Série de medidas pode ser utilizada pelo governo estadual na próxima licitação para reduzir os custos aos motoristas paranaenses
Baixar as tarifas é condição para ter apoio para continuar cobrando pedágio. Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
As estratégias para tornar as tarifas mais aceitáveis para os usuários – e menos impactantes para a economia do Paraná – devem estar no centro da discussão do próximo modelo de concessão de rodovias. Depois de duas décadas de reclamações, dificilmente os usuários aceitariam, benevolentes, qualquer proposta que não partisse de valores menores que os praticados atualmente. A boa notícia é que tem, sim, várias formas de diminuir o preço.
Um dos motivadores nada tem a ver com decisão de governantes. Trata-se do momento econômico e jurídico muito diferente do vivenciado pelo Paraná no momento da primeira licitação, em 1997. Outro ponto decisivo é que quanto mais disputa, maior a chance de redução no preço. Nesse sentido, além de abrir concorrência internacional, uma estratégia que tem sido usada em outros lugares e pode ser adotada aqui é permitir a participação de Fundos de Investimentos. Assim, o edital de licitação não estaria atrelado exclusivamente a empreiteiras.
Outra forma de diminuir o preço é não colocar muitas obras nos primeiros anos de contrato. Se os gastos forem sendo diluídos ao longo da concessão, é possível usar a receita da tarifa para custear as despesas – ao invés de contratar empréstimos. Também é significativo o fato de que, embora algumas rodovias precisem de obras relevantes, como duplicações, a situação do pavimento não está no mesmo nível de precariedade de quando as concessionárias assumiram as estradas, forçando várias despesas iniciais, na época.
Para o consultor de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), João Arthur Mohr, um dos principais fatores capazes de reduzir o preço é aumentar a base de pagadores. Atualmente, muita gente que usa rodovias bem conservadas – e os serviços adicionais, como socorro e atendimento mecânico – não desembolsa nada por isso. É o caso de quem circula diariamente entre Campo Largo e Curitiba e também entre São José dos Pinhais e a capital.
Como não há praças nos dois trajetos, que estão entre os mais movimentados do estado, não há pagamento direto. O consultor acredita que o caminho é a cobrança proporcional por quilômetro rodado. Esse sistema só funciona se houver um controle do momento em que os veículos entram e saem das rodovias. “Os usuários pagariam bem pouco, algo como R$ 1, mas essa renda seria significativa em escala, tendo em vista o volume de tráfego, e representaria preços menores para os demais usuários”, argumenta.
Avanços
Para chegar a um pagamento proporcional, seria necessário apostar em novos recursos tecnológicos – que João Arthur acredita que tem, sim, condições de estar nos contratos futuros de pedágio. Um modelo que tem sido implantado em concessões de rodovias são pórticos que monitoram a passagem dos veículos – é o chamado free flow (fluxo livre, em inglês), sem paradas para cobrança e com o pagamento equivalente ao trecho percorrido.
Para ser implantado, é necessário definir uma solução tecnológica para isso. Hoje já existem sistemas feitos no Brasil capazes de, por câmeras, reconhecer instantaneamente o modelo e placa do veículo, auxiliadas por radiofrequência. A dúvida ainda é como garantir a cobrança, que hoje é no ato e praticamente sem inadimplência e evasão e, pelo sistema proposto, passaria a ser bem posterior à passagem pela via.
O professor Luiz Afonso Senna, especialista de concessões, explica que a Alemanha não tem praças de pedágio. O país é bastante usado como rota por caminhões, que passam da Espanha para a Polônia e da Rússia para Portugal, por exemplo. Para subsidiar o desgaste no pavimento, os veículos de carga precisam instalar um chip no para-brisa antes mesmo de entrar em território alemão. Lá o sistema de pedágio é baseado em tripla checagem, com pórticos, leitura de placas e TAGs de rastreamento por GPS.
Para João Arthur Mohr, o caminho é estimular a cobrança eletrônica, inclusive com a distribuição, sem custo de instalação ou mensalidade para o motorista, dos chips. Por meio de convênio com a Polícia Rodoviária e com a verificação instantânea dos veículos em circulação, seria possível parar e multar quem não estivesse pagando pedágio, como já acontece com o desrespeito ao estacionamento regulamentado. Quem não quisesse colocar o chip no veículo, poderia comprar um cartão pré-pago para usar só quando for para a rodovia.
Os sistemas eletrônicos, inclusive, permitiriam a cobrança diferenciada por horário. O valor para quem circula em momentos de pico pode ser maior, visando distribuir, de forma menos concentrada, o tráfego. E ficaria mais barato para quem aceita fugir dos horários de pico. Também é possível cobrar de quem quer pista livre. “Em Miami, por exemplo, paga mais quem quer andar em uma rodovia sem congestionamento”, conta o consultor. Para ele, é importante que existam incentivos para a cobrança eletrônica, como tarifa 20% mais barata do que o pagamento convencional. “Circularia menos dinheiro nos pontos físicos, que têm enorme gasto com segurança, como caixa forte e seguro”, argumenta.
Se o Paraná decidir continuar usando praças de pedágio (já que há outras tecnologias, como as citadas acima), as estruturas estão construídas, com tudo o que têm de caras, como passagens subterrâneas. Pelo contrato atual, quando acabar o prazo de concessão, os imóveis serão incorporados ao Estado e podem ser reaproveitados por quem vencer a licitação.
Repensar os serviços ao usuário também poderia gerar economia. Para João Arthur, não há a necessidade de ter pontos de banheiro e café ao longo da rodovia. Nos locais em que há uma grande oferta de postos de combustíveis na beira da estrada, sem grandes distâncias desabastecidas, esse tipo de benefício, que inclui pagar pessoas para fazer a limpeza 24 horas por dia, seria um gasto desnecessário. Ele também pondera que o atendimento mecânico, como guincho, deve continuar sendo prestado, mas sendo cobrado de quem utiliza. “Um dono de uma transportadora com dezenas de caminhões me contou que faz a manutenção preventiva dos veículos e nunca precisou usar os serviços das concessionárias. Mas pagou indiretamente por eles todo esse tempo”, comenta.
Outras formas
Uma redução porcentualmente pequena, mas polêmica seria a redução de tributos. Um exemplo é o Imposto Sobre Serviços (ISS), que tem alíquota de até 5% sobre a tarifa. Ou seja, de cada R$ 10 pagos, cinquenta centavos vão para as cidades por onde passam as rodovias, proporcionalmente à extensão. Mas os prefeitos dos municípios pequenos, que se acostumaram com esse tipo de receita, provavelmente bateriam o pé para manter a cobrança. João Arthur argumenta que, para não conceder isenção – que seria renúncia fiscal – poderia ser fixada uma alíquota menor, de 0,5%, por exemplo. Assim, o impacto no preço cairia para cinco centavos a cada R$ 10.
Outro peso tributário significativo é o Imposto de Renda. Ainda que o governo federal não concordasse em abrir mão da receita, que só com as concessões do Paraná é da casa de vários milhões de Reais por ano, o consultor da FIEP acredita que poderia ser feita uma negociação política para direcionar ao menos parte dos recursos para um fundo voltado a obras nas demais rodovias federais que cortam o estado, gerando um efeito de benefício indireto.
Também na linha das ações com consequências colaterais estaria a inclusão de cláusulas de performance nos contratos com as concessionárias. Isso já é feito em alguns lugares do Brasil e estabelece que se a empresa não atende algumas exigências, como obras e qualidade do pavimento, sofre um desconto na tarifa. O modelo também premia quando a gestão é eficiente e gasta menos que o previsto.
As chamadas receitas acessórias também podem gerar renda para as concessionárias e proporcionar uma tarifa menor. Atualmente, a exploração da faixa de domínio, como o cabeamento subterrâneo de fibra ótica e a publicidade na beira da rodovia, gera dinheiro para as empresas. Há a possibilidade de planejar outros projetos nas margens das estradas capazes de induzir o desenvolvimento local e ainda render benefícios, permitindo preços menores na cobrança ao usuário direto.
Ainda na esfera de previsões contratuais, uma alteração que poderia representar tarifas menores seria estabelecer o fluxo de veículos como risco/benefício compartilhado. Hoje, a fixação do preço não tem relação com a quantidade de veículos que passam pelas praças de pedágio. Para o contrato anterior, o governo fez uma estimativa de tráfego e estipulou que se houvesse menos, pior para a concessionária, mas se tivesse mais, o lucro seria dela. Agora, se forem feitos estudos mais precisos, é possível criar gatilhos: assim, se o trânsito for menor, a empresa é recompensada, mas se for maior, baixa a tarifa.
Trabalho prévio
Outra forma de baratear o pedágio e ainda de agilizar obras seria fazer os projetos de engenharia e iniciar os estudos para licenciamento ambiental antes mesmo da concessão. Definidas as obras prioritárias, o próprio governo estadual poderia realizar o trabalho prévio. Para João Arthur, seria uma forma também de ter uma base do custo real dos investimentos a serem feitos – o modelo em vigor atualmente foi baseado em projeções equivocadas, já que não chegaram a ser feitos os projetos de engenharia e, por isso, muitas obras previstas inicialmente não serão executadas.
Para o professor Luiz Afonso Senna, existem duas formas básicas de definir a tarifa de pedágio a ser cobrada. A mais usada costuma ser projetar as obras consideradas necessárias e calcular quanto teria de ser a cobrança, diante do fluxo de veículos, para custear o conjunto de obrigações da concessionária. Mas também há o modelo Willing to pay, que significa apurar quanto as pessoas estão dispostas a pagar. Definido um patamar aceitável, são estabelecidas quais as prioridades a serem feitas pelas empresas com base no que vão arrecadar. O primeiro considera mais o planejamento e a necessidade de desenvolvimento e o segundo é mais focado na satisfação e na capacidade de pagamento.
Segundo João Arthur, mesmo que apenas uma parte das medidas citadas seja tomada, o valor do pedágio será bem menor no Paraná. Hoje, em média o valor no Anel de Integração está em torno de R$ 14 a cada 100 quilômetros, para carros de passeio. Ele estima que o preço médio poderá ficar facilmente na casa entre R$ 6 e R$ 8. O consultor acrescenta que todos os estudos que precisam ser feitos, calçados nos levantamentos mencionados, podem ser contratados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná (Agepar), que dispõe de dinheiro em caixa e não estaria sujeita aos sabores das mudanças políticas."