Expansão exige plano de cargos e salários

Publicado em
31 de Março de 2010
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Não bastasse terem que decidir a compra de novos equipamentos ou a mudança de endereço do escritório, pequenos e médios empresários que enfrentam as "dores do crescimento" precisam lidar mais cedo ou mais tarde com a intriga dos funcionários no cafezinho, que começam a dizer coisas como "fulano faz o mesmo serviço que eu e ganha mais". É nesse momento que o empresário percebe o óbvio: a empresa cresceu tanto que não houve tempo suficiente para analisar a produtividade da equipe ou quais departamentos precisavam de mais ou menos gente. "O que se vê são funcionários que foram promovidos sem critério algum de produtividade ou responsabilidade, cargos que foram criados apenas para acomodar parentes do diretor ou ainda contratações feitas aleatoriamente para os setores que reclamaram mais, não necessariamente aqueles que geraram mais lucros", afirma José Antonio Prudente, sócio da consultoria Wiabiliza RH, de São Paulo.

Resultado: equipes insatisfeitas com a política de recursos humanos (ou a falta dela) e a consequente perda de talentos. "Para se sentir motivado, o funcionário precisa enxergar perspectivas de crescimento. Ele se pergunta: o que eu preciso fazer para alcançar o próximo nível? Se esse outro nível ou os requisitos necessários para exercê-lo não estão claros, fica difícil", alerta Prudente.

A percepção dos especialistas é que os pequenos empresários vêm percebendo cada vez mais cedo a importância de estruturar um plano de cargos e salários. Tudo por conta do amadurecimento da economia brasileira, que força uma profissionalização mais acelerada das empresas. Elas passam, por exemplo, a ganhar novos sócios advindos de fundos de investimentos e criam conselhos de administração. Mas, acima de qualquer transparência ou fidelidade por parte da equipe, um bom organograma melhora a organização do negócio como um todo.

"O empresário consegue listar todos os profissionais e seus respectivos cargos, e pagar por nível de responsabilidade. Os salários são definidos adequadamente para cada nível. Além de proporcionar um maior controle dos gastos com a folha de pagamento, isso ajuda a evitar injustiças e até futuros processos trabalhistas", acrescenta Arlindo Felipe Júnior, diretor executivo do Grupo Soma, empresa paulistana especializada em recursos humanos.

Profissionais alocados em atividades idênticas, mas com nomenclatura e remuneração diferentes, não são um problema restrito a pequenos e médios empreendedores. "Independentemente do porte da companhia, é um processo que precisa ser revisado periodicamente para acompanhar a dinâmica do mercado", diz Júnior.

Entre os conglomerados que tiveram de remodelar planos de cargos e salários recentemente estão a Suzano e a VCP, do grupo Votorantim.

Em 2008, a Suzano verificou que entre seus 6600 funcionários, havia 749 cargos diferentes - resultado da expansão turbinada da empresa nos últimos anos, conquistada sobretudo por meio de aquisição de concorrentes. De cada compra foi herdado um tipo de configuração. Na última remodelação, descobriu-se que muitos funcionários estavam subavaliados e mereciam promoção. Por outro lado, quase um terço dos cargos poderia deixar de existir sem prejudicar a hierarquia. "Quando não há um padrão, cada departamento ou chefia vai criando adaptações a sua maneira. Aí aparecem cargos que na maior parte dos casos não definem exatamente uma função, como "analista de assuntos tecnológicos e jurídicos" ou "gerente de estratégias", brinca Júnior, do Grupo Soma.

Segundo especialistas, o primeiro passo na elaboração de um plano adequado está em avaliar os cargos que a organização realmente precisa, dividindo-os em escalas de importância e as competências necessárias para exercê-los. "Muitas empresas erram ao oficializar as funções levando em conta apenas o perfil das pessoas que se encontram exercendo-as naquele momento. Às vezes o supervisor de operações é um engenheiro, mas será mesmo que precisa ser engenheiro, com salário de engenheiro? Outras vezes alguns funcionários acumularam sobreposições que precisam ser divididas entre mais gente, para ganhar agilidade", explica Vanderlei Silva, diretor da consultoria de recursos humanos Promerito, de Belo Horizonte (MG).

"O ideal é imaginar que todo mundo ganhou na loteria e pediu demissão. Você vai contratar novos talentos que precisam se adaptar em 15 dias. Quais habilidades eles devem ter para dar conta do recado?", exemplifica.

De acordo com os consultores, quanto mais próximos do negócio principal da empresa, ou seja, quanto mais geram lucros, mais determinados cargos devem ser valorizados dentro hierarquia. É importante saber também como a empresa está e como quer se posicionar em relação à concorrência: pagar um pouco mais, dentro da média ou relativamente menos para determinadas posições. Para isso, é necessário adquirir uma pesquisa de mercado, normalmente já inclusa no pacote de serviços oferecidos por consultorias.

Para pequenas e médias empresas, o pacote costuma custar entre R$ 10 mil e R$ 50 mil, e pode demorar alguns meses, dependendo da complexidade da operação. Consultoria júnior oferecida por estudantes de universidades pode ser uma opção mais barata. "Com a pesquisa em mãos, não há porque utilizar o chutômetro na hora de definir quanto pagar em contratações ou promoções", diz Silva, da Promerito.

Na hora de introduzir ou revisar um plano dessa envergadura, é crucial gerenciar as expectativas que são geradas pelos funcionários, tanto por aqueles que acham que seus salários serão automaticamente aumentados, quanto pelos que eventualmente se sintam ameaçados, como aqueles com mais anos de casa, ainda arraigados numa cultura de aproximação com os familiares donos da empresa. É necessário envolvê-los no processo decisório. "Forma-se um comitê responsável por validar as mudanças, composto por profissionais de diferentes departamentos e isentos, ou seja, que não consideram a avaliação de cargos do seu próprio setor mais importante do que os demais só porque faz parte dele", diz Júnior, do Soma.

 

Maioria vê atendimento como o grande diferencial
Ana Cláudia Landi, para o Valor, de São Paulo
31/03/2010


Os pequenos e médios empresários brasileiros apontam o atendimento como seu principal diferencial em relação à concorrência. É o que mostra levantamento realizado com exclusividade para o Valor pelo Insper Instituto de Ensino e Pesquisa em parceria com o Grupo Santander Brasil.

De acordo com a pesquisa, feita paralelamente à apuração do Índice de Confiança dos Pequenos e Médios Negócios (IC-PMN), 51% dos consultados afirmam que suas empresas são melhores por conta de ações adotadas para cativar e manter seus clientes. A pergunta foi feita a 1,2 mil empresários das cinco regiões do país e de três ramos de atividade (comércio, serviços e indústria). Todas as companhias faturam até R$ 20 milhões ao ano.

Em segundo lugar, 35% dos entrevistados creditaram seu sucesso ao produto ou serviço que oferecem. Com 9% e 5% das respostas, respectivamente, os processos e as ações de marketing aparecem como pontos a favor.

A pesquisa desconsiderou a questão preço por entender que envolve características subjetivas, difíceis de mensurar. "Buscamos encontrar aspectos de diferenciação mais sofisticados e associados a inovações", explica o coordenador do Centro de Pesquisas em Estratégia do Insper, Danny Claro.

Segundo ele, os resultados mostram que os pequenos e médios empresários estão cientes da necessidade de fidelizar o cliente. "Neste segmento, o atendimento, a confiança e a proximidade são fundamentais. Prova disso é que esses negócios sobrevivem mesmo com a chegada das grandes redes aos bairros. O pequeno comércio, como uma padaria, farmácia, se vale da credibilidade e da relação próxima para levar vantagens."

Para o economista, as iniciativas acabam sendo, de certa maneira, até copiadas pelas grandes empresas, que investem muito dinheiro em programas de afinidades ou que premiam a fidelidade.

O peso dado ao atendimento foi o mesmo nas três áreas consultadas, mas é maior na área de serviços. "O sucesso de um negócio neste segmento depende quase que exclusivamente da forma como o usuário enxerga o profissional e o trabalho por ele prestado. Neste caso, o quesito atendimento acaba até englobando o segundo ponto destacado como diferencial - produto/serviço. Eles se confundem e se complementam", diz Claro.

Ainda de acordo com ele, as pequenas indústrias que apontaram a qualidade como principal vantagem mostram que entendem a importância do business to business, onde, mais que preço, o que conta é a confiança e o histórico de relacionamento.

O IC-PMN para o segundo trimestre de 2010 alcançou 74,9 pontos, em uma escala que vai de 0 a 100, o maior valor desde o lançamento do indicador, em 2008. Os resultados apontam para uma melhoria das expectativas dos empresários em todos os quesitos que compõem o índice. Na primeira edição do indicador, divulgado no final de 2008 com a previsão para o primeiro trimestre de 2009, a confiança dos empresários alcançou 69,5 pontos.

Entre os diferentes ramos de atividade, o comércio é o mais otimista, com 75,3 pontos contra 68,9 pontos do trimestre anterior. Também houve significativa evolução no setor de serviços - que passou de 68,8 pontos para 74,7, e na indústria, com alta de 69,2 para 74,0 pontos.

 

Remuneração variável é boa saída na ótica Ipanema
Silvio Ferreira, sócio-proprietário da rede de óticas Ipanema, abriu a primeira loja em 1981, em Indaiatuba (SP), e de lá comandou a expansão do seu negócio para toda a região de Campinas. Nos últimos três anos, a receita subiu mais de 45%. Tal índice só foi possível porque Ferreira identificou a falta de estímulo dos vendedores, que dividiam uma comissão de 3% sobre o total das vendas. "Era igual para todos, então um passava a responsabilidade para o outro e o cliente ficava esperando. Não havia dinâmica", diz Ferreira.

Há dois anos, ele arquitetou um plano arrojado de cargos e salários que leva em consideração o tempo de casa dos funcionários, as metas atingidas e o faturamento das unidades. Os vendedores passam por seis níveis. O mais baixo é o trainee (salário fixo de R$ 740 por, no mínimo seis meses, sem direito a comissão). Quem demonstra capacidade, está apto a se tornar consultor júnior (fixo de R$ 1500, mais 2,5% de comissão sobre as vendas individuais). Depois há o consultor pleno (comissão de 3,5%) e o consultor sênior (comissão de 4%), esse último apto a ser promovido para sub-gerente ou gerente de loja, quando há abertura de vagas em uma das nove unidades. "Tenho consultores seniores que chegam a tirar mais de R$ 5 mil por mês", revela Ferreira. "Além disso, todos os gerentes foram consultores um dia. Se vier alguém por indicação, deve começar como trainee e passar pelos processos de desenvolvimento e avaliação."

Para candidatar-se a mudança de nível é preciso ter batido todas as metas por, no mínimo, um ano. O candidato passa por uma prova em que é avaliado sobre diversos assuntos, desde conhecimentos técnicos sobre lentes e armações (obtidos por workshops fornecidos pela própria empresa e seus fornecedores), até sobre novos lançamentos da área. "O consumidor de óculos é leigo. É diferente de ir até a padaria e pedir cinco pãezinhos. Na óptica não pode ser self-service, precisa haver interferência de um consultor qualificado para auxiliar o cliente na escolha de um produto, que usado de forma errada pode prejudicar sua saúde", justifica Ferreira.

A Ipanema implantou ainda uma política de bonificação para não afetar o relacionamento na equipe. Independentemente do cargo na hierarquia, todos recebem mais R$ 150 sempre que alcançam suas metas individuais do mês, outros R$ 150 se ultrapassarem suas metas em 20% e todos levam mais R$ 150 se a loja inteira bater suas metas. Ou seja, são três chances de ganhar R$ 150, com a possibilidade de somar R$ 450, sem considerar comissões e o salário fixo.

"A bonificação coletiva precisou ser criada nos últimos meses quando observamos que quem batia sua meta antes do final do mês se dava por satisfeito", explica Ferreira. Ele tem agora o desafio de replicar sua gestão para as lojas franqueadas, formato escolhido para dar continuidade ao crescimento.

O consultor Arlindo Felipe Júnior, diretor-executivo do Grupo Soma, ressalta que há uma tendência de pequenas e médias empresas em oferecer a remuneração variável como forma de reter talentos que, via de regra, seriam perdidos para multinacionais. "Há chance de se obter remuneração igual ou maior nas pequenas organizações", diz.

Desde 2000, portaria do governo regulamenta a remuneração variável, com possibilidade de isenções fiscais. (B.F.)

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