Empresas devem criar códigos de ética para se blindar de lei anticorrupção

Publicado em
30 de Janeiro de 2017
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A nova lei anticorrupção brasileira trouxe apreensão entre os empresários brasileiros por determinar a responsabilidade objetiva da empresa quando seus funcionários estiverem envolvidos. Ou seja, pela nova regra, se o funcionário for pego em atos de corrupção, a empresa é punida mesmo sem a comprovação de que tinha conhecimento do que estava acontecendo. Além da multa, que pode chegar a até 20% do faturamento bruto do ano anterior, a empresa passa a fazer parte de uma “lista suja”, impedida de firmar contratos públicos.

Especialistas ouvidos pelo iG alertam para a importância da criação de uma política interna de compliance por cada empresa para prevenir ou atenuar os efeitos da lei. Compliance é um termo em inglês que significa manter um procedimento para assegurar a criação e cumprimento das normas reguladoras de determinado setor. E quanto maior for a empresa, e quanto maior a quantidade de contratos públicos ela praticar, mais importante é a criação de um departamento específico, que crie um código de ética e acompanhe as atividades da companhia, avaliando riscos e atualizando normas de conduta.

“Se a lei passasse sem a responsabilidade objetiva, ela seria inócua. A empresa apenas demitiria o funcionário, diria ao juiz que ele não cumpriu o código de ética, e estaria livre. O funcionário faria o que quiser”, explica o advogado Luiz Lara, especialista em Direito Empresarial e sócio do escritório PLKC Advogados. “Um programa de compliance não apenas previne problemas, mas também faz com que a empresa, caso haja algum ato ilícito, possa atenuar as penalidades. Se a empresa comprovar para as autoridades que ela tem um processo rígido de controle, ainda que tenha havido um ato de corrupção, ela consegue reduzir a penalidade.”

A advogada Sylvia Urquiza, sócia do escritório Urquiza, Pimentel e Fonti advogados, alerta para a necessidade de cada empresa construir seu próprio programa de compliance, que se adeque verdadeiramente às necessidades da companhia. “Às vezes a empresa importa um programa de compliance que pode não ser adequado, ou pesado demais, ou ineficiente. É preciso começar pelo começo, entendendo o que é a empresa, as atividades, quais são os momentos de interação com poder público”, explica. “Depois de feito a análise de risco e, então, a criação de um programa adequado de compliance, a empresa precisa investir em treinamento. O próprio corpo diretor precisa estar imbuído e passar ativamente o código para seus funcionários”, aconselha.

Sylvia diz que a não a aplicação de programas inadequados de compliance – como a simples importação de códigos de conduta de associações, por exemplo, é fruto de uma resistência “cultural” de regras que impõe obrigações às empresas. “É preciso contratar gente especializada, para sanar as necessidades reais da empresa e entender que, no compliance, se há fumaça, você precisa ver se há fogo”, diz. Ela enfatiza que as regras de conduta são saudáveis e podem melhorar o mercado. “Ela traz para o setor privado a capacidade de fiscalização. Ela reconhece uma ineficiência do Estado e repassa para o setor privado a responsabilidade de se autofiscalizar.”

Lara, responsável pela implantação de um dos primeiros programas de Compliance no Brasil feito pela Monsanto, a resistência é maior entre as pequenas e médias empresas. “O brasileiro médio tende a pensar que novas leis não vão pegar. As grandes empresas, por força de exposição a outras legislações, como as normas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), elas estão habituadas a essa maior visibilidade, maior acompanhamento do Ministério Público (MP), e elas se adequam mais à legislação”, diz.

A lei 12.846/2013 foi aprovada em agosto do ano passado, e é resultado da participação do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que pressionou os seus membros a endurecer a legislação anticorrupção para as empresas. Ela é espelhada nas legislações do Reino Unido e dos Estados Unidos (EUA). A lei norte-americana, mas dura, prevê até prisão para o presidente da empresa, explica Lara. “A lei brasileira, a exemplo da norte-americana, também pune os atos de empresas brasileiras no exterior. Se um funcionário de uma empresa brasileira corromper um agente público na Indonésia, ela também está sujeita à pena.”

Falhas e regulamentação

Lara alerta que, como a lei pode ser aplicada nas esferas municipal, estadual e federal, a falta de regulamentação pode trazer confusão e exige cautela dos advogados das companhias. “Quando você tem um universo tão vasto de regulamentações, debaixo de uma lei apenas, o risco é de você ter uma diversidade muito grande de interpretações da lei, de aplicação da lei. Isso cria um risco de que nos primeiros anos de aplicação da lei, a interpretação do que pode ou no que não pode ser feito, seja confuso e traga contradições”, explica.

Sylvia alerta que a falta de determinação exata de quanto seria a redução da multa em acordos de leniência, previsto na lei em “até dois terços” da pena, não dá “nenhuma segurança”. “Não está muito claro na lei, do que a empresa que quer participar de um acordo de leniência deve fazer, como ela deve se comportar. A definição do quanto de multa vai ser aplicado na leniência é imprescindível até para fomentar a denúncia”, diz.

Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 - Principais pontos
Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. As empresas passam a responder pelos atos de seus funcionários envolvidos em episódios de corrupção. Além da empresa, também responderão criminalmente pelo episódio os funcionários envolvidos, e seus superiores, caso a culpa for comprovada.
Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Mesmo se a empresa for vendida ou fundida com outra companhia, a condenação persiste e a multa deve ser assumida pela nova empresa constituída. 
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: A empresa que procurar o poder público para denunciar um esquema do qual participou fica livre das punições, contanto que cumpra o acordo de detalhar o ato e outros itens previstos na lei.
Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei. A lei cria uma lista de empresas punidas por corrupção, e então impedidas de firmarem contrato com serviço público.
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