Falta adotar solução legal para o Bilhete Único Metropolitano, por Vladimir Alves*

Publicado em
27 de Setembro de 2011
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Os reiterados anúncios feitos pelo governo de São Paulo sobre a implantação do bilhete único em escala metropolitana a partir de um sistema unificado de arrecadação de tarifas sugerem pouca atenção aos entraves econômicos e jurídicos que recaem sobre o modelo escolhido.

A intenção do governo de implementar o bilhete único metropolitano atrelado aos programas de  integração das linhas da EMTU/Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, da CPTM/Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, do Metrô e das linhas municipais operadas pela SPTrans na capital deve ser comemorada. Mas é a forma como o governo insiste em conduzir essa questão que preocupa. O modelo escolhido se mostra inconveniente, inoportuno e até mesmo inconstitucional ao violar cláusulas sensíveis como a autonomia dos entes federados e os limites de suas competências privativas.

A primeira tentativa ocorreu em 2009. O Estado, tendo o Metrô como entidade executora, lançou edital de concorrência internacional para a formação de parceria público-privada (PPP), prevendo a outorga de concessão administrativa dos serviços de arrecadação das tarifas públicas dos usuários das redes municipal e metropolitana de transporte coletivo de passageiros. O pressuposto necessário para permitir a formação dessa PPP, sem infringir a legislação pertinente, foi forjar o desmembramento do serviço de operação do transporte metropolitano de passageiros do serviço de arrecadação de tarifas (bilhetagem).

É que somente com a quebra da unidade lógica existente entre o serviço (já operado sob concessão)e a cobrança de tarifa é que se poderia superar a vedação legal à parceria público-privada, tendo como objeto único o fornecimento de mão de obra, fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. Pela lei geral que cuida da matéria (Lei 11.079/04), é preciso que haja prestação de serviço. Essa condição, aliás, integra o conceito legal de “concessão administrativa”, ou seja, contrato de prestação de serviços de que a administração seja usuária direta ou indireta.

Barrado por decisões liminares dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e do Município de São Paulo (TCM), o certame deixou de ser concluído no ano passado como se esperava, frustrando a expectativa de se exibir a versão tucana do bilhete único no palanque eleitoral de 2010.

Além da falta de previsão legal para o objeto da PPP, outras razões foram levantadas pelos técnicos do TCM, como a falta de autorização legislativa para a gestão associada de serviços públicos e para a eventual quebra da autonomia municipal, ao submeter matéria de sua competência à gestão do Estado.

Embora o mérito das representações ainda se encontre sub judice no Tribunal de Contas do Município, o fato é que todo o processo licitatório foi montado a partir de um convênio entre o Município e o Estado. Quanto a esse aspecto, parecer técnico elaborado pela Assessoria Técnica do TCM sustenta que convênio não é instrumento apto a garantir objeto de tão grande importância social, já que, por sua natureza, pode ser denunciado pelos partícipes a qualquer momento.

Acresça-se a esse fato o surgimento de indícios de que o referido convênio foi formalizado a partir de premissas equivocadas. Em sua cláusula 5ª, o instrumento que deu origem à licitação estabelece que a vencedora do certame pagará ao município indenização pelos investimentos, bens e direitos relativos ao SBE (o sistema atual do bilhete único paulistano). Esse valor atinge R$ 726,2 milhões até 31.12.2008, segundo dados do próprio TCM, utilizados como parâmetro. Esse cálculo, a título de indenização, apresenta substancial contradição com os valores apresentados no edital: R$ 225,4 milhões.

 Mas, não se trata apenas da divergência de valores. Para os técnicos do TCM, se o sistema atual de bilhetagem for mesmo vinculado ao objeto de uma futura concessão, haverá uma substancial alteração dos critérios a serem adotados na apuração dos valores devidos, havendo, não uma mera indenização, mas aquisição, com preço fechado. A falta de clareza sobre esse ponto foi reputada como gravíssima no parecer técnico.

Se é verdade que as dúvidas suscitadas nas representações inviabilizaram aquele edital, não eliminaram o modelo equivocado da proposta. A implementação do bilhete único, proposta isolada que era, passou, em 2011, a ser tratada como uma das metas da nova gestão metropolitana, instituída pela Lei Complementar Estadual nº 1.139, de 16 de junho de 2011. Sob o pretexto de reorganizar a Região Metropolitana de São Paulo, o novo diploma legal prevê a criação de um Conselho de Desenvolvimento (representação paritária dos 39 municípios metropolitanos e do Estado) e de uma autarquia, no formato de consórcio público que, gozando de autonomia administrativa e financeira, poderá gerir serviços públicos de forma compartilhada.

A introdução do bilhete único metropolitano, sem dúvida, está entre as políticas de racionalização do transporte coletivo e, justamente por isso, requer a definição de um arcabouço jurídico-institucional que permita o desenvolvimento de uma fórmula de gestão compartilhada de serviço público, quando da sua delegação à iniciativa privada.

O modelo possível é o da formação de consórcio público para a gestão compartilhada do serviço, de acordo com a Lei nº 11.107/2005. Reorganizada, a Região Metropolitana tem condições de gerir um sistema de transporte e até de introduzir o bilhete único, mas incorrerá novamente em erro se tentar desmembrar o serviço de bilhetagem da operação.

 

*Vladimir Alves é advogado publicista, autor de

 "Comentários à Lei de Consórcios Públicos - Gestão Associada e Cooperação Interfederativa no Brasil”.

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