Fim da carta-frete deve legalizar R$ 44 bilhões

Publicado em
16 de Junho de 2010
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Nova emenda à lei sobre o transporte rodoviário de cargas promete pôr fim ao uso da carta-frete para o pagamento de caminhoneiros autônomos, prática existente há 50 anos no país e que arrasta para a informalidade nada menos que 73% dos R$ 60 bilhões movimentados pelo setor anualmente. A nova regra terá forte impacto no mercado financeiro, que espera faturar R$ 12 bilhões já no primeiro ano com a regulamentação.

Um dinheiro para chamar de seu

Há cerca de 50 anos os caminhoneiros autônomos do Brasil lidam com uma situação específica à sua condição. Ao pegar uma carga para transporte, recebem da empresa uma carta-frete, que lhes dá direito de abastecer o veículo, trocar peças e pneus quando necessário e alimentar-se. Podem até retirar dinheiro emmoeda viva. Tudo isso, porém, tem um preço. Literalmente. Os movimentos com a carta-frete requerem o pagamento de um ágio. Por exemplo, cada litro de diesel pode custar R$ 0,15 ou R$ 0,20 a mais, pois a transação é contabilizada como feita a prazo. O mesmo acontece com outros itens. Além disso, o caminhoneiro não pode escolher o posto onde irá se abastecer de acordo com sua preferência. Precisa se ater àqueles que fizeramacordos prévios com a transportadora ou o embarcador.

É uma prática que o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, classifica como similar à da escravidão. Na sexta-feira passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma emenda à lei do transporte rodoviário de carga para formalizar o pagamento dos caminhoneiros autônomos. A carta-frete foi proibida. Estima-se que a medida possa trazer R$ 44 bilhões à legalidade, pois se evita o famoso "caixa 2" e impede o recolhimento de vários impostos, já que é informal. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabiliza apenas R$ 16 bilhões por ano com movimentação de frete. Já a consultoria Deloitte estima que o total - incluindo a informalidade - seja de R$ 60 bilhões.

Há tempos de olho nesse nicho, as instituições financeiras acreditam que pelo menos 20% desse total possa ser movimentado via cartões já no primeiro ano de vigência da nova lei. A Visa, por exemplo, já desenhou o Visa Cargo, um cartão pré-pago que deve englobar, mais para a frente, também uma função para pagamento de pedágio. O Brasdesco oferece um cartão pré-pago para o setor desde 2006, emparceria coma Pancary.

Com a carta-frete, posto de gasolina autorizado pela transportadora faz o desconto do documento, trocando-o por combustível e até dinheiro em O presidente Lula quer por fim a uma prática de 50 anos no Brasil. Ilegal, a concessão de carta-frete, dada como meio de pagamento por transportadoras a caminhoneiros, tira dos livros oficiais R$ 44 bilhões.

Por ser um documento sem nenhuma legislação, esse sistema de pagamento foge da fiscalização por parte dos poderes públicos.

Por conta disso, as transações não são passíveis de controle fiscal, facilitando a prática de "caixa 2" e sonegação de encargos sociais e impostos.

Lula assinou na última sexta-feira (11) a emenda que inclui na lei do transporte rodoviário de cargas (Lei nº 11.442/2007) a proibição do uso da carta-frete.

A medida foi publicada na segunda-feira (14) no Diário Oficial. Trata-se da primeira legislação regulamentando como deve ser efetuado o pagamento do frete no transporte rodoviário brasileiro.

Segundo a lei, agora o pagamento poderá ser feito "por meio de crédito em conta de depósitos mantida em instituição bancária ou por outro meio de pagamento regulamentado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)".

A ideia é trazer uma regulamentação ampla, diz o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo. "Não podemos partir do pressuposto de que todo caminhoneiro tenha uma conta bancária, então o cartão (o outro meio de pagamento) é um instrumento importante que devemos privilegiar", diz Figueiredo.

Para se ter uma ideia, o governo brasileiro registra como movimentação de frete em relação a caminhoneiros apenas R$ 16 bilhões por ano, segundo dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto uma pesquisa da consultoria Deloitte indica um volume de R$ 60 bilhões. Daí o "sumiço" dos R$ 44 bilhões.

O não pagamento de impostos ocorre das duas partes. Primeiro, da pessoa jurídica que contrata o caminhoneiro, e que deve recolher na fonte imposto de renda sobre os rendimentos pagos aos prestadores de serviços. Já o caminhoneiro, além de imposto de renda, também deve fazer o recolhimento do INSS, Sest e Senat. Nada disso acontecia.

Benefícios

Dentre outros benefícios, meios eletrônicos de pagamentos trazem a possibilidade da participação dos caminhoneiros em programas do governo direcionados à classe, constituída hoje por aproximadamente 1,19 milhão de transportadores autônomos.

Atualmente eles encontram dificuldade em obter financiamento em programas como o Procaminhoneiro, para a renovação da frota, porque não conseguem comprovar renda, conta José Araújo "China" da Silva, presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam).

Foi, inclusive, na proposta de adequação do Procaminhoneiro enviado pela Unicam ao governo no ano passado que a entidade incluiu a questão do fim da carta-frete.

Além da questão tributária, a carta-frete infringe leis do Código Penal, uma vez que é emitido um título sem permissão legal.

Viola também as leis de Defesa do Consumidor, por conta da prática de venda casada por parte dos postos de gasolina conveniados pelas transportadoras para descontarem a carta-frete.

Segundo China, cobra-se o preço a prazo do diesel, cerca de R$ 0,15 a R$ 0,20 a mais por litro do combustível à vista.

"A carta-frete impede que o caminhoneiro possa escolher estabelecimentos que ofereçam melhores condições, já que são as transportadoras que fazem o convênio com os locais de troca", diz China.

Cobrança de ágio e consumo mínimo

A carta-frete é um documento emitido pela transportadora ou embarcadora em favor do caminhoneiro, que efetua em postos de gasolina conveniados à transportadora sua troca por diesel, produtos e dinheiro.

Com isso, o posto atua como instituição financeira ou empresa de factoring, já que efetua a troca do título. Feita a troca, o posto passa a ser credor da transportadora.

Há também a prática de cobrança de ágio pelos postos de combustível sobre os produtos adquiridos (combustível, óleo, lona, pneus), sendo que para a troca da carta-frete por dinheiro em espécie há a exigência de um consumo mínimo.

Isso infringe o Código de Defesa do Consumidor, que proíbe condicionar o fornecimento de um produto ao consumo de outro.

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