*Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes
Enquanto a maioria dos economistas, principalmente os independentes, propõem políticas voltadas à retomada do crescimento econômico, ao aprofundamento das reformas e um compromisso com o equilíbrio das contas públicas, nosso governo sem qualquer plano ou ideia do que fazer, tem cada vez maiores dificuldades para tirar o Brasil da crise atual e que já dura tempo demais.
Parece óbvio que as reformas “essenciais” – escrevi a respeito em meus últimos quatro artigos aqui publicados (1) – deveriam se concentrar na busca de maior eficiência da máquina estatal, no equilíbrio das finanças públicas, na diminuição do endividamento público, na eficácia das políticas sociais (2) e na diminuição da desigualdade e da pobreza.
Além de não se movimentar nessa direção (na verdade, muito pelo contrário), o governo federal, em face de sua real e concreta incapacidade, inércia e confuso e estrambelhado jeito de administrar (3), nada produziu para que se buscasse ou se estimulasse, de forma efetiva, a geração de empregos e rendas com a velocidade e a quantidade exigidas. Consequência? Será imprescindível, no curto prazo, manter o programa de auxílio emergencial, pois o número de pessoas sem emprego e renda tem aumentado. E muito!
Embora muitos duvidem, a prorrogação do auxílio emergencial é necessária e possível, desde que haja real empenho para a realização das “benditas” reformas. Ou ‘essenciais’, como as tenho chamado. Há onde e como buscar recursos, desde que providências sejam tomadas! Vale salientar: mesmo sabendo-se que os resultados das reformas somente virão a médio e longo prazos - a sociedade e o mercado, como um todo, tem consciência disso -, o importante é que elas sejam aprovadas e colocadas em andamento. Como ocorre com a Reforma da Previdência, que segundo dados do INSS e da Secretaria da Previdência, analise feita até o mês de setembro deste ano, já economizou R$ 8,5 bilhões (em reais de 2019), quando o previsão era de R$ 3,5 bilhões.
Corroborando com o que aqui está escrito, o economista Affonso Celso Pastore (4), mostra que o equacionamento desse dilema – manter ou não o auxílio emergencial -, está na obrigatoriedade de se fazer um concreto e real corte nos gastos públicos, possível caso as reformas sejam realizadas! Ainda, segundo Pastore, é essencial “deixar de gastar com benefícios a servidores e subsídios ineficientes para que sobrem recursos. Para isso, é preciso que as reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, saiam do papel. Mas o seu grande temor é que nada disso aconteça – e, pelo contrário, o governo simplesmente eleve os gastos, por conta das pressões que devem vir no ano que vem”.
É preciso salientar para os mais incautos, que sob os pontos de vista social e político, será significativo o impacto negativo – e por que não perigoso - caso não se encontre uma solução para a manutenção do programa emergencial de transferências de rendas para os mais necessitados. Inclusive sob o ponto de vista econômico, considerando que os índices de queda da produção em 2020 não serão piores do que o esperado em face de um consumo suportado pela renda gerada pelo referido programa (5).
Mas deve ser lembrado que a simples manutenção de gastos sem propostas claras para encaminhamento dos problemas de finanças públicas que advirão, e insista-se, as reformas fazem parte desse encaminhamento, mesmo no curto prazo poderá haver aumento da inflação (6) e consequente ‘puxada’ da taxa de juros para cima (7). Não é novidade que as cotações dos papéis públicos lançados para o futuro já vem incorporando taxas de juros maiores, assim como a valorização do dólar perante o real tem sido acelerada, numa demonstração objetiva de que o mercado também está assumindo problemas econômicos imediatos.
Não há dúvidas de que a pandemia gerou – e ainda deverá gerar – perdas para toda a sociedade. De uma forma ou de outra, todos seremos afetados, pessoas físicas ou jurídicas, setores público ou privado. Além das mortes e das internações (8), segundo meu entendimento o mais lamentável de tudo, alguns indicadores macroeconômicos brasileiros (9), tais como a evolução do PIB, desemprego, pobreza e aumento da dívida bruta pública, continuarão ruins por algum tempo, não somente quando comparados com índices anteriores, mas também quando comparados com as médias de diversos outros países (10).
É evidente que o Brasil, em alguns quesitos particulares, deixa muito mais a desejar. Segundo o IBGE, por exemplo, já em 2019 o número de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza (renda mensal per capita de R$ 436,00) e na extrema pobreza (renda mensal per capita de R$ 151,00) eram significativamente altos. Respectivamente, 51,7 milhões de pessoas (24,7% da população brasileira) e 13,7 milhões de pessoas (6,5% da população brasileira). Em 2020, mesmo com o auxílio emergencial em pleno vigor, a manutenção desse ‘desastre social’ já foi contratada (11). Para 2021 as apostas são de que nada será alterado de forma profunda e necessária.
No dia 02/10/20, o jornalista Fernando Gabeira escreveu um artigo no Estadão intitulado “O que o Brasil precisa, os economistas do governo não conseguem oferecer”. E para concluir, ao citar o presidente Bolsonaro e seu ministro da economia Paulo Guedes, escreveu Gabeira: “estão perdidos no seu labirinto”, pois “é preciso um plano de retomada com os olhos no futuro e envolvimento social. Isso não virá desse governo. Vamos aos trancos e barrancos encarar uma longa crise”.
Gabeira está corretíssimo e, aproveito aqui, para citar também o comentário da colunista e analista de assuntos políticos do Estadão, Rosângela Bittar (04/11/20): “admitido para ser contraponto e conselheiro técnico do desaparelhado presidente Jair Bolsonaro, Guedes (o ministro) se fundiu a ele e se perdeu junto”. “Em menos de dois anos incorporou o raciocínio confuso, a linguagem agressiva, a interpretação distorcida da realidade e até os trejeitos do chefe. Tornou-se sua alma gêmea”.
Em entrevista ao Estadão, no último dia 18, respondeu o ex-ministro e professor Rubens Ricúpero ao ser indagado sobre o ministro da economia: “Ele decepcionou muito. Exagerou nas promessas de zerar o déficit, de avançar as privatizações. Ultimamente, o ministro está se parecendo cada vez mais com o chefe. E como lembrou o (José Roberto) Mendonça de Barros, em outra entrevista sua, pela primeira vez temos uma equipe econômica que perdeu a autoridade e o prestígio. Isso é grave”.
O Brasil atual, infelizmente, gera muitas dúvidas e incertezas para todos, consumidores, produtores, investidores, mercados e países, e a falta de um horizonte inviabiliza ainda mais qualquer retomada de um processo de crescimento econômico e de estabilidade política e social. Se a instalação de um clima de confiança exige cuidados com a pandemia, com o meio ambiente e a sustentabilidade, combate ininterrupto à corrupção e à violência, além de um conjunto suficiente de reformas e políticas econômicas e sociais, a constatação é a de que o Brasil caminha exatamente para o lado contrário.
Como escreveu o diretor de opinião do Estadão, Antonio Carlos Pereira, no último dia 5, “o esvaziamento do Ministério da Economia, algo praticamente inédito na história nacional, está na raiz da profunda confusão a respeito do futuro imediato do País” (grifos meus). Para nós, brasileiros, não poderia ser pior.
(1) “Neste momento delicado da vida nacional, estamos discutindo o essencial” (17/08/20); “Reforma Administrativa: panaceia ou solução?” (11/09/20); A Reforma Tributária é prá valer?” (04/10/20); e “Discutir o que é essencial para o bem do Brasil e dos brasileiros. Difícil, né?” (02/11/20). Todos publicados no site do Guia do TRC e da Tecnologística.
(2) Com a instalação do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap), vinculado ao Ministério da Economia, é de se esperar que haja maior eficiência na utilização dos recursos públicos e se evitem, concretamente, desperdícios e maus usos.
(3) Além de somente se ocupar com sua própria reeleição, defender a família, desprestigiar colaboradores que não ‘rezem na mesma cartilha’ e fazer comentários estapafúrdios e retrógrados, o presidente Bolsonaro tem batido de frente com quaisquer propostas reformistas, posto que isso não faz parte de seu DNA e nem, tampouco, parte da agenda daqueles que o apoiam;
(4) Affonso C. Pastore em entrevista dada ao Estadão no último dia 19 à jornalista Adriana Fernandes: “Governo de má qualidade precisa de restrição fiscal”;
(5) Dados de Monitoramento de Gastos da União com Covid-19 atualizados em 19.11.2020, apontam que a previsão de gastos extraordinários totais, devido à pandemia (tais como benefício emergencial para manutenção de emprego e renda, auxílio emergencial para pessoas em situação de vulnerabilidade, transferência para ministérios, estados e municípios e fundos garantidores de financiamento e crédito) é de R$ 577,6 bilhões. Deste total, R$ 471,5 bilhões (81,6%) já foram pagos. O Auxilio Emergencial previsto é de R$ 322,0 bilhões, isto é, 55,7% do total. E deste, já foram gastos R$ 261,5 bilhões. O Auxílio Emergencial, vale lembrar, remunera individualmente as pessoas muito mais do que o Bolsa Família e abrange um número muito maior de pessoas (cerca de 66 milhões), sendo, portanto, um instrumento de forte impacto para a economia como um todo, e das famílias carentes em particular. Portanto, um forte componente para a manutenção do Consumo Agregado;
(6) De forma objetiva e clara o economista Roberto Macedo explicou, no Estadão do último dia 19, que a inflação brasileira atual é proveniente de duas principais causas: custos (alimentação, alguns insumos industriais e o câmbio) e o excesso de demanda (gastos emergenciais e gastos com saúde e a expansão creditícia e monetária), no mesmo momento em que houve uma queda na oferta;
(7) Como todos sabemos, não é nada recomendável, em momentos de retração ou parada da economia, como estes que vivemos no Brasil atual, aumentar taxas de juros;
(8) Com base nos dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 18/11/20, o Brasil, com quase 6 milhões de casos e mais de 166 mil mortes, figura entre o 3º país, dentre aqueles que mais tem casos de Covid-19, o 2º em mortes, o 6º em casos e o 5º em mortes por um milhão de habitantes;
(9) Variação do PIB em 2020, - 5% (IBGE); Taxa de Desemprego, 18,7% (FGV); Dívida Bruta, 96% do PIB;
(10) Segundo estudo de Marcel Balassiano do IBRE/FGV, publicado pelo jornalista Douglas Gavras no Estadão dia 12 pp, a média de variação do PIB dos 10 países com mais mortes de Covid em todo o mundo, será de – 8,8%; o desemprego 8,8%, e a Dívida Bruta 85,5%;
(11) Pesquisa do Instituto Locomotiva (com Estado/Broadcast), publicada no Estadão dia 08 pp pelos jornalistas Fabrício de Castro e Eduardo Rodrigues, a classe média brasileira (renda média mensal per capita entre R$ 667,87 e R$ 3.755,76), que representa cerca de 105 milhões de pessoas (51% da população nacional), em 2019, foi responsável por um consumo equivalente a R$ 2,6 trilhões (60% da conta de Consumo Agregado). Em 2020 esse consumo deverá ser diminuído em R$ 247 bilhões (- 9,5%).