Falta de caminhoneiros preocupa empresários do transporte

Publicado em
25 de Novembro de 2010
compartilhe em:

A escassez de profissionais capacitados para atuar como motoristas é um problema que está tirando o sono da maior parte das empresas de transporte rodoviário de cargas. A situação é tão grave que as entidades da categoria já acreditam que em pouco tempo este será um dos principais gargalos para a distribuição de cargas no País.

Para dar um panorama das causas e soluções, com exemplos de quem deixou e quem ainda está apostando na profissão, o caderno JC Logística mostra nesta reportagem especial, dividida em duas partes, a preocupação com a falta de motoristas.

Esta primeira matéria expõe os motivos que levam ao desestímulo pela atividade e mostra o exemplo de um profissional que, depois de 40 anos decidiu largar o volante. Na segunda parte, que será veiculada na próxima quinta-feira, vamos falar das soluções buscadas para o problema e de exemplos de pessoas que investem na profissão.

O setor de transporte rodoviário de cargas que já tem sido tão penalizado pelas más condições das estradas, pelo roubo de cargas e pela elevada tributação dos serviços, agora enfrenta mais um grande problema, que também requer uma solução urgente: a falta de motoristas qualificados. Caso não haja uma mudança neste cenário, a perspectiva para um horizonte de cinco anos é de que a circulação de caminhões nas estradas emperre, o que é muito grave para a economia de um país como o Brasil, que é preponderantemente rodoviarista e onde mais 80% das riquezas produzidas são transportadas sobre rodas.

Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Calos Silvano, a frota de caminhões tem crescido em progressão geométrica, enquanto o número de motoristas tem aumentado em progressão aritmética. E o pior. Hoje há no mercado cerca de 2,5 milhões de caminhões rodando e, a cada ano, entram em média 130 mil caminhões novos em circulação.

Neste ano, a comercialização de veículos rodoviários de carga deve aumentar para 160 mil. "Se as vendas continuarem neste ritmo, em oito anos, haverá 3,5 milhões de caminhões no mercado que vão demandar condutores. Mas já há falta de profissionais com formação. Como se não bastasse, hoje 40% dos motoristas que estão em atividade têm idade superior a 46 anos, ou seja, já estão em fase de pré-aposentadoria. A falta de motoristas está se tornando um gargalo muito sério", alerta Silvano.

Mas não é por acaso que a escassez de mão de obra chegou ao ponto em que está.  Empresários e representantes das entidades dos transportadores são unânimes em afirmar que o quadro atual de desinteresse dos profissionais, em especial os jovens, pela profissão de motorista, se deve à associação de inúmeros fatores que historicamente já afetam o setor.

Os principais são o desrespeito com os profissionais, a insegurança nas estradas, a insuficiência de escolas para motoristas, a falta de um estatuto com a regulamentação da profissão, as más condições das estradas e a falta de infraestrutura de pontos de parada como banheiros e vestiários para os caminhoneiros.
Desrespeito

Na visão dos motoristas, a atividade não é mais vista com o glamour do passado. Antes, o profissional do volante era considerado um desbravador, um aventureiro. "Hoje, o motorista é mal remunerado, desrespeitado, maltratado nos postos de gasolina, nos restaurantes, em borracharias. Os policiais rodoviários que eram amigos da gente, hoje só querem nos multar, nos tratam com arrogância. Ninguém valoriza o motorista", afirma o ex-caminhoneiro Auremi Cavedon, que começou na atividade aos 19 anos. "Até os carregadores se acham com mais direitos do que os condutores. Antigamente parávamos nos postos de combustível e tomávamos banho. Agora, se não é cliente não pode nem parar. E, se é cliente, ainda tem que pagar uma taxa pelo banho", conta.

Há dois anos, depois de 40 anos dirigindo, Cavedon deixou a profissão quando sofreu um acidente. Filho de caminhoneiro, conta que a estrada é um vício, que foi muito difícil deixar a atividade. Mas apesar de ser muito agradecido a tudo que conquistou na vida como motorista, Cavedon revela que está decepcionado. "Eu não disse para meu filho que ele não deveria ser motorista, mas mostrei todos os pontos negativos. E ele acabou optando por outra profissão. Já eu, se tivesse que escolher hoje minha profissão, talvez tentasse novamente. Mas não sei se iria aguentar. Sabendo o que sei atualmente, acho que seria motorista de ônibus de turismo, principalmente pelo respeito ao profissional". Além da desvalorização, a distância da família por longos períodos, as estradas esburacadas e mal sinalizadas e a insegurança são muito massacrantes para o profissional, segundo Cavedon.

O vice-presidente da ABTI, Francisco Cardoso, diz que motoristas precisam ter preparo psicológico para enfrentar a forma como os policias argentinos tratam os caminhoneiros estrangeiros. "As autoridades exigem que os caminhões parem várias vezes para a verificação de documentação e, em alguns casos, até tentam negociar algum tipo de compensação, que pode ser uma carteira de cigarros. Tudo isso faz com que os motoristas estejam cansados da profissão."

O presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo China da Silva, reclama do desrespeito nos terminais graneleiros, principalmente os ferroviários, onde é comum os motoristas passarem de três a quatro dias parados até descarregar. Nestes casos, afirma China, o caminhoneiro teria direito à estadia pelo tempo parado, o que não acontece.

Jorge Fleck, bicampeão de Fórmula Truck e consultor na área de transportes, lembra que "a profissão de motorista ainda não é nem regulamentada. Só tem cem anos e sua devida importância não é reconhecida. O transportador não consegue se fazer reconhecer como importante no processo. Existe um nível de submissão muito grande nesta relação", afirma.

Formação

Até pouco tempo a profissão de motorista era ensinada de pai para filho. "Mas, em função da legislação, os filhos não podem mais acompanhar os pais no caminhão. A convenção coletiva trabalhista proíbe que os caminhoneiros andem com caronas", explica o presidente do Setcergs, José Carlos Silvano. Por isso, a capacitação dos motoristas de caminhão hoje é fornecida pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs), mas é muito fraca, segundo o coordenador técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis. "A quantidade de aulas é insuficiente e a qualidade ainda pior", afirma.

Para compensar, é dentro das empresas que os interessados acabam aprendendo a profissão. Hoje, para o profissional chegar a motorista de carreta ele segue uma evolução de aprendizado na prática: começa como motorista amador, depois passa a conduzir veículos de médio porte até estar preparado para dirigir carretas.

O problema é que este processo é muito lento e nem sempre tão eficiente. O Brasil é o quarto maior produtor e consumidor de veículos rodoviários de carga do mundo, fabricados com o que há de mais moderno em termos de equipamentos embarcados, acompanhando a evolução tecnológica mundial. Só que a capacitação dos condutores não seguiu a mesma velocidade. Esse cenário deixa evidente a falta generalizada de cursos de formação para motoristas.

Realidade que causa prejuízo tanto para os profissionais, que buscam colocação mas não conseguem pela falta de conhecimentos, quanto para os empresários que estão sempre com vagas sobrando. É o caso da Scapini Transportes e Logística, onde não há déficit de candidatos, mas sim de profissionais idôneos e qualificados . "Há dois meses abrimos um processo seletivo para a contratação de 30 condutores, no entanto, apenas 8% conseguiram se enquadrar nos requisitos solicitados", afirma o diretor-presidente Valmor Scapini.

O baixo nível de conhecimento em tecnologia de informação também contribui para o déficit permanente de 5% a 10% de motoristas na Transportes Transmiro, segundo o diretor da empresa com sede em Cachoeirinha, Leandro Bortoncello.

Para melhorar a formação dos motoristas, algumas empresas abriram cursos de capacitação e universidades corporativas. Foi o caso da Krüger Conventos, que manteve uma unidade de formação por cinco anos, até 2005. "Tivemos que encerrar os cursos pelos custos, que eram elevados. E muitas vezes depois de formarmos o profissional, outra empresa vinha e o contratava oferecendo uma salário mais alto", revela o diretor-presidente da empresa, Elso Krüger. Para o presidente da Unicam, José Araújo China da Silva, "deixar um bitrem nas mãos de um motorista sem formação é o mesmo que lhe entregar um avião."
Estatuto

OBrasil, diferentemente dos países europeus e dos Estados Unidos,  ainda não possui um estatuto que regulamente a profissão de motorista e estabeleça a jornada de trabalho diário, folgas e tempo de descanso. "O empregador vive na insegurança jurídica, pois não sabemos que caminho seguir. Muitas vezes, para uma mesma situação, há jurisprudência contra e a favor", reclama o vice-presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI), Francisco Cardoso.

Na Europa, a regulamentação dos condutores determina que o descanso diário do motorista deve ser de 11 horas ininterruptas ou de 12 horas fracionadas em 8 horas e quatro horas. A cada quatro horas e meia de direção o motorista deve repousar 45 minutos ou fracioná-los em 15 minutos depois mais 30 minutos. O profissional também deve gozar de 45 horas consecutivas de descanso semanal. O tempo máximo de trabalho semanal é de 56 horas, mas, em duas semanas, não pode exceder 90 horas de trabalho. O controle destas regras é feito pelo tacógrafo do veículo e, caso não sejam cumpridas, o proprietário do veículo será punido.

Nos Estados Unidos, o tempo máximo de direção é de 60 horas por sete dias ou de 70 horas em oito dias, o que resulta em uma carga horária de menos de 9 horas diárias. O descanso periódico após sete ou oito dias é de 34 horas que podem ser fracionadas em 10 horas mais 24 horas. E os registros são feitos no livro de bordo.

O diretor-presidente da Scapini Transporte e Logística, Valmor Scapini, defende a criação de um estatuto do motorista, mas uma normatização que seja exequível e aplicável em todas as regiões do Brasil. "As realidades de cada país são muito diferentes. Assim como entre as regiões e cidades de cada estado", enfatiza. Sem controle sobre a jornada de trabalho, destaca Neuto Gonçalves dos Reis, os caminhoneiros, principalmente os autônomos, acabam trabalhando horas excessivas. E para permanecerem acordados ingerem estimulantes que vão de café com refrigerante à base de cola a anfetaminas e remédios para emagrecer.
Perigos no asfalto

Em média, acontecem cerca de 100 mil acidentes por ano nas estradas brasileiras envolvendo caminhões, o que gera um prejuízo de R$ 8 bilhões. Grande parte dos acidentes acontece pela associação de sobrecarga, frota antiga e excesso de trabalho. O coordenador técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis, explica que 70% do transporte rodoviário de cargas no País está nas mãos de carreteiros que utilizam veículos velhos, com idade média de 21 anos, que não possuem recursos como freios ABS, mais eficientes. Como há poucas balanças nas estradas, para ganhar mais, carregam o veículo com excesso de peso.

Associado a isso, ainda fazem jornadas excessiva de trabalho em função do valor dos fretes, que estão muitos baixos. Tudo isso gera uma combinação muito perigosa. O quadro difere quando os caminhões pertencem a transportadoras. A frota normalmente é nova, com nove a dez anos no máximo, e possui sistemas de rastreamento que avisam o motorista quando cometeu excesso de velocidade ou saiu da pista. As jornadas de trabalho também são controladas para não haver excessos. "Mas, mesmo assim, os caminhões se envolvem em acidentes, e, na maioria dos casos, por imprudência do próprio condutor, como fazer ultrapassagem em locais não permitidos, ou quando não tem certeza de que há segurança para a manobra", explica Neuto.

Os roubos de carga causam um prejuízo anual de R$ 1 bilhão para os transportadores em gastos diretos. Mas esta é apenas uma parte das repercussões financeiras.

Graças ao aumento no roubo de cargas, as empresas passaram a investir cada vez mais em equipamentos de segurança, na contratação de empresas de rastreamento e gestoras de risco. É comum caminhões andando em comboio nas estradas ou com escolta armada. E, mesmo assim, ainda são atacados. Todo esse quadro de riscos acaba inibindo o interesse pela profissão de motorista.

Os motivos são o medo de arriscar a própria vida e, em muitos casos, a dificuldade em operar ou se adaptar aos veículos modernos, dotados de sofisticados sistemas de segurança como trava automática das portas e dos freios.

O diretor da Transportadora Transmiro, Leandro Bortoncello, conta que em função do estresse causado por roubos e assaltos há motoristas que temem trafegar por determinados trajetos. "Há pontos tão visados, que alguns motoristas se negam a passar pelo local por causa do perigo", cita Bortoncello.

Ele destaca ainda que os transportadores, já massacrados pelo pagamento de elevadas taxas tributárias, ainda têm que gastar com a segurança. "Até nas estradas pedagiadas acontecem roubo de cargas e, tudo se reflete nas tarifas de seguro, que se tornam mais caras. Estamos pagando pela ineficiência do Estado", enfatiza Bortoncello.

O presidente do Setcergs, José Carlos Silvano, conta que a insegurança nas estradas está levando alguns motoristas a fazer o caminho oposto ao que era normalmente feito no passado. "Tem condutor trocando as estradas pela fazenda, para dirigir trator. Enquanto antigamente o maior desejo do tratorista era dirigir um caminhão", desabafa Silvano.
Estradas do País têm deficiências e falta infraestrutura para os profissionais

Estradas esburacadas, mal sinalizadas, com pavimento desgastado e necessitando de duplicação compõem o quadro de grande parte da malha viária do Brasil. Dos 90.945 quilômetros de estradas avaliadas pela Pesquisa CNT de Rodovias 2010, 14,7% foram classificados como ótimos; 26,5% como bons; 33,4% regulares; 17,4% estão ruins e 8%, péssimos. "Apesar das condições das estradas terem melhorado em relação ao ano passado, a pesquisa mostra claramente que 58% ainda estão em estado regular, ruim e péssimo", destaca o coordenador técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis.

Situação que além de ser muito fatigante para o motorista, tanto pelos cuidados que precisa ter para não estragar o veículo, quanto pela baixa velocidade que precisa impor, também é prejudicial à saúde. "A trepidação causada por estradas esburacadas é danosa para a coluna do condutor, principalmente para os carreteiros, que possuem veículos antigos que não possuem suspensão pneumática", afirma Neuto.

A falta de infraestrutura nas estradas, que deveriam oferecer pontos onde os motoristas pudessem parar os caminhões com segurança, tomar banho, se alimentar e utilizar banheiros, é outro grave problema, segundo Valmor Scapini, diretor-presidente da Scapini Transporte e Logística, empresa de Lajeado (RS). "Nas rodovias pedagiadas há toda uma preocupação com o estado da pavimentação para assegurar as boas condições dos veículos, mas na margem das estradas não há paradouros preparados para os motoristas. Ou seja, o homem não é considerado", desabafa Scapini.

Os congestionamentos constantes gerados pelo aumento do número de veículos em circulação nas estradas, que não foram ampliadas na mesma proporção, também obrigam os profissionais do volante a manter a atenção redobrada no trânsito e a dirigir sempre na defensiva, o que é muito fatigante, afirma o diretor da Transportadora Transmiro, Leandro Bortoncello.

Para empresários, é possível acelerar formação de profissionais

A boa notícia para os transportadores rodoviários de carga é que o problema de falta de motoristas tem solução. Mas, as alternativas, segundo os próprios empresários do setor, passam por atitudes que vão da mudança na filosofia dos empresários ao maior investimento do governo na educação. Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, para impedir que a escassez de mão obra se transforme em mais um gargalo, é preciso investimento na abertura de escolas de formação de motoristas, que devem ter apoio público e privado. A qualificação deve contemplar um ensino diferenciado que inclua aulas de geografia, de mecânica, de leitura de mapas. "Mas, as aulas devem abordar fundamentalmente prática em direção", destaca Silvano.

O diretor-presidente da Krüger Conventos, Elso Krüger, que no passado formou mais de 1,4 mil motoristas na Universidade Corporativa da empresa e teve que encerrar as atividades pelos custos inviáveis, hoje acredita que a saída é a criação de escolas através do Sistema Sest/Senat em parceira com o sindicato dos transportadores. Ele sugere que as instalações do Sambódromo, localizadas no Complexo do Porto Seco, poderiam ser usadas fora do período do carnaval como salas de aula. Para o gerente de frota da Eichenberg &Transeich, Jaílson Rosa, a preparação para o trânsito deveria começar na escola, através de um currículo que contenha disciplinas que ensinem ao cidadão as regras básicas de boa conduta na estrada e ao volante.

O investimento na educação também é indicado pelo coordenador técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis, que defende a realização de treinamento por "atacado" neste momento e com uso de  simuladores, que reproduzam a realidade virtualmente, recurso que já é utilizado na formação de pilotos de avião e de maquinistas de locomotivas para otimizar e baratear os treinamentos. "A condução de carretas e bitrens, muitas vezes com produtos químicos, requer um treinamento maior e mais específico dos motoristas. Pois, imaginem entregar para uma pessoa despreparada um caminhão com 30 metros de comprimento e carregado com 74 toneladas?", justifica.

O Setcergs também está tentando viabilizar um convênio para a formação de mão de obra especializada em parceria com o Exército brasileiro através do projeto Soldado Cidadão. O objetivo deste programa é preparar o militar profissionalmente para a inserção no mercado no final do serviço militar obrigatório. "Estamos em tratativas com o Exército para a formação de motoristas, especialmente de transportes pesados, de pranchas e blindados. Dentro do Exército é mais fácil e mais seguro, pois como os militares possuem locais para manobras, não precisariam sair para a rua", destaca Silvano.

Sest/Senat oferece 200 cursos, mas falta um específico para condutores

O Sest/Senat (Serviço Social do Transporte/Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) mantém 12 unidades localizadas nas cidades-polo do Estado e oferece mais de 200 cursos na área dos transportes. Entre eles o de especialização de carreteiro, que conta com uma carreta-escola utilizada para a reciclagem de mão de obra em todo Estado; o de direção defensiva e econômica, e o de Movimentação de Produtos Perigosos. Mas, falta viabilizar um curso de capacitação de motoristas.

O projeto até já está configurado, afirma o diretor da unidade do Sest/Senat de Porto Alegre, Carlos Becker Berwanger. "Há dois anos a entidade vem formatando e desenvolvendo o programa para a criação de um curso técnico de formação de condutores com duração de um ano e meio, totalizando 1,2 mil horas-aulas, 50% teóricas e 50% práticas", explica. No entanto, a ideia ainda não foi concretizada por falta de definição de quem vai mantê-la economicamente. Como o Senat não é uma escola, mas sim de uma instituição do sistema "S", ela não teria como receber verbas públicas através do Ministério da Educação.

O custeio pode ser feito, segundo Berwanger, pelas entidades de classe, empresas de transporte, companhias de seguro, empresas de reastreamento, fabricantes de pneus. "Se cada montadora doar um caminhão para a formação prática dos motoristas, todos saem ganhando: o aluno que contará com um recurso fundamental para as aulas práticas e a montadora que divulga e consolida sua marca", destaca.

 O presidente do Setcergs, José Carlos Silvano, defende o apoio público. "A formação de mão de obra é uma questão social e, por isso, deve contar com apoio público. Falta acessarmos os canais certos como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a FGTAS, pois com o investimento em cursos de formação além de garantirmos profissionais mais qualificados, também estaremos contribuindo para a redução do desemprego e do número de acidentes nas estradas", afirma.

Se a nova realidade for configurada, com oferta de cursos de formação, afirma Berwanger, as entidades terão um papel fundamental na conscientização dos empresários a respeito da importância da capacitação dos seus funcionários e colaboradores. Assim, como na intensificação de campanhas publicitárias que mostrem o lado positivo da profissão de motorista.

Empresas e entidades buscam parcerias para projetos de ensino

As organizações também têm de assumir o papel de treinar mais, capacitar, valorizar e abrir oportunidade para motoristas. "Mas a atitude tem que ser de forma global, não isolada. Tem transportadora que até a cabine leito do caminhão está excluindo para colocar mais carga. O motorista é o ponto-chave dentro do transporte", garante o gerente de frota da Eichenberg&Transeich, Jaílson Rosa.

 Consciente da responsabilidade dos empresários na formação de mão de obra, o diretor-presidente da Transportadora Scapini, Valmor Scapini, está tentando viabilizar  uma parceria entre a Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil), da qual é presidente, a montadora Volvo e a Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior (Univates) para o desenvolvimento de um projeto de formação de motoristas e mecânicos da área automotiva. "Para a iniciativa dar certo, os empresários devem se conscientizar de que não adianta só reclamar, é preciso agir", enfatiza Scapini.

A Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI) também está  em tratativas com a Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet), localizada em Concórdia (SC). "Queremos replicar o modelo de ensino de Uruguaiana nas  associadas da ABTI", afirma o vice-presidente da associação, Francisco Cardoso.  Ele também defende a melhoria das estradas e a intensificação do trabalho de inteligência contra o roubo de cargas,  principalmente contra os receptadores. "Reduzidos estes problemas, a atividade de motorista deixará de ser tão fatigante e amedrontante. Consequentemente atrairá mais profissionais", afirma Cardoso.

Tão importante quanto estas questões é a aprovação de um estatuto dos motoristas para regular o mercado, segundo o coordenador técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis. "Hoje estamos debatendo o Projeto de Lei 271/08, do senador Paulo Paim, que seria bom não só para o empregado, mas para o autônomo, que está fora de controle. O regramento vai gerar encarecimento do transporte. Mas, com o tempo, vai contribuir para a redução das distorções e dos exageros que são praticados por alguns e que prejudicam o todo", garante Reis.
Planalto e Minuano investem na qualificação de funcionários

Apesar do ônus financeiro, para não ficar sem mão de obra  e garantir a qualificação dos seus profissionais, empresas como a Planalto e a Expresso Minuano, oferecem aos motoristas a capacitação na própria empresa. O diretor do Grupo JMT, que controla a Planalto Transportes, a Planalto Encomendas, a Planalto Turismo, a NHT Linhas Aéreas e a Veísa Veículos, Reinaldo Herrmann, conta que na empresa o profissional permanece de 20 a 40 dias em aulas práticas e teóricas para, só depois, começar a dirigir.

O início é na atividade de manobrador ou na coleta e entrega. À medida que adquire experiência e se qualifica, o motorista pode passar a conduzir carretas  e até ônibus de turismo. Em média, a empresa forma 50 motoristas por ano. Para não perder os funcionários para outros grupos, uma das grandes preocupações das empresas que capacitam, a Planalto oferece uma série de outros benefícios. "Além do plano de carreira, fornecemos aos motoristas assistência médica, cesta básica e uma remuneração acima da média do mercado", destaca Herrmann.

A Expresso Minuano também oferece treinamento para seus motoristas numa sistemática semelhante à da Planalto. O motorista geralmente começa a trabalhar com a coleta e entrega e depois passa a conduzir caminhões maiores dentro da cidade. Somente depois dessa preparação, é que o profissional passa a dirigir carretas, mas as primeiras viagens são feitas com acompanhamento de um motorista mais experiente, que atua como instrutor. O supervisor de RH e Coordenador de Qualidade da Minuano de Porto Alegre, Isaias Goethel Rodrigues, explica que antes de direcionar e investir na qualificação do motorista, a empresa avalia se o profissional tem o perfil para trabalhar na estrada.

Rodrigues é bastante exigente com a capacidade prática e com a saúde dos motoristas. Além disso, na empresa cada profissional utiliza exclusivamente um veículo, estratégia que também contribui para a fidelização dos motoristas. "O condutor gosta de usar sempre o mesmo caminhão, arrumar do seu jeito, com sua cara", destaca Rodrigues.

Mas, o que pesa na busca de profissionais, na opinião do trainee Adrian Krás Borges, é a questão financeira. Por isso, explica, a empresa realiza anualmente pesquisas para saber o valor dos salários oferecido no mercado para se adequar e se diferenciar. "Também sempre procuramos oferecer um atrativo a mais como cursos e premiações para quem atingir as metas de média de consumo de diesel por quilometragem rodada, que podem chegar a valores entre R$ 400,00 a R$ 500,00 por mês", conta Borges.

Paixão pela estrada identifica caminhoneiros

Maria Lídia Daves da Silva é a prova de que a função de motorista não é exclusividade masculina. Apaixonada pela profissão, Maria Lídia começou a carreira em 1987, numa época em que praticamente não existiam mulheres motoristas - situação que não é tão diferente ainda hoje. O sonho de dirigir caminhões surgiu quando era menina. Ela conta que o pai criava gado e sempre que tinha que fazer  compras ou entregas ela o acompanhava. No trajeto, feito de carroça, passava próximo da rodovia e ao ver os caminhões um pensamento vinha ao seu imaginário: "um dia vou dirigir um destes".

Não demorou muito e o sonho se tornou realidade. Maria Lídia casou-se com caminhoneiro, aprendeu a dirigir e aos 20 anos já estava no volante. Hoje dirige uma carreta Scania 380 com 17 metros e viaja pelo menos cinco vezes por mês para São Paulo e Rio de Janeiro. Ela revela que já tentou mudar de profissão, mas sentiu tanta saudade, que desistiu da ideia. "Na estrada eu me sinto livre. E na minha empresa sou muito bem tratada. Meus colegas me respeitam, o ambiente é gostoso", afirma.  Mas, nas estradas, sente muito preconceito dos motoristas. "Há homens que não aceitam ver uma mulher no volante. Acham que o nosso papel é o de dona de casa", conta.

Mesmo com o trabalho pesado, ela faz questão de dizer que é bem feminina,  gosta muito de se cuidar e de cuidar do seu caminhão. "Sou muito vaidosa com ele também. Eu o trato como se fosse a minha casa, meu companheiro, as vezes até converso com ele, faço questão de mantê-lo limpo, bonito e bem cuidado", revela aos risos. Quanto aos perigos da profissão, Maria Lídia afirma que não sente medo, pois acredita muito em Deus. E conta que segue uma conduta defensiva e cautelosa para evitar problemas e acidentes.

O jovem talento, como é chamado na Eichenberg&Trenseich, Américo Splitt de Lima, hoje com 28 anos, é apaixonado por caminhão desde criança. O amor pela profissão começou quando ainda menino acompanhava o pai, ex-motorista de carreta e que atualmente trabalha como instrutor também na Eichenberg, em suas viagens.

O garoto, que iniciou sua carreira como motorista de veículos de pequeno porte, agora já dirige carretas em viagens nacionais e internacionais. A idade não foi empecilho para que a empresa desse a ele uma oportunidade. Lima conta que considera as viagens de caminhão uma aventura e um desafio. O recado para quem deseja seguir a profissão é o mesmo que dá para seu irmão de 19 anos: que não tenha medo e que siga a profissão, que é muito gratificante.

Em relação às estradas, Lima reclama que muitos motoristas que rodam à noite usam estimulantes e acabam dirigindo perigosamente, o que coloca todos em risco. "Acho que deveria haver mais fiscalização e mais instrução por parte das empresas para que os motoristas não se comportem desta forma, sejam mais responsáveis." Lima também critica o estado das estradas brasileiras que, em grande parte, está em péssimas condições.

O motorista Dílcio Costa de Abreu começou a se familiarizar com os caminhões quando, ainda menor de idade, arranjou um emprego de ajudante de carregamento de caminhões de leite. Ao completar 18 anos, se tornou motorista dos caminhões. Ao trocar de empresa passou a trabalhar como motorista de empilhadeira e, com o tempo, aprendeu a dirigir todos os tipos de caminhões.

Em 1992, ingressou na empresa Planalto, onde está há 18 anos e atua na coleta e entrega com caminhões de porte médio e grande. Abreu conta que adora a profissão pelo fato de estar sempre na estrada e em função de lidar com o público. Aos 53 anos de idade, o motorista afirma que o tratamento e a valorização que a Planalto dá aos funcionários também são motivos que o fazem apreciar ainda mais a profissão. "Gosto muito da empresa onde trabalho, senão não estaria aqui há 18 anos. Todos os anos nós temos cursos de direção defensiva e outros conteúdos que nos ajudam no trânsito. Pois a maioria dos incidentes acontece por imprudência", justifica Abreu.

Para a profissão melhorar ainda mais, em sua opinião, seria importante que os condutores tivessem mais respeito uns pelos outros ao andar no trânsito. "Gostaria que as pessoas fossem mais educadas", afirma Abreu.

Boletim Informativo Guia do TRC
Dicas, novidades e guias de transporte direto em sua caixa de entrada.