As mudanças climáticas ameaçam a segurança alimentar global não apenas pelos impactos na produção agrícola, mas também pela interrupção das redes de escoamento de grãos, alerta o think tank britânico Chatham House. Em relatório divulgado nesta terça-feira, a organização aponta a existência de 14 pontos de estrangulamento que, sob efeito de eventos climáticos extremos, podem paralisar a exportação de commodities e espalhar a fome por diversos países ao redor do mundo, sobretudo os mais pobres.
— Nós estamos falando sobre uma grande parcela do fornecimento global que pode ser atrasado ou parado por um período significativo de tempo — alerta Laura Wellesley, uma das autoras do relatório, em entrevista ao “Guardian”. — O que preocupa é que, com as mudanças climáticas, nós provavelmente veremos um ou mais desses gargalos interrompidos coincidindo com perdas de safras, e é aí que as coisas começam a ficar sérias.
O relatório destaca que apenas três cultivos — milho, trigo e arroz — são responsáveis por cerca de 60% do consumo alimentar global de energia, e que a soja é a maior fonte de alimento para a produção animal, respondendo por 65% do fornecimento global de proteína animal. E mais da metade da exportação global dessas quatro culturas é centralizada em portos no Brasil, nos EUA e no Mar Negro.
Além das infraestruturas portuárias e de estradas e rodovias nestas regiões, a Chatham House alerta para algumas rotas marítimas que concentram grande parcela do tráfego desses grãos, como o estreito de Malaca — passagem entre os oceanos Índico e Pacífico — e o canal do Panamá — que liga o Atlântico ao Pacífico —, cada um responsável por mais de 20% do trânsito global de soja.
E esses gargalos já estão sofrendo com eventos climáticos globais. Em 2005, o furacão Katrina interrompeu o tráfego fluvial pelo Rio Mississipi por quase duas semanas, e o tráfego não se recuperou aos níveis máximos até dois meses após o evento. Em 2013, tempestades atingiram a região Sul do Brasil, interrompendo o tráfego em estradas que abastecem os postos. A produção de soja não pôde ser escoada, e cerca de 200 navios ficaram esperando nos portos em média por 39 dias. US$ 2,5 bilhões foram perdidos em atrasos ou cancelamentos de pedidos.
“Se esses dois eventos fossem coincidentes, mais de 50% do fornecimento global de soja seria afetado”, aponta o relatório. “E se eles coincidissem durante a temporada de exportação, seja no Brasil ou nos EUA, o potencial de desabastecimento e aumento dos preços seria significativamente alto”.
Num cenário ainda mais alarmante, problemas nos EUA e no Brasil coincidiriam com as ondas de calor semelhantes com as que afetaram a Rússia no verão de 2010, que gerou perdas de safras.
“Mais de 51% do fornecimento global de soja, 41% do fornecimento de milho e 18% do fornecimento de trigo seriam suspensos ou atrasados”, alerta o think tank.
INFRAESTRUTURA DEFICIENTE NO BRASIL
O relatório tem um capítulo dedicado exclusivamente ao Brasil. Os pesquisadores destacam que o “avanço espetacular” do país como fornecedor global de soja e milho não foi acompanhado por investimentos em infraestrutura para exportação. “Os portos estão operando perto da capacidade máxima, enquanto o transporte para novos terminais que estão sendo construídos no Norte é dificultado pelas péssimas condições das estradas”.
Juntos, os portos de Santos, Paranaguá, Rio Grande e São Francisco do Sul lidam com um quarto das exportações globais de soja, mas a conexão desses centros às zonas produtoras na região central do país é deficiente. A estimativa é que 70% das rodovias estejam em más condições, sendo que muitos trechos não são pavimentados.