É preciso mudar a receita! geração de empregos como prioridade e não como consequência*

Publicado em
25 de Fevereiro de 2020
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Artigo publicado por PAULO ROBERTO GUEDES*
 
É sabido por todos que sem uma real convergência de objetivos e forte participação dos Poderes Executivo e Legislativo, o programa de reformas, difícil de implantar e complexo por si só, não avançará. Notadamente em casos específicos, como os são as reformas Tributária e Administrativa, previstas para serem realizadas ainda este ano. Mesmo considerando que o Poder Legislativo, à semelhança do que aconteceu com a reforma da Previdência, se empenhe o máximo possível. São reformas que mexem com muitos interesses e criam “razoáveis” ônus para quem as propõe.
 
Ressalte-se, inclusive, que Executivo e a ala mais fisiológica do Congresso já travam, também, uma briga para saber quem irá “administrar” alguns dos bilhões de reais que constam no orçamento. Como consequência, alguns dos militares que compõem o governo, nos quais se esperava atitudes mais ponderadas, têm estimulado a “briga” e colocado mais “lenha na fogueira”, nesta batalha interminável entre os poderes executivo e legislativo (1). Lamentável.
 
Como escreveu a economista Zeina Latif, no Estadão do último dia 20, “Governar vai além de enviar propostas ao Congresso. É preciso trabalho para aprovação”. E critica: “Ainda não estão claras, porém, as prioridades do governo e sua capacidade de entrega”. E finaliza: “Capacidade política é tão importante quanto boas intenções”, mas “Com o passar do tempo, vai ficar cada vez mais difícil aprovar reformas estruturais”.
 
Por outro lado, ainda no Estadão do último dia 20, a correspondente de Brasília, Adriana Fernandes, escreveu: “Investidores estão cobrando esclarecimentos do governo sobre os rumos da política fiscal”. “Depois de mostrar confiança na trajetória de ajuste das contas públicas, os investidores voltaram a bater na porta da equipe econômica para pedir esclarecimentos sobre os rumos da política fiscal, trazendo dúvidas que já estavam fora do radar”. 
 
Continua a reportagem de Adriana Fernandes: “Investidores estrangeiros já avisaram o ministro da Economia, Paulo Guedes, que têm interesse em colocar dinheiro no Brasil, mas cobram avanços sólidos nos marcos legais (grifos meus). Um ponto de incógnita é a reforma tributária (grifos meus). Ninguém quer trazer recursos para o Brasil “no escuro”, sem saber ao certo como ficarão as regras sobre impostos (grifos meus).
 
O próprio presidente Bolsonaro, que fora de seus grupos de ‘simpatizantes’ não tem agradado muito (2), começa a pressionar o ministro Paulo Guedes por resultados mais concretos, isto é, índices maiores de crescimento econômico (3). Dizem que a pressão seria para que se alcançasse, já este ano, um crescimento mínimo de 2% no PIB. A preocupação não é com o Brasil e tampouco com os brasileiros, diga-se de passagem, o temor é que sem a ‘decolagem’ da economia, o caminho para a reeleição em 2022 será cada vez mais difícil de ser trilhado.
 
Pois é! Parece que o governo Bolsonaro, gostemos ou não dele, não está ajudando (4) como deveria para que tudo ocorresse como o esperado (ou planejado?). Esperava-se que com a realização das reformas estruturais, fartamente defendidas 10 entre 10 ‘entendidos’, os investimentos privados voltariam e a economia retomaria o crescimento. Como consequência, esperava-se também, que o desemprego cairia vertiginosamente e o déficit público seria ‘zerado’ já no primeiro ano de governo. Em resumo: retomaríamos o caminho do crescimento sustentado da economia, e sem “voos” de galinha!
 
Importante relembrar que além do Executivo, o Congresso Nacional, a maioria dos empresários, da imprensa e da opinião pública, pareciam concordar quanto a isso: retomada do crescimento sustentável da economia brasileira a partir de um conjunto de reformas e políticas econômicas que caracterizariam o novo modelo de desenvolvimento para o País, agora baseado na “economia liberal” e no “Deus mercado”. Diferentemente dos modelos “ultrapassados”, e segundo o próprio ministro Paulo Guedes, o setor privado, agora mais protagonista do que nunca, exerceria maior – se não toda – responsabilidade pelos investimentos necessários à retomada do crescimento econômico.
 
Porém, mesmo reconhecendo que muito foi - e está sendo - feito, ainda não se alcançou o suficiente para que o setor privado gerasse os investimentos esperados (5). E entre outras, uma das inevitáveis consequências é o baixo crescimento econômico, tanto no ano que passou como neste recém iniciado.
 
Em artigo do último dia 15 (“Empresas ainda retardam investimentos”), o Estadão reproduziu a seguinte frase da Nota 10 do Cemec (Centro de Estudos do Mercado de Capitais): “O ambiente é mais favorável aos investimentos, mas não o suficiente para que as grandes empresas decidam aumentar sua capacidade de produzir (grifos meus). Trata-se de situação paradoxal, pois estão dadas as condições básicas para que as companhias retomem investimentos”. Segundo o estudo do Cemec, essas condições são: “a relação entre a taxa de retorno do capital total investido e o custo médio ponderado de capital e a expectativa da taxa média de crescimento do PIB (demanda) nos três anos adiante do ano de referência. As duas condições foram satisfeitas nos 12 meses compreendidos entre o quarto trimestre de 2018 e o terceiro trimestre de 2019”.
 
E concluiu o artigo do Estadão: “A taxa de investimento das empresas abertas da amostra (incluídas Petrobrás, Eletrobrás e Vale) mais que dobrou de 2016 para 2018, de 1,75% para 3,85% do PIB. Mas parou de crescer em 2019, atingindo 3,75% do PIB. Excluídas as três grandes empresas mencionadas, o investimento cresceu de 0,7% para 1,1% do PIB em 2018 e subiu apenas para 1,2% do PIB em 2019. É pouco para permitir uma retomada mais expressiva da economia” (grifos meus).
 
Segundo dados do Banco Central do Brasil, as taxas de investimentos no Brasil, mesmo depois de um “duvidoso” início do governo Lula, foram boas até o início da crise: 20,53% do PIB em 2010, 20,61% em 2011, 20,72% em 2012, 20,91% em 2013 e 19,87% em 2014 (ressaltando-se que os quatro últimos anos compuseram o 1º mandado da presidente Dilma). Somente a partir do 2º mandato da Dilma é que as taxas de investimentos iniciaram seu processo de queda: 17,84% em 2015, 16,12% em 2016, 15,63% em 2017, 15,82% em 2018 e 15,30% em 2019. Segundo o FMI, a média mundial é de 26,3% e o Brasil alcança a posição de número 122, quando analisadas as taxas de investimentos de países considerados. 
 
Por outro lado, dados do Observatório Fiscal do IBRE/FGV, permitem outras observações importantes: a participação do setor privado, no total desses investimentos, também decresceu se comparado com o investimento público. Ainda durante os três últimos anos do governo FHC (2000, 2001 e 2002), a participação média do setor privado no total de investimentos foi de 84,5%. Durante os governos Lula e Dilma essa número caiu para 82,2%, para vir a crescer significativamente durante os dois anos do governo Temer, quando alcançou 86,4%. Somente no primeiro ano do governo Bolsonaro é que a participação do setor privado caiu substancialmente, ficando em apenas 79,2% do total.
 
O paradoxo é que, durante os governos petistas, com todas as suas mazelas, o setor privado, não só investia muito, como contribuía mais do que o setor público no total de investimentos realizados no Brasil. Será que na época dos governos petistas o setor privado tinha suas exigências totalmente atendidas? As regras eram mais claras? A segurança jurídica era tal que nada impedia que se investisse? Ou seria uma demanda aquecida a principal responsável para que o setor privado realizasse seus investimentos, seja para o aumento da produção, para melhoria da qualidade e da competitividade de seus produtos?
 
A receita está errada! Já escrevi em outras oportunidades (6): somente o governo pode investir sem pensar na obtenção de lucros financeiros ou econômicos, em qualquer sociedade. Somente o governo pode investir (não é gastar!) para amenizar, de forma mais imediata, o sofrimento da população advindo de uma crise tão séria como a nossa. Além das reformas, sem dúvida necessárias, sob quaisquer pontos de vista, o governo precisa cortar gastos (daí a importância da reforma Administrativa) e voltar a investir em segurança pública, saúde, educação, construção civil e infraestrutura. E já!!! Com isso, vários objetivos serão alcançados ao mesmo tempo: a) melhoria dos serviços públicos e das condições de saneamento básico, de transporte e mobilidade, bases de uma sociedade saudável e produtiva; b) mais moradias e com melhores condições de habitabilidade, flagelo de um grande contingente da população brasileira; c) diminuição dos custos de produção, em face da melhoria da infraestrutura de transporte e de mobilidade; d) diminuição da ‘insegurança’ pública e da violência, inclusive nas estradas; e) geração de empregos e salários mais compatíveis, necessários para resgatar a dignidade de mais de sessenta e seis milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza ou em extrema pobreza (7).
 
Não é fácil resolver os problemas brasileiros de uma só vez e tão rapidamente quanto se deseja, principalmente agora em que os impactos positivos de queda de juros não serão sentidos como foram até o momento (8), mas entender que políticas públicas que gerem empregos, se possível formal, devem ser prioridade e não resultado, é essencial no momento atual. Empresas se aproveitarão ao máximo de quaisquer benefícios que o governo queira dar, mas somente e quando houver demanda compatível por seus produtos e serviços. E isto somente ocorrerá quando os consumidores tiverem renda! Consumidores não tomam empréstimos, mesmo que haja facilidade para toma-los e por menores que sejam as taxas de juros, caso estejam desempregados e sem saber quando voltarão a trabalhar. Empresários também não tomarão empréstimos caso não tenham certeza quanto à real possibilidade de terem mercados com renda suficiente para comprar seus serviços e produtos. Maior abertura comercial, até agora deixada de lado, para mexer com os empresários brasileiros, também é bem-vinda.
Portanto, além de uma “receita errada” (insistência em melhorar a oferta agregada desconsiderando que o “Deus mercado” só funcionará de forma eficaz se tiver, do outro lado, uma demanda agregada compatível), de um Congresso Nacional razoavelmente descompromissado com o País, um executivo que pouco se empenha para a aprovação das reformas, o despreparo e a beligerância do presidente, agora também temos alguns dos ministros e principais colaboradores do executivo, proferindo discursos que em nada contribuem para melhor encaminhamento das soluções e providências exigidas. 
 
(1) Há que se considerar que o presidente Bolsonaro, sem quaisquer condições de manter um relacionamento positivo com o Congresso Nacional, esteja agora se socorrendo de militares graduados para fazê-lo. O que não se sabe, entretanto, é até quando, tanto Bolsonaro como alguns desses “graduados” aguentarão a “desobediência de parlamentares”. 
(2) No último dia 17, quando foi realizado o Fórum Nacional de Governadores, 20, de um total de 27 governadores, assinaram uma carta criticando o presidente Bolsonaro, em face do episódio que terminou com a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, ex-policial militar e bastante ligado ao seu filho Flávio Bolsonaro. Aliás, governadores que já estavam desapontados – no mínimo – com o desafio lançado por Bolsonaro para que reduzissem os impostos incidentes sobre os combustíveis.
O Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), acaba de divulgar o último Índice de Confiança do Consumidor (ICC): queda de 2,6 pontos. Com isso, o ICC de fevereiro ficou em 87,8 pontos, isto é, o menor valor desde maio de 2019. Ainda, segundo o IBRE/FGV, “As perspectivas menos favoráveis sobre a situação financeira familiar dos consumidores de renda mais baixa estão relacionadas ao mercado de trabalho”. Já, para “os consumidores com renda mais alta, ao aumento de incerteza econômica, e à alta do câmbio, levando-os a postergar consumo”.
Ao responder à jornalista Luciana Dyniewicz do Estadão (de 16 pp), sobre como a política ambiental do governo Bolsonaro atrapalha os negócios no Brasil, o diretor de investimentos do Deutsche Bank Wealth Management nas Américas, o indiano Deepak Puri foi taxativo: “Sim, tem atrapalhado”. E completou: “o mercado questiona quão sensível o Brasil é para a questão ambiental. Esse tema foi o principal das discussões em Davos neste ano, mas escuto de nossos clientes há alguns anos”. 
(3) O grande temor de Bolsonaro, é que investidores e empresários, em face dos indicadores atuais (seja de crescimento da economia ou cotação do dólar, por exemplo), comecem a perder o otimismo que caracterizou seu início de governo e diminuam suas chances para as eleições de 2022. 
(4) “Mas o fator mais importante é o horror do presidente às funções de governo. Ocupado quase só com a reeleição, ele tenta adiar ou evitar todo ato administrativo com potencial custo político”, escreve o jornalista e economista Rolf Kuntz no Estadão do último dia 23 (“Se governar atrapalha a reeleição, melhor mesmo é evitar esse risco”).
(5) Os investimentos privados não estão ocorrendo como se esperava e o próprio indicador IPEA de FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), tem demonstrado isso de forma clara. A “Carta de Conjuntura” do Ipea de 06/02/2020, mostra que a FBCF, relativo à Dezembro de 2019, ficou 2% abaixo se comparado com o mês anterior. E que, o quarto trimestre de 2019, em consequência, fechou com queda de 2,7%. Nas comparações com os mesmos períodos de 2018, as quedas de dezembro e do quarto trimestre foram, respectivamente, de 2,2% e 0,9%. No acumulado em doze meses, os investimentos encerraram 2019 com alta de 2,1%. Ainda segundo o relatório “na comparação com o ajuste sazonal, o consumo aparente de máquinas e equipamentos – cujo valor corresponde à sua produção nacional destinada ao mercado interno acrescida às importações – apresentou uma retração de 6,8% em dezembro. De acordo com os seus componentes, enquanto a produção nacional de máquinas e equipamentos recuou 9% em dezembro, a importação caiu 7,7% no mesmo período. No acumulado em doze meses, a demanda interna por máquinas e equipamentos encerra 2019 com alta de 3,1%.
(6) Artigo publicado no site do Guia do TRC, dia 21.11.19: “Estado moderno é aquele que, no momento adequado e preciso, consegue criar oportunidade para todos” - (sair dos ‘extremos’ é essencial)
(7) Segundo dados do IBGE (SIS-Síntese dos Indicadores Sociais), em 2014 o Brasil tinha 45,8 milhões de pessoas (22% da população) vivendo “abaixo da linha de pobreza” (Critério do Banco Mundial: pessoas que vivem com R$ 440,00 por mês. Conversão da moeda se dá pelo método ‘paridade de poder de compra’) e 9,0 milhões (4,4% da população) vivendo em “extrema pobreza” (também de acordo com o Banco Mundial, são pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia – ou R$ 145,00 mensais, mesmo incluindo o recebimento do Bolsa Família). Em 2018 esses percentuais, respectivamente, aumentaram para 25,3% e 6,5% do total da população brasileira. São 52,5 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza e 13,5 milhões em extrema pobreza. Estudos do IBGE indicam que, caso o Brasil consiga crescer 2,5% aa, e desde que o processo de concentração de renda não se deteriore ainda mais, somente em 2.030 o contingente de miseráveis (aqueles que vivem abaixo da linha de pobreza) ficará no mesmo nível de 2.014.
Abaixo da linha de pobreza estão as pessoas que vivem com R$ 440,00 por mês, segundo critérios do Banco Mundial, cuja conversão da moeda se dá pelo método ‘paridade de poder de compra’;
 
Vivendo em extrema pobreza são as pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia (ou R$ 145,00 mensais), incluindo aqui, o recebimento do Bolsa Família. Os critérios são os mesmos descritos anteriormente.
 
(8) A última Ata do Copom sintetizou: “considerando os efeitos defasados do ciclo de afrouxamento iniciado em julho de 2019, o Comitê vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”.
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