O atraso no plantio de soja nesta safra 2017/18 e o excesso de chuvas em fevereiro no Sul e no Centro-Oeste do país concentraram boa parte da colheita em março e motivaram forte alta dos custos para o escoamento do grão. Com o incremento da demanda, não acompanhado pela expansão da oferta de caminhões, os fretes rodoviários no mês passado subiram ao maior patamar em dois anos.
Em algumas regiões do Paraná, por exemplo, o aumento em relação ao mesmo mês do ano passado superou 40%. "O principal fator para essa alta foi a convergência entre os picos de colheita do Centro-Oeste e do Sul, depois de um atraso geral.
Normalmente, os trabalhos no campo e a necessidade de caminhões [para o escoamento] são escalonados", diz Samuel Silva Neto, economista do grupo de pesquisa e extensão em logística da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (EsalqLog/USP).
Todo esse atraso também ampliou a disputa de soja e açúcar por caminhões, já que março é o mês em que normalmente as usinas limpam seus estoques para começar a safra nova, em abril. "Nas rotas que ligam os polos sucroalcooleiros do interior de São Paulo ao porto de Santos, houve um aumento de preços do frete para o açúcar de cerca de 30%, já que os caminhões estavam levando grãos", afirma Silva Neto.
Colaborou para esse quadro o fato de a oferta das transportadoras ter diminuído depois da crise econômica. "Dois anos de problemas graves fizeram muitas transportadoras fecharem e caminhoneiros deixarem a profissão. Agora a retomada da economia começou, mas ainda há menos motoristas disponíveis", afirma Lauro Valdívia, técnico da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
O Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea/Famato) calcula que em algumas rotas do Estado os preços dos fretes para o transporte de soja superaram a média dos últimos cinco anos. De Sorriso a Santos, o valor médio chegou a R$ 316,67 a tonelada em março (até o dia 23), 5,12% mais que no mesmo mês de 2017 e 0,9% acima de fevereiro. A média dos últimos cinco anos para março é R$ 301,25. Segundo levantamento da EsalqLog, o frete subiu 2,89% nessa rota na comparação anual, para R$ 332,70 a tonelada.
A cereja do bolo foram as fortes chuvas de fevereiro em diversas regiões produtoras do Centro-Sul, que atrasaram o carregamento dos caminhões e deixaram estradas intransitáveis, adiando parte do transporte para março "A chuva também reduz a velocidade média das carretas e aumenta o tempo nas filas para descarregar as mercadorias", lembra Thiago Guilherme Péra, coordenador técnico da EsalqLog.
Em rodovias como a BR-163, que vai do Norte de Mato Grosso aos portos do Arco Norte, as chuvas ressuscitaram os buracos que ano após ano insistem em tumultuar a vida de caminhoneiros e tradings e provocaram diversas paralisações temporárias do tráfego. A reportagem do Valor seguiu por esse caminho em fevereiro e testemunhou crateras e carretas quebradas ao longo dos 1,2 quilômetros que ligam Sinop (MT), a Miritituba, distrito do município de Itaituba, no Pará. Resumo: o preço do frete subiu mais de 24%. De Sorriso a Itaituba, o valor passou de R$ 215,09, em março de 2017, para R$ 267,57 a tonelada no mês passado.
Neste mês de abril, a tendência é que a alta perca fôlego em relação a março, mas isso não significa que a pressão vai acabar. Provavelmente os preços dos fretes ficarão, em média, em níveis superiores aos de abril do ano passado. "Mas o pico com certeza ficará com março", afirma Silva Neto.
Para o segundo semestre, os valores dependerão do tamanho da safrinha de milho. Mas como a colheita será menor que no ano passado, a expectativa é de queda em relação ao primeiro semestre. Mas, se o volume da safrinha ultrapassar 60 milhões de toneladas, as exportações ficarão mais aquecidas e os valores poderão ficar acima dos registrados no segundo semestre de 2017.
Apesar disso, o setor de transporte não comemora. Segundo Valdívia, da NT&C, após dois anos de preços estáveis há uma defasagem de 20,6% para cobrir os custos nos fretes para carga de lotação, que inclui transporte agrícola. "Com a crise, toda a cadeia foi afetada e o pagamento dos fretes, além de baixo em relação aos custos, está atrasado para metade das companhias", afirma ele.
No agronegócio, o principal custo para o transportador, responsável por 35% do total, é o diesel, que aumentou 23% desde julho do ano passado, quando a Petrobras mudou sua política de reajuste de combustíveis. "Quer dizer, esse aumento de março ajuda, mas não compensa todos nossos gastos", diz Valdívia.
Para o segundo semestre de 2018, ele acredita que haverá um aumento ainda maior nos custos das transportadoras, em virtude da necessidade de reposição de mão-de-obra. "É bom recontratar, mas como os motoristas foram para outros setores e não é fácil repor gente especializada no transporte de cargas, prevemos problemas e altos custos".