPCA quando o modal entrar em operação), a concessionária do TAV poderá contar com receitas extraordinárias, explorando outros serviços complementares ao transporte de passageiros e mesmo o espaço nas estações.

De acordo com o contrato, a ANTT terá direito a 9% dessa receita líquida extraordinária, que será revertida para a modicidade tarifária.

Na última segunda-feira, o Ministério dos Transportes já havia confirmado o aumento da Taxa Interna de Retorno (TIR), de 6,3% para 7%, valor inferior aos 8% previstos na semana passada pelo presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo.

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