Excesso de peso nas rodovias: um tiro no pé do transportador

Publicado em
17 de Setembro de 2015
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Carregar excesso de peso em caminhão é costume antigo, que traz mais prejuízo do que vantagem, como revela esta reportagem. Mesmo assim, muitos assumem o risco. Mas o Ministério Público Federal decidiu agir: está processando, na Justiça, aqueles que insistem nessa infração, apesar das multas que levam

Nelson Bortolin

Balança x caminhão: rixa antiga e sem fim. Respeitar os limites de peso seria melhor para todos

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Os dados são só de Mato Grosso, porque a Polícia Rodoviária Federal (PRF) disse que não tem números nacionais: este ano, até 13 de agosto, foram multados 666 caminhões com excesso de peso naquele Estado. Juntos, eles carregavam pouco mais de 4,2 mil toneladas além do permitido – cerca de 6,4 toneladas por veículo. Se todos estivessem dentro da lei, sobraria carga para mais 114 viagens de bitrem.

Com essa amostra, dá para imaginar que são milhares as viagens de caminhões com excesso de peso pelo Brasil afora, ainda mais com as 77 balanças do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) inoperantes por causa de uma decisão da Justiça do Trabalho, desde outubro do ano passado (veja na pág. 16). A falta de pessoal nos órgãos de trânsito impede que muitas balanças funcionem também nas rodovias estaduais e nas concedidas à iniciativa privada, porque a lei diz que uma multa só pode ser aplicada por um agente público.

Um levantamento feito pela Carga Pesada na seção de notícias do site da PRF mostrou que, em 10 blitze, foram flagrados 55 caminhões que levavam mais peso que o permitido, num total de 428,2 toneladas – 7,8 toneladas em média por veículo. Isso significa que eles “roubaram” carga suficiente para 11,5 viagens de bitrem.

Entre as notícias, está o flagrante de um rodotrem carregado de areia que pesou 132,3 toneladas (carga líquida mais tara) – um excesso de 58,3 toneladas, num PBTC que não poderia ultrapassar 74 toneladas. A multa, aplicada em abril deste ano em Mossoró (RN), foi de R$ 39 mil.

O Núcleo de Estatísticas da PRF informou que, de janeiro a julho, o excesso de peso em caminhões multados em todo o País somou mais de 72 mil toneladas, mas não soube dizer a quantos veículos esse total se refere.

Transportar peso além do limite pode parecer vantagem, mas quem faz as contas logo vê que não é. O excesso de peso de um caminhão desgasta o pavimento, cujo conserto é pago com os impostos de todos, põe em risco a vida de quem está na estrada e acelera a depreciação do veículo. Além disso, representa concorrência desleal.

“Se todo o mundo atender a lei, vai sobrar mais frete. É fácil perceber que, onde tem balança funcionando, os fretes são melhores”, ressalta o diretor técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis. “E ser contra o excesso de peso é uma questão de bom senso: você não deve estragar na ida o pavimento que você vai usar para voltar”, ressalta.

Área de testes de peso de caminhões da UFRGS: a vida útil do pavimento pode ser reduzida em 60%

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O engenheiro João Fortini Albano, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escreveu uma tese sobre a influência dos excessos de carga na durabilidade dos pavimentos e calcula que os caminhões carregam, em geral, 20% de excesso de peso no Brasil. “Esse problema se deve à ganância de alguns transportadores e ao desleixo e à inoperância da fiscalização pelo governo”, declara. Fazendo testes em laboratório e exames no asfalto da BR-386, no Rio Grande do Sul, Albano constatou que o excesso de peso dos caminhões reduz a vida útil do pavimento em 25% a 60%. Ele critica o recente aumento da tolerância do excesso por eixo de 7,5% para 10%, determinado pela Lei 13.103. “Quando o pavimento é construído, ele não leva em conta nenhuma tolerância”, declara.

O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, da Transtech, de Curitiba (PR), lembra que o prejuízo do excesso de peso para o veículo é muito grande, com danos principalmente à suspensão, como quebra de feixe de molas e de ponteiro de eixo. “Pneus e outros itens da suspensão também sofrem, sem contar o aumento do consumo de diesel”, explica. Mas as avarias não surgem todas ao mesmo tempo, por isso o transportador não percebe a relação delas com o fato de levar mais peso. “É como fumar apenas um cigarro por dia e depois ter câncer: você achava que aquele pouquinho não era perigoso, mas era.” No trânsito, alerta ainda o engenheiro, caminhão com excesso de peso tomba mais fácil e precisa de mais espaço para frear. “Tudo isso pode provocar acidentes graves. O excesso de peso, associado à falta de manutenção dos veículos, é a maior causa de acidentes com caminhão.”

Quem deve pagar a multa pelo excesso de peso?

De quem é a responsabilidade legal pelo excesso de peso em rodovias? Quem deve ser multado? Ninguém sabe exatamente as respostas para essas perguntas depois que saiu a atual lei do caminhoneiro (13.103), em março deste ano, dizendo o seguinte: “O embarcador indenizará o transportador por todos os prejuízos decorrentes de infração por transporte de carga com excesso de peso em desacordo com a nota fiscal, inclusive as despesas com transbordo de carga”.

Acontece que o Código de Trânsito Brasileiro atribui responsabilidades tanto para transportadores como para embarcadores em caso de excesso de peso, e define três situações:

1º – a multa vai para o embarcador quando houver excesso de peso no veículo no qual ele é o único remetente da carga, e se o peso declarado na nota fiscal for inferior ao aferido;

2º – a multa vai para o transportador quando a carga pertencer a mais de um embarcador;

3º – a multa vai para ambos quando o peso declarado na nota fiscal for acima do limite legal.

A inclusão da questão das balanças na Lei 13.103 se deveu à pressão dos caminhoneiros na greve do início deste ano. Aparentemente, a intenção foi atribuir sempre ao embarcador a responsabilidade pelo excesso de peso.

A Carga Pesada questionou a PRF quanto à contradição entre as duas leis e perguntamos qual é a norma que está sendo seguida, mas não tivemos resposta até o fechamento desta edição. A assessoria jurídica da NTC&Logística ainda estudava o assunto.

Pelo código de trânsito, o motorista do caminhão, se não for o transportador, não tem responsabilidade pelo excesso de carga. Ele só será penalizado se fugir da balança.

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