Geralmente, em épocas de “final e início de ano”, são muitos os textos, palestras e conferências para falar sobre a economia do momento e as perspectivas para o ano que se inicia. Porém, considerando que dentro de alguns dias, nós brasileiros, teremos que eleger o próximo presidente da República, resolvi escrever um texto “pré-eleitoral”.
Nesta campanha, já em seu segundo turno, são diversos os pronunciamentos de candidatos e especialistas que defendem maior liberdade econômica como forma de se permitir que o mercado, independente, sem intervenções e com base em suas próprias leis, crie as condições necessárias para que as “tarefas econômicas” sejam desenvolvidas de forma eficiente. E aí estão algumas de minhas principais preocupações, pois além do otimismo exagerado (1), há uma inversão assustadora de valores, posto que aquilo que era para ser meio, está se transformando em “um fim em si mesmo”.
Ao não se compreender que a economia é uma ciência social (2), o mais fácil para qualquer governo é atuar apenas como chefe de tesouraria, cujo principal compromisso - equilibrio das finanças públicas – se faz com aumento de impostos e corte de gastos. A receita é a de sempre e prescrita de forma incorreta e totalmente autoritária, uma vez que dispensa quaisquer consultas ou análises técnicas mais detalhadas, sejam elas sob o ponto de vista político ou econômico. Dessa forma, parte da sociedade, geralmente a mais pobre, e determinados setores produtivos, aqueles menos influentes, são mais afetados do que os outros.
É em parte por essas razões que a política tributária, por exemplo, transformou-se em instrumento que contribui diretamante para o aumento da injustiça social (3). O noticiário atual é abundante também, em informações que demonstram como são cortados os gastos com saúde, educação e segurança pública, bem como são diminuídos os recursos destinados aos programas sociais, inclusive, aqueles voltados à geração de empregos, como forma de se manter, intocáveis, os chamados ‘orçamentos secretos’ e os privilégios das ‘classes especiais’ de funcionários públicos e/ou empresariais.
Como se constata, o próprio executivo brasileiro, ao invés de promover discussões sérias a respeito do tamanho do Estado, considerando as circunstâncias nacionais, ele apenas se limita a propor reformas para manter o “status quo” (a reforma da previdência foi um bom exemplo) e diminuir as atuações do executivo nas atividades voltadas às populações mais pobres. A desestruturação das políticas sociais existentes, realizada neste governo, ilustram sobremaneira como os serviços públicos foram precarizados. E isto em um País no qual a prestação desses serviços, tais como saúde, educação, segurança e infraestrutura, são essenciais para a sobrevivência de quase todos os brasileiros.
Há que se comprender que, mesmo de forma precária, a prestação desses tipos de serviços, oriundos de um conjunto de políticas públicas e sociais conquistado ao longo de muita luta, é imprescindível para que o Brasil busque o caminho da paz e da estabilidade, fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento econômicos.
Entre suas diversas atribuições há que se compreender, inclusive, que o Ministério da Economia não pode transformar a execução do orçamento público, no qual o equilíbrio das finanças é desejável, em “um fim em si mesmo”. Aliás, a pandemia mostrou o quão importante foi a participação e a interferência do Estado na economia, mesmo que em detrimento do próprio equilíbrio fiscal. Combater uma pandemia, como a da Covid, deve ter prioridade, sem dúvida. Assim como o combate à miséria e à fome, que já há algum tempo vem ‘aterrorizando’ parcela significativa da população brasileira.
Na retomada das atividades no início de ano de 2023, portanto, e já com um novo governo, muitas serão as demandas e diversos serão os temas a serem discutidos e enfrentados, tendo o combate à desigualdade e à concentração de renda como prioridades. As reformas administrativa e tributária, sem dúvida, deverão fazer parte do ‘cardápio’, posto que muitos desses problemas tem origem na forma incorreta e injusta de como cobramos impostos e de como estruturamos a máquina pública. Mas é fundamental não esquecer que essas reformas precisam ter como objetivo, uma urgente aceleração no processo de geração de empregos e a melhoria das condições de vida dos mais necessitados.
Como já escrevi outras vezes, “não é possível acreditar que em um País no qual os índices de concentração de renda e de desigualdade só aumentam, o desequilíbrio fiscal e a consequente destruição da capacidade de investimentos do governo se deu por conta dos mais pobres e desempregados”. Se é claro que o crescimento econômico se dá pelo aumento do investimento e/ou do consumo, a geração de empregos é imprescindível. Como disse o professor da Fundação Armando Álvares Penteado e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, em entrevista dada ao jornalista Douglas Gavras (Estadão de 07/12/19): “O Brasil precisa de uma dose de liberalismo, mas não se pode fazer isso sem considerar o enorme número de desempregados e de pobres (grifos meus). Esse tipo de insensibilidade é justamente o que alimenta as manifestações. Não é liberalismo, mas cegueira para o lado social (grifos meus)”.
Administrar um Estado, em qualquer regime, é muito diferente e muitíssimo mais complexo do que administrar uma empresa. É papel para Estadistas, como escrevi em meu último artigo (4). A “ditadura financeira” que se institucionalizou no País, com a concordância de grande parte da classe política, da imprensa especializada, do empresariado brasileiro, de economistas, executivos, empresários e empreendedores, apenas tem servido para privilegiar o controle do caixa e aqueles diretamente beneficiados por isso, em detrimento da vida do brasileiro. Simplesmente lamentável!
Já há algum tempo é reconhecida a necessidade de se requalificar os trabalhadores para o novo momento que se avizinha, bem como a importância de participação das empresas nesse processo, sob pena de se aumentar ainda mais o número de pessoas sujeitas à desocupação, à subutilização e ao desalento. E ninguém quer isso, pois além do problema econômico gerado – como a baixa produtividade e a diminuição do consumo, por exemplo -, é desejável que se diminuam os níveis de insatisfação e descontentamento que caracterizam sociedades nas quais o desemprego e concentração de renda sejam altos. É evidente que quando isso ocorre questionam-se cada vez mais o sistema capitalista e a própria Democracia, tornando tudo mais difícil.
Embora repetitivo, é preciso insistir: processos contínuos de concentração de renda e de aumento da desigualdade, geram desesperança com a política, desconfiança com relação às instituições existentes, deterioração do contrato social e do próprio regime democrático. Campo fértil para demagogos e populistas.
Não há dúvidas que esses temas, assim como os impactos gerados pela tecnologia (5) e as mudanças climáticas, para pior, manterão os movimentos sociais bastante ativos e estimularão a busca por soluções inovadoras, mas que testarão, de forma contundente, a geopolítica mundial e as sociedades que ainda não perceberem esse novo momento.
Portanto, com todas as suas virtudes e defeitos, somente a Democracia e o Estado de Direito podem garantir a participação dos cidadãos nos processos políticos, nos quais suas vontades, de uma ou outra forma, poderão ser expressadas. Além de fundamentais para a manutenção de um regime que busca, ininterruptamente, o bem estar de todos, e não apenas de uma minoria de privilegiados.
A Democracia e o Estado de Direito, como não podia ser diferente, exigem respeito às leis, à Constituição e total transparência das atividades governamentais, posto que são características inequívocas de uma sociedade que quer combater a corrupção, a arbitrariedade e a desigualdade. E é isso que os eleitores brasileiros precisam ter em mente no próximo dia 30. Não são eleições para que se escolha entre a direita, o centro ou a esquerda. São eleições que, além de respeitar a vontade dos cidadãos, irão definir se o Brasil quer ou não trilhar o caminho da democracia, da liberdade, da independência, da justiça social, do combate às desigualdades e da proteção ao meio ambiente.
(1) “Entretanto, infeliz e estranhamente, nesse tipo de análise econômica, ninguém se atreve a comentar a respeito de alguns dos principais indicadores sociais, que também econômicos, afetam a (má) qualidade de vida da grande maioria do povo brasileiro. Indicadores de desemprego, sub-emprego, concentração de renda, aumento de desigualdade, falta de saneamento básico e de segurança, precariedade da saúde e da educação e aumento progressivo da violência, embora “ligeiramente” citados, não fazem parte das análises desses especialistas. Muito pelo contrário, pois o que fica implícito na maioria desses pronunciamentos é o pressuposto de que a população brasileira, mesmo vivendo nesse verdadeiro caos, continuará ordeira, pacífica e, mesmo sem trabalhar, realizará as “compras” necessárias para fazer com que a “economia cresça”;
(2) “Compreender a ciência econômica em sua essência, sempre foi indispensável. Agora mais do que nunca” foi o título de meu artigo publicado no site do Guia do TRC dia 10/08/22;
(3) Nosso próprio sistema tributário também é injusto e concentrador de renda. Considerado o 184º pior dentre 190 países pesquisados pelo Banco Mundial, a arrecadação se dá basicamente sobre o Consumo, equivalente a 54,5% do total arrecadado. Em seguida vem a Renda, com 20,8%, a Previdência, com 20,3% e a Propriedade, com 4,4%. Os dados são relativos a 2015. As informações são do Ministério de Economia e foram compiladas em trabalho apresentado pelo economista e ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly (“Reengenharia Tecnológica Tributária”) e que serviu de base para a elaboração da PEC 110/2019 em tramitação no Senado.
Depreende-se desse relatório, dois outros pontos importantes: 1º) como o principal item arrecadatório é o Consumo, a carga tributária recai principalmente sobre os mais pobres, posto que são eles que gastam quase que toda a renda em bens de consumo. Segundo dados apresentados, aqueles que ganham até dois salários mínimos comprometem 54% de suas rendas com tributos, enquanto aqueles com trinta salários, somente 29%; 2º) a carga tributária brasileira não é a mais alta como se apregoa. Na Dinamarca a carga tributária equivale a 44,8% do PIB dinamarques, na França, equivale a 45,2%, no Reino Unido, 32,5%, na média dos países da OCDE, 34%, nos EUA, 26,2% e no Brasil, 32,9%;
Como escreveu o advogado e especialista em Direito da Economia pela FGV Márcio Calvet Neves (Posfácio do livro de Eduardo Moreira, engenheiro e economista, fundador da Brasil Plural e da Genial Investimentos, “Desilgualdade & caminhos para uma sociedade mais justa”, publicado pela Civilização Brasileira em 2019), ao comentar sobre planejamento tributário, “toda a legislação (sobre tributos) é feita para privilegiar quem detém patrimônio, em detrimento daqueles cuja renda apenas se destina ao sustento e cumprimento das obrigações básicas”. E conclui: “os exemplos (sobre tributação injusta e incorreta) são incontáveis e apenas ilustram um arcabouço jurídico cuja matriz ideológica é a perpetuação da exploração dos mais pobres pelos mais ricos”;
“O Brasil possui uma das cargas tributárias sobre renda, lucro e ganho de capital mais baixas do mundo, ao mesmo tempo que sua carga sobre bens e serviços está entre as maiores do planeta. Tal discrepância é a principal responsável pela perpetuação da desigualdade, origem de todos os problemas sociais que o país enfrenta”, escreveu Eduardo Moreira em livro aqui já citado;
(4) “Essencial para o Brasil, uma agenda de Estadistas” – artigo de minha autoria publicado no site da Logweb dia 20 pp.;
(5) “O fato é que, com o avanço da tecnologia e com as tarefas desempenhadas pelos trabalhadores divididas em diversas etapas, os donos dos meios de produção puderam aos poucos ir substituindo as etapas mais simples e repetitivas pelas máquinas. E aí, aos trabalhadores que eram responsáveis por essas etapas só restou a opção de aceitar ganhar menos e se tornar responsável (com sorte) por alguma outra etapa mais simples do processo produtivo, que a tecnologia ainda não fora capaz de substituir por uma máquina”, escreveu Eduardo Moreira em livro aqui já citado.