Os desafios do próximo Presidente da República serão enormes, pois além da gravíssima crise instalada, o País ainda se encontra politicamente dividido e ‘perigosamente’ polarizado. Impactos negativos que advém de uma pandemia ainda não totalmente controlada, e cenário internacional instável e inseguro, em virtude da desestruturação econômica mundial e da invasão da Ucrânia pela Rússia, também contribuem para que o futuro brasileiro tenha aumentado seus graus de incertezas.
A compreensão geral é que mesmo observando-se uma lenta recuperação da economia mundial, é impossível não reconhecer as maléficas consequências – econômicas, sociais e geopolíticas – que, oriundas dos últimos acontecimentos mundiais, ainda impactam o mundo. O “quase” descontrole da inflação mundial (a maior desde os anos setenta do século passado), o aumento das taxas de juros (consequência direta das políticas monetárias adotadas pelos principais bancos centrais) e a crise entre as principais potências mundiais são alguns dos exemplos cujas soluções, lamentavelmente, não estão vislumbradas para um prazo curto.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), publicado no início deste mês (“Tempos incertos, vidas instáveis: Construir o futuro num mundo em transformação”), tem, como uma de suas conclusões o fato de que “camadas de incerteza estão se acumulando e interagindo para desequilibrar a vida de forma inédita.
Os últimos dois anos tiveram impacto devastador para bilhões de pessoas em todo o planeta, quando crises como a da COVID-19 e a guerra na Ucrânia se sucederam e interagiram com amplas transformações sociais e econômicas, mudanças planetárias perigosas e aumento acentuado da polarização” (grifos meus). E complementa: “em todas as partes do planeta, a pandemia, a polarização política e social, a crise alimentar e a emergência climática se instalaram e expuseram a vida humana a cadeias de instabilidade que se retroalimentam.
Muitos desses desafios se perfilam como manifestações preocupantes de um novo e emergente complexo de incertezas. Uma crescente sensação de insegurança se instalou e a capacidade de tomar decisões foi corroída”.
Não à toa as projeções de crescimento do PIB mundial, para 2023, estão aquém dos níveis alcançados anteriormente à pandemia, não sendo descartado, inclusive, recessão nos EUA e na Europa. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em seu último relatório, prevê crescimento da produção mundial em 2,2%, depois de ter projetado, ainda no início deste ano, 3,5%.
Todos sabemos que quedas nas taxas de crescimento econômico diminuem a produção e a geração de riquezas, piorando, inevitavelmente, a vida das populações mais pobres e carentes. Uma declaração importante: já em 2013, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, escreveu o Papa Francisco: “a economia mata quando produz exclusão e desigualdade social (grifos meus); quando descarta alimentos para manter certa política de preços, em vez de os colocar à disposição dos pobres; ou quando a competitividade no mercado é buscada mediante a supressão de postos de trabalho, deixando na insegurança os trabalhadores. A economia mata quando considera o próprio ser humano um bem de consumo usável e descartável; ou quando tem no seu centro o lucro e o acúmulo de bens, mesmo ao preço dos valores da justiça e da dignidade humana” (texto extraído do artigo do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo P. Scherer, publicado no Estadão dia 8 pp.).
Sem quaisquer dúvidas, esse cenário gera elevada carga de pessimismo quando se analisa a economia global e transmite, para todos, intranquilidade e insegurança, valendo destacar que um dos resultados esperados dessa situação é uma razoável queda no nível de crescimento chinês e, consequentemente, de queda nos preços dos “commodities”, com impactos negativos diretos para as exportações brasileiras.
Com relação ao Brasil, bem especificamente, é preciso observar que a crise interna, institucional, econômica, política, social, moral e ética alcançou níveis jamais imaginados, principalmente agora, no qual a parte mais corrupta das duas casas que compõem o Legislativo Federal Brasileiro assumiu o controle do “orçamento secreto” e tem mantido o Congresso Nacional como um balcão de negócios, distante cada vez mais das discussões de problemas que interessam à grande maioria da população brasileira. Tudo que é importante foi sendo postergado para ser discutido “sabe-se lá quando”.
E entre todos esses, há que se destacar a desigualdade (em todos os campos da atividade humana) e a concentração de renda, pois acredito que somente com o equacionamento desses problemas é que se criarão condições concretas para encaminhamento das demais soluções que, no médio prazo, poderão tirar o País da posição vexatória na qual se encontra atualmente.
Apenas como ilustração, alguns trechos publicados pela Oxfam Brasil, quando, agora em setembro, foram publicados os resultados de sua 4ª pesquisa de percepção (presencial junto a 2.564 pessoas), realizada em conjunto com o Datafolha: “A pesquisa revela uma tendência consolidada de percepção da sociedade brasileira sobre as desigualdades no país, inclusive quanto às diferenças de oportunidades e realidades vivenciadas por mulheres e homens, pessoas brancas e negras, e à necessidade de ação prioritária do Estado para a redução da distância entre ricos e pobres”. E complementa: “Tais percepções confirmam a expressão de uma sociedade que está vivendo a deterioração do quadro social e econômico do país, no qual mais de 33 milhões de brasileiros passam fome” (grifos meus).
Obviamente deverá fazer parte desse escopo principal – combate à desigualdade e à concentração de renda –, providências específicas para que se alcance, no mais curto espaço de tempo, maiores níveis de investimentos, público e privado, maior geração de empregos, inclusive formais, controle da inflação e equilíbrio das contas públicas. Todos sabemos que as principais reformas, necessárias e imprescindíveis, somente serão colocadas à discussão, de forma séria, a partir do momento em que o País tenha, pelo menos, equacionado o problema fiscal, estabilizado a economia e mantido o respeito às regras estabelecidas.
E se de fato, uma das formas de se diminuir a inflação de alimentos em todo o mundo é o aumento da oferta, o Brasil aparece como um dos principais protagonistas, desde que ações políticas nesse sentido sejam colocadas em prática. Melhoria no relacionamento com o exterior, incluindo-se aqui o Mercosul, o Mercado Comum Europeu e alguns dos principais parceiros comerciais, proteção do meio-ambiente, defesa intransigente da Democracia, da Constituição e das regras jurídicas estabelecidas e incentivo aos investimentos voltados à infraestrutura (logística e transporte são fundamentais), à tecnologia, à educação, à ciência e ao meio ambiente.
É fácil perceber, portanto, que esse novo governo precisará elaborar e aprovar uma agenda que extrapole os limites de seu tempo de mandato. Uma agenda de verdadeiro estadista, posto que irá trabalhar para o Brasil e não para sua reeleição. Sequer para o atendimento de interesses de grupos de pressão que, “aos montes”, vivem fazendo ‘politicagem da pior espécie’ em Brasília. Será fundamental, inclusive, que Congresso Nacional e sociedade civil, de uma forma geral, estejam igualmente convencidos para apoiarem e trilharem esse mesmo caminho.
Depreende-se que além de trabalho e criatividade, e sempre dentro dos limites constitucionais e do Estado Democrático de Direito, como é o desejo da grande maioria da população brasileira, esse novo governo precisará contar com extrema capacidade de negociação, posto que diversos interesses serão contrariados e um mínimo de pacificação política torna-se imprescindível.
Assim como é imprescindível provar que a Democracia funciona e que, além de ser a melhor forma de governo que se conhece até o momento, é o único capaz de produzir soluções sustentáveis. E quanto a isso não se pode retroceder um milímetro.
Sem radicalismos e discussões polarizadas, será fundamental manter a política ‘em funcionamento’, pois ao se compreender que a responsabilidade de qualquer cidadão em um regime democrático, vai muito além do exercício do voto, é que se percebe a necessidade da movimentação das forças democrátias no sentido de combater a ‘inevitabilidade’ de tendências e imposições indesejáveis, e buscar os objetivos que se colocam à frente.
As pessoas mais humildes e de menor poder aquisitivo, menos “ingênuas” e mais “conscientes” do que outrora, já perceberam isso e passaram a entender que mudanças em suas vidas, para o bem ou para o mal, dependem também de si mesmas.
Infelizmente ainda há uma grande parcela de brasileiros, geralmente aquela com melhores condições de vida e que pouco é afetada pela crise atual, que ainda não percebeu o gravíssimo momento atual. Mas é preciso muita atenção e compreender, inclusive, que o próximo ano será muito mais difícil do que este e o encaminhamento de soluções para os problemas que atingem os mais pobres e carentes será, ao final de tudo, essencial para se manter a paz e a estabilidade, fundamentais para que o País volte a crescer e se desenvolver.