Encomendas no sistema postal brasileiro, por Fernando Trizolini*

Publicado em
24 de Maio de 2012
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Diferentemente do que vem ocorrendo em bases globais, onde cada vez mais se flexibiliza o regime jurídico da indústria postal, de modo a se permitir uma maior competitividade no setor, no Brasil a questão ainda caminha a passos lentos.

Um suspiro de esperança nesse sentido seria o julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46, ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed). Ali se questionava a constitucionalidade do monopólio de serviços postais instituído pela Lei nº 6.538, de 1978, sob o pálio de não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Todavia, o julgamento criou na verdade uma nova controvérsia. É que muito embora a ADPF tenha sido julgada improcedente, por maioria de votos, é fato que na prática não solucionou o dilema acerca do conceito de encomenda.

Perde-se, assim, a oportunidade de definir se encomendas e impressos, dentre outras figuras, estão englobados pelo privilégio postal concedido aos Correios pela União Federal.

De acordo com o tipo penal estabelecido no artigo 42 da Lei nº 6.538, de 1978, é violação de privilégio postal coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas.

O artigo 9º, ao qual fica restrita a aplicação do tipo penal previsto na lei nos termos da decisão do Supremo, descreve como regime de monopólio as atividades postais descritas nos incisos I, II e III da norma, as quais não abarcam os conceitos de encomendas, boletos, jornais, periódicos e impressos, dentre outros.

Nesse aspecto, a interpretação óbvia é que os ministros preferiram não estabelecer tal regime de exclusividade ou privilégio postal, em especial quando se trata da entrega de encomenda ou impressos, tais quais conceituados pelo artigo 47 da norma. Vale frisar que é inserido no conceito de encomenda todo objeto, com ou sem valor mercantil, encaminhado por via postal.

Nem todo serviço postal é concedido no regime de exclusividade

O conceito de carta, por sua vez, refere-se a objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.

Obviamente, objetos como um cartão de crédito, um fogão ou mesmo uma conta de luz não possuem informação de interesse específico, já que se trata do envio de caráter mercantil e não a prestação de uma informação, portanto, jamais seria conceituado como carta.

Aliás, se assim não fosse, o envio de um boleto bancário por meio eletrônico também seria visto como quebra do privilégio postal. Trata-se de algo evidentemente incontornável, e seria uma verdadeira ingenuidade esperar que a entrega de um boleto por e-mail fosse vedada a terceiros, até porque os Correios sequer têm estrutura ou lastro para centralizar tais informações eletrônicas.

De fato, nem todo o serviço postal é concedido no regime de exclusividade aos Correios. Contudo, a empresa pública tem adotado, sem nenhuma cautela, o entendimento de que com o julgamento da ADPF nº 46 toda e qualquer encomenda, entrega de objeto, impressos, contas, entre outros, estaria abarcada no conceito de carta e, portanto, sujeita ao regime de exclusividade postal, nos termos do artigo 9º da Lei nº 6.538.

É necessário desmistificar tal argumento. O Supremo julgou improcedente a ADPF nº 46, considerando que pairavam sérias dúvidas sobre a pertinência e recepção da norma num contexto de livre concorrência.

Agora, esperar que com o julgamento da questão pelo Supremo seja autorizada uma verdadeira "caça às bruxas" a todas as empresas terceirizadas de entrega de mercadorias, ou mesmo às suas contratantes, é simplificar o julgado.

Parece bastante óbvio que o Supremo não autorizou a extensão do regime de exclusividade (ou privilégio) dos Correios às encomendas comerciais, entrega de contas, boletos, impressos etc.

Se fosse assim, o teria feito expressamente, e não determinado em dispositivo de acórdão que o artigo 47 do diploma legal fosse interpretado conforme o artigo 9º da mesma norma. Ou seja, não teria limitado a exclusividade aos conceitos da norma, que não contém a expressão "encomenda".

O que não se pode permitir é que eventuais brechas existentes no julgado da ADPF nº 46 pelo Supremo, supostamente propositais, sejam pretexto para que os Correios venham pleitear no Judiciário, em verdadeiro ato de ameaça, que toda e qualquer operação comercial de entrega de encomenda fique adstrita ao sistema de privilégio ou exclusividade.

O reconhecimento da extensão plena do conceito de monopólio criaria um verdadeiro caos no sistema postal brasileiro, inviabilizando a existência de empresas e atingindo por tabela, milhares de empregos diretos e indiretos país afora.

Fernando Trizolini sócio de Vinhas e Redenschi Advogados

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