Gestão por resultado chega ao governo

Publicado em
13 de Julho de 2012
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A gestão por resultados, tão comum nas empresas privadas, está causando verdadeiras revoluções em governos estaduais, prefeituras e alguns tribunais que adotaram o método, por meio do Movimento Brasil Competitivo (MBC). Os governantes adeptos dessa ferramenta conseguem maior controle dos seus programas de governo, estabelecendo prioridades e metas. Também conseguem cortar despesas e aumentar a arrecadação sem elevar impostos. Em Pernambuco, por exemplo, essa estratégia já é uma realidade, conta Erik Camarano (foto), diretor-presidente do MBC. "Com base em processos de gestão, equipes são formadas e são cobradas caso as metas não sejam alcançadas, e os resultados são imediatos", acrescenta em entrevista ao DCI.

Além de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná são exemplos de outros estados onde o MBC já desenvolveu projetos para melhorar a gestão pública. Agora, os efeitos positivos começam a ser levados para o governo federal. O MBC, em parceria com a McKinsey, desenvolveu um projeto para gerir, junto à Casa Civil, 40 programas prioritários para o governo. "É um sinal de que o governo está buscando eficiência e melhoria tanto nos gastos como na gestão pública", diz Camarano.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

DCI: Como tem sido a atuação do Movimento Brasil Competitivo?

Erik Camarano: Atuamos dando apoio e levando para a máquina pública a expertise das empresas, em uma visão de gestão por resultados. O MBC está completando dez anos de atuação. Somos filhotes do Programa de Qualidade que começou em 1992. Em 2003 fizemos uma parceria com o Sebrae Nacional, com a Fundação da Qualidade e com a Gerdau. A partir daí, criamos o Prêmio MPE Brasil. Esse prêmio é anual e já passaram pela avaliação do prêmio 400 mil pequenas empresas do País inteiro. Constatamos que as empresas que passam por esse processo têm uma curva de aprendizagem e de melhoria. Em gestão pública - que hoje é praticamente 80% do nosso portfólio - começamos a testar, a partir de 2003, a adaptação de ferramenta de gestão usada em empresas. Isso inclui planejamento estratégico, agenciamento matricial de receita, orçamento matricial para controlar despesa e melhorar o gasto. Começou com um governo estadual. De 2006 a 2007, passamos para dez. Em 2009, chegou às prefeituras. Porto Alegre é o projeto mais antigo. Depois entramos em São Paulo, Rio de Janeiro, Londrina e Pelotas. Hoje estamos no governo federal, com a criação da Câmara de Gestão. Em resumo: estamos em dez estados, dez municípios e dois tribunais de Justiça.

DCI: Como funciona o modelo de intervenção do MBC na gestão pública?

EC: Somos uma ONG [organização não-governamental] ao contrário: ao invés de captarmos dinheiro público para fazer projetos, captamos dinheiro privado para fazer os projetos para o governo. O modelo tem dado resultado porque a taxa de retorno é alta. Computamos, nos últimos cinco anos, R$ 14,5 bilhões de aumento de arrecadação sem elevar impostos, além da redução de gastos. O MBC acaba fazendo um papel triplo: captamos recursos junto ao setor privado, prestamos contas para os patrocinadores e contratamos as empresas de consultoria. Trabalhamos com McKinsey, Ernest &Young, KPMG e Falconi, por exemplo. É nosso papel garantir que o Estado faça aquilo que precisa para atingir metas. Temos reuniões trimestrais entre patrocinadores e o gestor máximo dos projetos assistidos.

DCI: Poderia citar exemplos desse trabalho?

EC: Um caso muito bom é o do governo de Pernambuco. Nossa intenção não é gerar dependência, mas levar um trabalho de consultoria e capacitação de servidores. Ficamos uma média de um ano e meio a dois anos.

DCI: O método é ensinado?

EC: Sim. Em Pernambuco, havia um programa de segurança pública. Desenhamos o método para o combate à taxa de homicídio - que era altíssima. O estado foi dividido em 28 áreas de segurança, cada uma com cinco a seis municípios. A área passou a ser gerenciada por um coronel e um delegado - para forçar a integração entre as polícias Civil e Militar. Toda quinta-feira tem uma reunião do comitê, formado por 50 pessoas. São apresentados, área por área, os indicadores e as metas. É o único governo estadual que conheço com metas e controles semanais. O estado traçou metas de redução para o ano, para os doze meses e para cada semana do mês. Cada uma das 28 áreas tem a sua meta, e, quando a área não consegue atingi-la, a Secretaria de Planejamento convoca os responsáveis pela área para discutir o que pode ser feito. As decisões são tomadas imediatamente. Dá certo porque, além de ser um processo semanal, envolve interesse de gestão. O método foi tão absorvido que a iniciativa foi estendida para a educação e a saúde. Com a Prefeitura do Rio desenvolvemos o projeto que pôs ordem nas praias, em parceria com políticas do governo estadual. Em São Paulo, estamos trabalhando na área de grandes empreendimentos: hoje, para aprovar um alvará na prefeitura leva-se mais de um ano em alguns casos. Em Curitiba, o mesmo procedimento leva quatro meses. No Rio Grande do Sul, implantamos o cartão do servidor de assistência médica. Tínhamos uma meta de redução de despesas de R$ 90 milhões em um ano. Conseguimos R$ 180 milhões. Um software evita a duplicidade de exames ou consultas. Com isso, a redução de gastos é brutal. Trabalhamos com planejamento estratégico, receita e despesa para melhorar capacidade de investimento. No Rio Grande do Sul fizemos um processo de compras com pregão eletrônico e preço centralizado.

DCI: Por que medidas simples não são adotadas nos governos?

EC: Por várias razões. É necessário olhar do ponto de vista do planejamento e estabelecer prioridades. Mas isso não é regra. Em geral, o nível de demanda sobre a administração pública é tão alto que pode não se chegar a um resultado concreto. Além disso, aumentaram os mecanismos de controle. Neste sentido, combinamos dois fatores: indefinição de prioridades e arcabouço de mecanismos de controle. Soma-se a isso a perda de capacidade de investimento. Houve um caso de um secretário municipal que procurou a ajuda do MBC porque tinha 70 projetos prioritários. Reduzimos a três para andar.

DCI: Na essência, o que, das boas práticas de gestão de uma empresa privada, leva-se para a gestão pública?

EC: O método de gestão por resultados. O ideal é conseguirmos levar para o servidor público a cultura de gestão por resultado. Seria pensar um pouco com a cabeça de dono. Fazer a si a pergunta: como eu gerenciaria se o negócio fosse meu? Felizmente, nossa experiência tem mostrado que o servidor público tem espírito público. A maioria das pessoas que entraram no serviço público é dedicada à causa pública.

DCI: E como vocês trabalham a continuidade, já que no Brasil os governantes não costumam levar adiante os programas de seus antecessores?

EC: Este é um ponto importante. Temos ainda algumas dificuldades. Mas o cenário eleitoral nos ajudou. Em 2010, dos dez estados onde atuamos, oito tiveram reeleição. Existe uma nova geração de políticos que percebeu que a gestão dá resultado e esse resultado se traduz em voto. Nos estados onde a oposição ganhou nas eleições de 2010 - como no Rio Grande do Sul e no Pará - conseguimos dar continuidade ao projeto. No Pará, o governo de Ana Júlia [PT] deu lugar à administração de Simão Jatene (PSDB). Tínhamos feito um programa cuja meta era arrecadar R$ 220 milhões. Obtivemos R$ 330 milhões. Quando o Simão Jatene assumiu, ele trouxe um planejamento estratégico que avançou muito. No sul, Tarso Genro [PT] assumiu no lugar de Yeda Crusius [PSDB] e manteve o trabalho que vinha sendo feito na busca de metas de arrecadação.

DCI: A maioria dos programas visa a aumento de arrecadação?

EC: Essa é a maior demanda. A porta de entrada é trabalhar receita e despesa. Defendemos a ampliação das receitas sem aumentar impostos. Isso pode ser alcançado com mais eficiência e combatendo a sonegação. Pode-se implantar a nota fiscal eletrônica, a substituição tributária e mais automação. Mas o principal é mostrar determinação no corte de gastos. No Rio de Janeiro, por exemplo, havia 12 mil linhas telefônicas e nenhum acordo corporativo. Negociamos com o vencedor da licitação para reduzir custos. Fizemos a gestão do contrato. Há prédios públicos que pagam mais energia elétrica do que deveriam porque estão enquadrados na classificação de consumidor errada.

DCI: Como o MBC está atuando no governo federal?

EC: A criação da Câmara de Gestão, no Palácio do Planalto, foi um passo importante. Ela é formada por quatro empresários e quatro ministros de áreas-chave do governo: Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O sinal que o governo dá é: estamos em busca de eficiência, melhoria nos gastos e no desempenho do setor público como um todo. Esse processo começou quando levamos a McKinsey para fazer um trabalho para a Casa Civil, o desenho dos indicadores dos 40 programas prioritários do governo federal.

DCI: Isso está pronto?

EC: Sim. É um trabalho reservado para a Casa Civil; portanto, não é público. É um mecanismo de acompanhamento de indicadores dos programas prioritários. A McKinsey desenvolveu os programas de governança, esteve por trás do desenho da Delivery Unit - do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Uma outra empresa fez a parte de software para acompanharmos os indicadores. A partir daí, surgiram outras demandas. Fizemos, em Guarulhos [SP], um trabalho para a Secretaria de Aviação Civil envolvendo a gestão do terminal. A Accenture nos ajudou a mapear o tempo de saída e de entrada dos passageiros, tanto para voos domésticos como internacionais. Com esse levantamento, descobrimos que o preenchimento de declaração de bagagem levava, em média 17 minutos, e a Receita Federal não fazia estatísticas com esses dados. Causava-se um transtorno logístico sem razão. O procedimento foi eliminado. E, como essas, outras coisas pequenas podem ser mudadas para ganhar eficiência. E esse é só um exemplo. A Infraero está replicando essa mudança em outros aeroportos. Vamos fazer um projeto com o Ministério dos Transportes para alinhamento de gestão. Existem outras demandas, vindas do Ministério da Justiça e da área de saúde.

DCI: O trabalho da McKinsey ajudou a presidente Dilma a ter maior controle dos programas de governo, inclusive as obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]?

EC: A Casa Civil tem uma subchefia de acompanhamento e monitoramento. É quem acompanha os indicadores dos programas prioritários. Esse projeto deu um sistema de gestão que permite o acompanhamento de indicadores e dá um cenário completo da situação. É um sistema com meta e prazo.

DCI: Os governantes que experimentam esse método de gestão e ver os resultados mudam de atitude?

EC: O grande fator nesse processo é a nova geração de políticos, que percebe esse valor. O País está passando por um processo em que há uma cobrança cada vez maior por transparência na aplicação dos recursos públicos. Os políticos perceberam também a importância do gestor. Pernambuco é um caso desses. O Porto de Suape também nos procurou. O complexo tem o desafio de crescer e aumentar o volume de carga em cinco anos sem perder qualidade. Estamos desenvolvendo um trabalho de consultoria lá.

DCI: Para chegar a municípios menores, existe uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID]?

EC: A ideia é levar para cidades menores as melhores práticas realizadas até agora, e para isso contamos com a expertise em consultoria e recursos do BID. Estamos conversando com o BNDES sobre uma operação similar para alavancar áreas prioritárias de desenvolvimento definidas pelo próprio BNDES, como o norte e nordeste.

DCI: Qual é o orçamento do MBC?

EC: Já chegamos a movimentar em um ano entre R$ 35 e R$ 40 milhões, e em outro, entre R$ 12 e R$ 15 milhões. Depende do tipo de trabalho e do tamanho da equipe envolvida. Já tivemos projetos bancados integralmente por duas ou três empresas e projetos pulverizados, com mais de 100 doadores.

DCI: Além da melhoria da gestão, que outro tema vocês pretendem trabalhar junto às administrações públicas?

EC: A inovação, que não é só tecnologia. Envolve a mudança no modelo de negócio, no jeito de fazer e na agregação permanente de valor. O Cirque du Soleil é uma enorme inovação em um mercado decadente. Tiraram os animais dos picadeiros de circos e apostaram no malabarismo, aproximaram do teatro e subiram o tíquete médio. Reinventaram o circo. Temos hoje no País uma discussão: inovação versus gestão. É um falso entendimento porque empresas que não têm gestão robusta não têm capacidade de inovar.


Por DCI - SP - Roberto Müller FilhoLiliana Lavorattil

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