Especialista em engenharia de tráfego fala sobre redução de acidentes para o Jornal da ABCR

Publicado em
13 de Abril de 2010
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Agência ABCR - No Brasil, aproximadamente 34 mil pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito. Qual seria, na sua avaliação, a principal iniciativa para diminuir essa estatística?

Sergio Ejzenberg - Os números reais são ainda piores, pois é sabido que a subnotificação é praga institucionalizada. Politicamente pode ser desinteressante investir para conhecer o índice real de mortos no trânsito, que pode revelar-se um verdadeiro atestado de incompetência. Para saber-se ao menos o tamanho do problema, passo primeiro para sua solução, o poder público (união, estados e municípios) deveria sujeitar-se a rotinas automáticas e confiáveis de registro de óbitos, com suas causas reais. A partir disso, a comparação dos índices de diferentes cidades e regiões, com acompanhamento e responsabilização imposta pelo Ministério Público e pela sociedade, agiriam como alavanca para forçar maiores investimentos em segurança do trânsito. Os índices básicos a serem utilizados seriam o número de mortos por ano por grupo de 10 mil veículos e o número de mortos por ano por grupo de 100 mil habitantes. Para rodovias, os índices comparativos são distintos das cidades, devendo ser adotado o índice de acidentes por milhão de quilômetros rodados.


Após conseguir sensibilizar a sociedade e mobilizar a justiça em defesa do direito à vida, os investimentos em segurança de trânsito poderiam ser maiores. Avançando um pouco mais, cadastros confiáveis agrupando acidentes por tipo - veículos leves (motocicletas em separado), veículos pesados, e atropelamentos, referenciados por horário e local, seriam a ferramenta de trabalho para atacar o problema onde ele ocorre. Equipes técnicas constituídas para estudar os acidentes e propor soluções (de engenharia, de educação e de fiscalização) completariam o quadro de resgate para diminuir a mortalidade no trânsito.


Agência ABCR - Considerando o contínuo aumento da frota de veículos, como o senhor avalia o processo de fiscalização sobre os condutores e seus veículos?


SE - A fiscalização eletrônica de excesso de velocidade e de desrespeito a semáforo é extremamente eficaz na redução de acidentes de trânsito. Isso não elimina a necessidade de agentes de trânsito, para coibir infrações de uso do sistema viário, e para autuar as infrações que não podem ser fiscalizadas eletronicamente. Sua presença nas vias garante ainda a operação segura do trânsito, remove veículos quebrados, destrava bloqueios de tráfego, identifica gargalos e focos de congestionamento, etc. Para contratar, treinar e manter essas equipes municipais, é preciso tempo e dinheiro.


E não se pode prescindir, ainda mais em rodovias, da atuação de agentes com poder e competência para fiscalizar as infrações de trânsito relativas aos condutores e seus veículos, sob pena de ver grassar a impunidade. A frota não licenciada de algumas cidades suplanta a frota regular. Isso deve ser visto como uma forma grave de desobediência civil.


Agência ABCR - A Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados aprovou no final de 2009 o parecer da deputada Rita Camata (PMDB-ES) sobre o projeto de lei 2.872/08, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que traz importantes modificações sobre infrações e penalidades, multas e sua destinação, uso de álcool por condutor e controle pelo bafômetro, entre outros aspectos. O senhor acredita que a modernização do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) pode ajudar a diminuir as estatísticas de morte no trânsito?


SE - Muitas das modificações propostas são bem-vindas, e constituem melhoria do Código de Trânsito. Porém, se o Código atual fosse cumprido do jeito que está, já seria excelente e produziria ótimos resultados. O problema não é tornar a lei mais severa (será que já não o é?). O problema é cumprir o que já está estabelecido. Não me consta que a reforma do CTB venha fazê-lo mais aplicado, mais respeitado, ou que venha a reduzir a impunidade.


Agência ABCR - Estudo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo revela que as curvas com falhas de projetos causam acidentes. Quais são os principais problemas apontados nesse estudo?


SE - Tive o privilégio de concluir esse estudo em julho de 2009, orientado pelo Prof. Dr. Hugo Pietrantonio. Trata-se de uma tese de mestrado intitulada "Os Veículos Pesados e a Segurança no Projeto das Curvas Horizontais de Rodovias e Vias de Trânsito Rápido". Em resumo, pode-se dizer que as curvas horizontais das rodovias concentram acidentes de trânsito. Os critérios consagrados de projeto geométrico das curvas ignoram a propensão dos veículos pesados ao tombamento lateral, além de não contemplarem suas necessidades específicas de atrito para evitar escorregamento e garantir trajetória segura. Foram estudadas as margens de segurança tanto contra o escorregamento e o tombamento lateral de veículos pesados (semi-reboques) em curvas horizontais com greide, considerando fatores de segurança intrínsecos e extrínsecos aos veículos, características geométricas longitudinais e transversais da pista, e a variação da trajetória do veículo dentro da curva. Os resultados obtidos demonstram que os atuais critérios de projeto de curvas de rodovias e de vias de trânsito rápido não garantem a segurança de semi-reboques, principalmente nas curvas de velocidade de projeto inferiores a 70 km/h. O critério desenvolvido permite o estabelecimento de margens de segurança para a regulamentação de velocidade específica para veículos pesados em curvas de vias existentes, bem como possibilita a determinação da velocidade de projeto segura para curvas de novas vias a serem construídas.


Agência ABCR - Como o senhor avalia a Resolução 340, do Contran, que modifica as categorias de limite de velocidade nas rodovias? Nos trechos onde há sinalização variável, conforme o modelo (carros, motos, caminhões e ônibus), haverá apenas a diferenciação entre veículos leves e pesados. O texto também mudou a categoria de alguns modelos, como as caminhonetes que passaram a ser consideradas leves e poderão trafegar com velocidade maior.


SE - A medida é correta e padroniza comportamento, fato que está associado ao aumento de segurança. Porém os diferentes veículos têm diferentes limites intrínsecos de estabilidade ao tombamento lateral, e agrupá-los deve exigir reflexão técnica sobre qual limite de velocidade deve ser regulamentado. Por exemplo, caminhões carregados são mais instáveis do que ônibus lotados. A velocidade dos ônibus deveria então ser reduzida de 90 km/h para 80 km/h para acompanhá-los numa regulamentação única. Existem estudo que mostra que rodotrens e bitrens carregados são instáveis a partir de 60 km/h, ao efetuarem simples manobra de mudança de faixa de tráfego em linha reta. O problema, ainda que menos acentuado, também existe para as caminhonetes, que não têm a mesma estabilidade lateral de automóveis. Será necessário cuidado, pois a regulamentação de velocidade excessiva sem embasamento técnico poderá minar as exíguas margens de segurança e acarretar acidentes, com responsabilização criminal e cível do órgão de trânsito responsável e da concessionária.


Agência ABCR - Como o senhor avalia a importância de usar os "Sistemas Inteligentes de Transporte" para reduzir acidentes e melhorar o tráfego nas rodovias?


SE - Sempre ocorrerão falhas mecânicas em veículos e acidentes de trânsito, mesmo após todo o esforço possível de engenharia, fiscalização e educação de trânsito. As conseqüência desses eventos - congestionamento e vítimas - podem e devem ser controladas e minimizadas. Assim, não se pode conceber a operação segura e eficiente de uma rodovia sem dispor de sistemas inteligentes para operação de trânsito, contando com os usuais dispositivos de visualização (CFTV) e informação (painéis de mensagens variáveis). Não se pode prescindir dos menos conhecidos, mas também indispensáveis dispositivos automáticos de detecção de anormalidades e incidentes (contadores de fluxo veicular, laços virtuais). Essas ferramentas, conectadas a uma central de informação, com comunicação direta e operacionalmente desimpedida com equipes de fiscalização, operação, bombeiros, polícia, emergência médica, sinalização, e controle ambiental, permitem reduzir as conseqüências dos acidentes.

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