Segundo maior produtor do mundo, o Brasil começa a se preparar para um novo ciclo de investimentos na produção de etanol nos próximos anos. Calcula-se que serão investidos mais de R$ 72 bilhões até 2030.
Também vão contribuir para esse ciclo de injeção de dinheiro no etanol, o crescimento da frota de carros flex e a nova política de preços da Petrobras, que alinhou os reajustes da gasolina com o mercado internacional. A aposta é que agora o etanol ganhe um impulso mais consistente do que teve no passado.
Nas usinas, a produção de álcool já começou a crescer na atual safra. Até o fim deste ano, pelo menos 60% da cana de açúcar moída será transformada em etanol, enquanto com os 40% restantes será produzido açúcar. Ano passado, a relação foi inversa, de 55% para açúcar e 45% para etanol. Por enquanto, o motivo é conjuntural.
O preço do açúcar está no menor nível histórico no mercado internacional – U$ 0,11 centavos de dólar por libra (cotação usada nos contratos futuros de Nova York), mas já chegou a U$ 0,27 por libra. O motivo é um excedente de produção de açúcar no mundo, por conta de países como Índia, Tailândia e Paquistão.
Para o consumidor, o efeito pode ser uma redução do preço na bomba. Alguns analistas acreditam inclusive que – com a alta recente do petróleo e a maior produção de álcool – com a entrada da safra de cana, em maio, o preço do etanol pode voltar a ser competitivo até mesmo em estados onde isso não ocorre há muitos anos, como o Rio de Janeiro.
“Com o crescimento de frota flex, a nova política de preços da Petrobras para a gasolina e o RenovaBio, um programa de Estado que estimula o uso de biocombustíveis e traz previsibilidade e transparência ao investidor, já há a expectativa de um novo ciclo de investimentos no etanol”, diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), entidade que representa os produtores.
Esse novo ciclo de investimentos deve ganhar fôlego a partir de 2020, quando o RenovaBio, programa do governo federal que incentiva o uso de biocombustíveis, estiver totalmente implementado.
RenovaBio deve puxar investimentos
O cálculo para se chegar aos R$ 72 bilhões leva em conta os investimentos que serão feitos no campo e na indústria em renovação e ampliação de canaviais, melhoria da produtividade da cana, reativação de usinas fechadas e abertura de novas unidades de produção, com base em estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia.
Para cada tonelada nova de cana produzida, calcula-se aporte de US$ 130. Segundo a EPE, a produção de cana no país saltará das atuais 635 milhões de toneladas para ao menos 800 milhões de toneladas até 2030. O número de usinas operando subirá de 360 para 390, enquanto a oferta de etanol passará dos atuais 31 bilhões de litros para 49 bilhões.
A principal aposta para mais investimentos em etanol é o RenovaBio. O programa, que teve lobby dos empresários do setor, estimula o uso de biocombustíveis e a redução da emissão de carbono, com metas definidas. Com o programa, o Brasil vai cumprir os compromissos do Acordo de Paris, de redução das emissões de gases de efeito estufa. Sancionado pelo presidente Michel Temer em março, está 60% concluído. Mas há obstáculos até 2020.
“Ainda é preciso definir as metas de redução de emissões de gases poluentes e o papel dos produtores de biocombustíveis nesse processo até 2030”, explica Padua, da Unica.
O programa também é alvo de críticas, como o fato de chegar com pelo menos 20 anos de atraso ao país. Enquanto o mundo está avançando em veículos híbridos, elétricos e na Europa já está previsto o fim da produção de motores a combustão, o Brasil ainda está longe dessa realidade.
“Acredito que o RenovaBio é importante, mas chega com 20 anos de atraso. É um programa para os próximos 20 anos. Depois, as novas tecnologias de veículos híbridos e elétricos devem ganhar força no Brasil”, avalia José Carlos de Lima, especialista em Estrutura de Mercado e Planejamento Estratégico e sócio da consultoria Markestrat.
Para o agrônomo e consultor da MB Agro, Alexandre Figliolino, a nova política de preços da Petrobras para a gasolina trouxe transparência e deu competitividade ao etanol. Enquanto o barril de petróleo estiver acima de US$ 50 (na última sexta-feira, estava acima de US$ 70), o etanol tem boas condições de competitividade com a gasolina, diz ele: “A política de congelamento de preços da gasolina no governo Dilma arrebentou com o etanol”.
Pelas projeções da EPE, cada vez mais os brasileiros comprarão os chamados carros flex, estimulando o consumo de álcool hidratado. A venda de veículos leves deve chegar a 5,2 milhões de unidades em 2030, com a recuperação da economia, a melhora do crédito e a retomada do emprego e da renda. Ano passado, as montadoras venderam pouco mais de 2 milhões de veículos. A projeção aponta que 88% da frota de veículos leves que circulando no país em 2030 será do tipo flex.
A trading SCA prevê que o consumo de álcool hidratado pode crescer 20% em maio. Com isso, o combustível poderá se tornar vantajoso até em estados como Bahia e Rio de Janeiro, onde a incidência de tributos é maior. O hidratado costuma ser mais atrativo ao consumidor em regiões com maior produção e menor carga de impostos, como São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais.
“Este ano, a safra será alcooleira já que o preço do etanol está remunerando melhor o produtor”, diz Jacyr Costa Filho, diretor da Região Brasil do Grupo Tereos, cujas sete usinas vão moer cerca de 20 milhões de toneladas este ano, com produção de álcool maior que a de açúcar.
Queda de preço ainda não chegou ao consumidor
Segundo a Unica, a venda de etanol desde o início da safra já subiu quase 30%. Para o consumidor essa maior oferta de álcool ainda não resultou em preço mais baixo, entrave à expansão da demanda. Enquanto o preço do litro caiu R$ 0,40 ao produtor na região Centro-Sul, na bomba dos postos, o recuo foi de só R$ 0,08. Com a entrada da nova safra, o preço ao consumidor deve cair mais rápido.
“Pode estar ocorrendo uma recomposição de margens das distribuidoras ou postos. Com a chegada do etanol da nova safra e o aumento da demanda por esse combustível, a velocidade de repasse ao consumidor vai acelerar”, diz Padua.
Desde a década de 70, o etanol passa por altos e baixos no país. Primeiro foi o Proálcool, que visava substituir a gasolina pelo álcool, em época de petróleo caro. Mas o petróleo ficou barato e o preço do açúcar subiu, minguando a produção de álcool. No início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, houve novo estímulo ao etanol. Mas, com a descoberta do pré-sal, o programa não deslanchou. O prejuízo foi grande: as usinas tomaram empréstimos para produzir e ficaram com um papagaio de R$ 100 bilhões, que até hoje não foi pago, e 30 fecharam. No governo Dilma Rousseff, a contenção dos preços da gasolina prejudicou o combustível (O Globo, 7/5/18)