Golpe no atraso

Publicado em
20 de Agosto de 2012
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Pacote logístico de R$ 133 bilhões promete acabar com o caos das rodovias e ferrovias, em inédita parceria do governo com o setor privado. Agora, faltam portos e aeroportos.

Por Denize BACOCCINA, Guilherme QUEIROZ e Cristiano ZAIA

Um trem que sai de Minas Gerais, carregado de minério de ferro, pode passar o dia inteiro na região metropolitana de São Paulo, esperando por uma brecha na madrugada, para atravessar o congestionado sistema ferroviário paulistano, até chegar ao porto de Santos. Da mesma forma, produtores de soja de Goiás e Mato Grosso, que produzem com custos menores do que seus concorrentes americanos, perdem essa vantagem competitiva ao transportar os grãos pelas rodovias lotadas de caminhões. Enquanto os custos com transportes para o produtor brasileiro representam uma despesa de 25%, nos Estados Unidos não pesam mais que 10%. 

 
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Esses são apenas alguns exemplos de como a precária infraestrutura nacional afeta a competitividade do Brasil. Um cenário que pode começar a mudar a partir de agora. Na quarta-feira 15, a presidenta Dilma Rousseff anunciou, numa cerimônia no Palácio do Planalto, um pacote de R$ 133 bilhões em investimentos em rodovias e ferrovias, incluindo rotas novas e duplicação de estradas já existentes. Desse volume, R$ 79,5 bilhões devem sair do papel nos próximos cinco anos, e o restante num prazo de até 30 anos. Um dia antes, a presidenta havia recebido os irmãos boxeadores Esquiva e Yamaguchi Falcão, medalhistas de prata e bronze, respectivamente, na Olimpíada de Londres. 
 
Na ocasião, ela brincou que gostaria de “boxear tudo que atrapalha o crescimento do País”. Era o aviso de que daria um golpe no atraso de décadas numa infraestrutura envelhecida, que custa até 15% do PIB. O caminho escolhido foi aliar-se ao setor privado. O governo fará concessões para as novas rodovias, e abrirá parcerias público-privadas para as novas ferrovias. “Vamos reforçar a capacidade do Estado de planejar, organizar a logística, e compartilharemos com o setor privado a execução dos investimentos e a prestação dos serviços”, afirmou a presidenta, para um auditório lotado com empresários, parlamentares e governadores. 
 
O pacote anunciado prevê a construção de 7,5 mil quilômetros de rodovias, com custo estimado em R$ 42 bilhões – R$ 23,5 bilhões em cinco anos e o restante nos próximos 25 anos. Nas ferrovias, o investimento é ainda mais ousado: R$ 91 bilhões para dez mil quilômetros de malha (veja quadro ao final da reportagem). Isso não inclui o trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, que ficou para depois. Os projetos ainda serão detalhados, e os primeiros editais estão previstos para novembro e dezembro deste ano. Somente aí é que se conhecerá o tamanho de cada empreendimento e a taxa de retorno, estimada entre 6% e 6,5%. O BNDES deve financiar de 65% a 80% dos investimentos, com juros entre 6,5% e 7% ao ano. 
 
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Dilma e os irmãos Falcão: "Eu gostaria de boxear todas as coisas
que atrapalham o crescimento econômico".
 
Mas a abundância de recursos no mercado financeiro à procura de rentabilidade pode estimular a captação de financiamento no exterior, avalia o empresário Jorge Gerdau, que preside a Câmara de Gestão e Planejamento. “Hoje existe dinheiro no mundo, mas faltam bons projetos”, diz Gerdau, para quem o pacote cria um ambiente favorável aos investimentos. Somando os projetos em portos e aeroportos, que devem ser anunciados nas próximas semanas, o governo vai estimular investimentos de R$ 200 bilhões em logística num prazo de cinco anos, estima o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade. “Há 20 anos não fazíamos investimentos pesados em infraestrutura no País”, afirma. 
 
“Para a felicidade geral da nação, os projetos estão saindo do papel”, diz o diretor-geral de Transportes da Alstom do Brasil, Marco Contin. O presidente da Associação Brasileira de Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, lembra que o governo acaba de ajustar as regras para a emissão de debêntures de infraestrutura, o que também deve atrair o interesse de investidores estrangeiros. “Cria-se, assim, um apoio complementar aos recursos do BNDES”, diz Godoy. Mais do que oportunidades de negócios, o setor privado aplaudiu o avanço que o anúncio representa. “Isso era um sonho dos empresários brasileiros”, afirmou o empresário Eike Batista, presidente do Grupo EBX. 
 
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“Investimento em ferrovias e rodovias é fundamental para reduzir o custo Brasil, que está inviável”, disse à DINHEIRO o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, que pensa em reativar seu laminador para voltar a fabricar trilhos, 30 anos após ter desativado a única linha de produção do País. O presidente da Vale, Murilo Ferreira, disse que a empresa já vem conversando com empresas estrangeiras para que elas participem das concessões, sozinhas ou em parceria com a mineradora, que tem cinco ferrovias próprias. “Há tempos, precisávamos de concessões bem elaboradas como essas, que trouxessem mais eficiência e economia, com custos de transporte mais adequados à realidade brasileira”, afirmou Ferreira.
 
A malha ferroviária atual tem 30 mil quilômetros, mas a Valec, estatal que administra a rede, estima que apenas 12 mil quilômetros têm condições de tráfego. Os novos investimentos quase dobram a rede atual. Nas rodovias, o impacto é ainda maior. A concessão de 7,5 mil quilômetros significa mais que duplicar a extensão atual de 5,2 mil quilômetros de rodovias sob gestão privada. Há um consenso de que o poder público dispõe de recursos para executar as obras necessárias, mas falta competência para executar os projetos. Desde o início de 2011, por exemplo, o PAC 2 concluiu obras em apenas 909 quilômetros das rodovias federais e outros 2,1 mil quilômetros estão em fase de duplicação.
 
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Avanço: trechos de rodovias federais, como a BR-101 (acima), serão concedidos
à iniciativa privada, que será responsável pela sua duplicação.
 
No novo modelo, o governo é apenas o indutor dos investimentos. Uma nova estatal foi criada para pensar a logística no País, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que será presidida por Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A expectativa, a partir de agora, é alta. “Logística é uma questão de Estado, não de governo”, diz o presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Pedro Moreira. Nos novos projetos de rodovia, ganha quem oferecer o menor preço para o pedágio. Mas as empresas terão que seguir rigorosamente o cronograma definido pelo governo, e só poderão começar a cobrar pedágio depois que concluírem pelo menos 10% da obra. 
 
“Já vimos muitas concessões em que a primeira coisa que se faz é a praça de pedágio”, afirma Flávio Benatti, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC Logística). A Valec, que até então era responsável pela construção das ferrovias, ficará responsável apenas por contratar a obra, num sistema de PPP. O parceiro privado responderá por todo a execução, desde o projeto básico, até a manutenção dos trilhos durante o período do contrato, provavelmente de 25 anos. Mas a Valec será a operadora da ferrovia, que vai funcionar como um aeroporto: todas as companhias de trens ou empresas poderão reservar um slot para transportar sua carga. O ganho mais evidente é a velocidade para concluir as obras, avalia José Castello, presidente da Valec. 
 
“Se eu tiver de contratar dez engenheiros, preciso fazer um concurso, que leva nove meses, um verdadeiro parto”, diz Castello. “Uma empresa privada não precisa disso.” Ao melhorar a infraestrutura viária, o governo estimula outros setores da economia. “As concessões são a maneira mais adequada de despertar o espírito animal dos empresários”, diz Julio Sergio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Almeida ressalta que diversos segmentos industriais serão diretamente beneficiados pelas obras, como os minerais não-metálicos para a construção civil (vidro, cimento, pedras etc.) e toda a cadeia metal-mecânica, que vai do aço até os bens de capital. 
 
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Colaboraram: Carla Jimenez e Luís Artur Nogueira
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