Economistas descartam reação mais forte do setor industrial no curto prazo

Publicado em
07 de Julho de 2014
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A indústria brasileira é diversificada e conta com mercados local e regional importantes, mas precisa encarar desafios bem mais amplos se quiser retomar um crescimento robusto, dizem economistas ouvidos pelo Valor. A percepção é que há uma tensão entre o curto e o médio prazo e que a necessidade de estimular atividades econômicas que têm impactos mais gerais e imediatos sobre a economia - como é o caso da indústria automobilística e da construção civil - encobre a preocupação com setores considerados mais promissores.

Após a terceira queda consecutiva no ano - de 0,6% em maio na comparação com o mês anterior, na série com ajustes sazonais - uma reação mais forte está fora de um horizonte de curto prazo. Diferentemente de outros países, no entanto, a retomada, quando se der, partirá de um nível já bastante avançado. "Não estamos falando de montagem de uma indústria, mas de sofisticação de base industrial já existente. Não é sair do zero, como é o caso da Índia que está tentando criar setores que não tem", diz Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB).

O parque industrial diversificado, complexo e geograficamente bem distribuído indica que há saída para o setor, cuja competitividade é minada por obstáculos importantes internos - como a guerra fiscal entre Estados e o enorme atraso em infraestrutura -, além de entraves externos, como o excedente produtivo do resto do mundo a pressionar o mercado brasileiro, diz Nelson Rocha Augusto, economista-chefe e presidente do Banco Ribeirão Preto.

Augusto critica alguns mecanismos adotados recentemente, como taxas de juros mais baixas voltadas para o investimento no setor produtivo, pouco eficazes e responsáveis por grande custo ao Tesouro, em sua avaliação. "A decisão de investimento não é função de preço do dinheiro, mas da taxa interna de retorno esperada para aquele setor. Juro baixo estimula, mas não é fator de decisão", diz o economista. Como exemplo, Augusto lembra que a indústria que oferece equipamentos para o setor sucroalcooleiro registra hoje ociosidade de 70% e não investe, mesmo com os juros baixos, pois não tem perspectiva de retorno.

Aloisio Campelo, superintendente adjunto de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que boa parte da indústria local tem condições de competir com o produto importado. "Mas olhando os meus indicadores de médio prazo, vai demorar um pouquinho para voltarmos aos níveis de confiança que tínhamos até o início de 2011", diz.

Segundo Campelo, medidas como a desoneração da folha de salários são bem-vindas - ainda mais se atingissem todos os segmentos da indústria. Um quadro benigno mais duradouro, no entanto, exige a aceleração de investimentos em infraestrutura, o incremento de alguns programas de inovação tecnológica já existentes e uma reforma tributária mais complexa.

Arbache nada um pouco contra a corrente ao ressaltar que a preocupação central em relação a políticas que eventualmente reduzam os altos custos que envolvem a atividade no país (especialmente mão de obra, insumos e infraestrutura) não basta. Para ele, a agenda do "custo Brasil" é obviamente importante, mas está muito aquém do necessário para "redinamizar" a indústria. "Nossos custos são tão relativamente elevados que, ainda que eles caiam, a indústria terá problemas de competitividade".

Na avaliação de Arbache, políticas industriais como as medidas de incentivo adotadas nos últimos anos pertencem ao "século passado", ao produzir poucos resultados em uma perspectiva global em que os mercados se integram, a indústria e os serviços têm uma relação cada vez mais simbiótica e o conhecimento é que gera competição. "Nos EUA, quem mais investe em tecnologia de serviços é a indústria. Só que o grau de sofisticação deles é tão elevado que a maior empresa de serviços, o Google, investe cada vez mais em bens industriais, como carros e óculos", diz. "É uma simbiose e pensar em indústria em detrimento de serviços é voltar ao século XX".

Considerando o estágio da competição internacional, diz Arbache, as possibilidades mais promissoras estão em nichos específicos em setores de mais alto valor agregado. Para ele, o foco brasileiro deveria ser a industrialização de toda a cadeia de produção que sustente vantagens comparativas, como a agricultura e a extração mineral, de modo a desenvolver tecnologias ainda não dominadas e que possam se espalhar para outras indústrias.

Esse seria o grande objetivo de um sistema como o pré-sal, diz ele, criando possibilidade de inserção do Brasil na economia mundial de forma muito mais promissora, rica e sofisticada. "A produção de petróleo é só uma motivação, jamais deveria ser vista como um fim em si mesmo. E a mesma coisa vale para a produção de soja, milho, carne, minérios", afirma Arbache, para quem mais preocupante do que o declínio da importância da indústria na economia brasileira é a perda de sua densidade - a qualidade daquilo que ela produz.

Augusto, do Banco Ribeirão Preto, vê perda de peso relativo da indústria na economia, mas não um processo de desindustrialização. "Não dá para dizer que nos últimos anos a indústria reduziu a sua capacidade de produção. Produzimos mais do que na década de 80", afirma. Hoje, diz, a palavra-chave é competitividade, algo que alguns setores - como o alimentício, por exemplo - conseguiram alcançar.

Economistas veem PIB crescendo menos e indústria em queda no Brasil em 2014 (Reuters)

Pela sexta semana seguida, economistas de instituições financeiras reduziram suas previsões de expansão da economia brasileira neste ano, vendo queda ainda maior da indústria, mas ainda insuficientes para aliviarem a pressão sobre a inflação.

O Produto Interno Bruto (PIB) do país deve crescer apenas 1,07 por cento em 2014, expansão inferior ao avanço de 1,10 por cento previstos até então pela mediana dos especialistas consultados, mostrou a pesquisa semanal Focus do Banco Central nesta segunda-feira.

O cenário para a produção industrial é ainda pior, com expectativas de contração de 0,67 por cento neste ano, ante queda de 0,14 por cento. Na semana passada, foi divulgado que a produção industrial do Brasil recuou 0,6 por cento em maio, terceiro mês seguido de resultado negativo e mais uma vez com fraqueza dos investimentos.

Para 2015, a pesquisa Focus mostrou que a mediana das estimativas não mudou sobre a expansão do PIB, a 1,50 por cento, mas também houve redução para a produção industrial, com crescimento de 2,10 por cento, ante 2,20 por cento. Em 2013, o PIB brasileiro cresceu 2,5 por cento.

Nem mesmo a esperada perda de força na atividade foi suficiente para aliviar as expectativas sobre a inflação, com os economistas mantendo a previsão de que o IPCA fechará este ano e 2015 com alta de 6,46 e 6,10 por cento, respectivamente.

Ambos os casos estão próximos ao teto da meta do governo, de 4,5 por cento, com margem de 2 pontos percentuais para mais ou menos.

O próprio BC projeta uma alta de 6,4 por cento do IPCA neste ano, ao mesmo tempo em que calcula chances praticamente iguais de a inflação estourar ou não o teto da meta. Entre outros fatores, o que tem pesado nas contas da autoridade monetária são os preços administrados. 
Pelo Focus, as projeções são de que esses preços vão subir 5,10 por cento neste ano e 7 por cento no próximo. Nos dois casos, os economistas pioraram suas visões, que viam alta de 5 e 6,75 por cento antes, respectivamente.

Para os próximos 12 meses, a estimativa de alta do IPCA pelo Focus recuou ligeiramente neste ano, a 5,89 por cento, frente a 5,91 por cento. O IBGE divulga na terça-feira o IPCA de junho. O índice vem mostrando desaceleração nas leituras mensais, mas em 12 meses ainda se mantém próximo do teto da meta oficial.

Na semana passada, o presidente do BC, Alexandre Tombini, afirmou que a inflação deve convergir para a meta se as condições monetárias forem mantidas, e que deflação nos índices gerais de preços tende a se refletir com mais intensidade nos preços ao consumidor.

Com isso, sinalizou mais uma vez que a Selic não deve subir tão cedo, expectativa corroborada pelo Focus, cuja mediana é de que ela termine o ano no atual nível de 11 por cento. Para o final de 2015, as contas também não mudaram, com a taxa básica de juros a 12 por cento.

Um novo ciclo de aperto monetário somente começaria em janeiro de 2015, com alta de 0,25 ponto percentual, sem alteração sobre a semana anterior, mostrou o Focus. 

 

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