"É besteira dizer que não gostamos do setor privado"

Publicado em
24 de Setembro de 2013
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Daniel Wainstein/Valor / Daniel Wainstein/Valor

 
Para a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, grandes construtoras estão mais alavancadas, o que as tornou menos ousadas no leilão da BR-050

A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, tornou-se uma especialista em infraestrutura e é hoje um dos rostos do governo na defesa do modelo de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Mesmo com as dificuldades do primeiro leilão, que não atraiu interessados para a BR-262 (MG/ES), a ministra avalia que o modelo proposto é equilibrado e garante: é "besteira" a visão de que o governo procura limitar os ganhos de investidores.

Ela reconhece, no entanto, que será preciso recuar. No processo de diálogo com a iniciativa privada, o governo não descarta retirar do programa trechos que antes seriam concedidos, caso não seja possível viabilizar investimentos com tarifas módicas de pedágio. "O que deixa uma concessão de pé é a capacidade e a concordância do usuário em pagar aquela tarifa", diz Gleisi. Segundo ela, se o volume de investimentos e uma taxa de retorno adequada aos empresários forem incompatíveis com esse nível de pedágio, a opção será ampliar a capacidade das rodovias por meio de obra pública. Essa avaliação já está sendo feita com a BR-101, na Bahia, e pode alcançar outros lotes. "Temos que lançar [os editais] no mercado, saber a reação e sentir se elas são exequíveis ou não nesse modelo."

Gleisi critica as concessões feitas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas também tem observações sobre os pedágios muito baixos instituídos no governo Lula. Quanto às críticas do economista tucano Edmar Bacha, que apontou a falta de competitividade do atual modelo de concessões, a ministra é taxativa: "É sempre bom fazer uma autocrítica antes de apontar o dedo".

Paciente para explicar cada detalhe dos leilões de infraestrutura, ela muda o tom para falar das empresas aéreas, que têm buscado socorro do governo. Gleisi diz que o Palácio do Planalto já fez "um esforço grande" para ajudá-las e ressalta que não há pressa em anunciar novas medidas. "Desoneramos a folha de pagamento, suspendemos o aumento de taxas de navegação aérea e retiramos tarifas de aeroportos regionais. Infelizmente, o retorno que tivemos das empresas foram demissões, enxugamento de rotas e aumento das passagens."

A seguir, os principais trechos da entrevista que a ministra deu aoValor em seu gabinete:

Valor: O governo lançou o programa de concessões há mais de um ano e o primeiro leilão de rodovias ficou longe do sucesso esperado. O modelo está errado?

Gleisi Hoffmann: O modelo é adequado. É resultado de uma análise dos processos de concessões de rodovias que tivemos até agora. As primeiras concessões, no governo Fernando Henrique, tinham foco na arrecadação. Vendia-se o direito de explorar uma rodovia, sem necessariamente uma preocupação com o investimento e o nível de serviço. Temos hoje pedágios caros. A segunda fase de licitações de rodovias, para se contrapor a esse modelo, adotou o critério de menor tarifa. Conseguimos pedágios baratos, mas não necessariamente retorno em termos de investimentos necessários para melhorar algumas rodovias.

Valor: E agora?

Gleisi: Buscamos um modelo equilibrado. O que deixa uma concessão de pé é a capacidade e a concordância do usuário em pagar aquela tarifa. E não necessariamente a TIR. Deu-se muito foco à taxa interna de retorno.

Valor: O que a senhora quer dizer com "muito foco à taxa de retorno"?

Gleisi: Primeiro, falava-se que não queríamos que o empresariado tivesse lucro e que não gostamos da iniciativa privada. Isso é uma besteira. É como se ficássemos em torno de uma mesa discutindo como ferrá-los. Óbvio que não! Todas as nossas discussões eram e são para ter um modelo equilibrado, com retorno ao investidor, mas com sustentabilidade na tarifa.

Valor: O ministro Guido Mantega errou ao enfatizar as variáveis financeiras?

Gleisi: Não, de forma alguma. As questões financeiras foram muito bem equacionadas: o project finance, taxas de juros, garantias e até mesmo a reavaliação da TIR. O fato de as empresas se dedicarem a um estudo mais refinado depois da publicação dos editais é que faz com que estejamos vendo alguns problemas agora. Às vezes, a capacidade das empresas de estudar concomitantemente essas concessões e nos dar retorno sobre a realidade também é limitado. Ninguém havia investido tempo, dinheiro, energia antes do lançamento dos editais.

"Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública"

Valor: É por isso que o leilão da BR 262 não teve interessados?

Gleisi: Tivemos três problemas. O primeiro foi a realização de leilões concomitantes. Nesse primeiro lote, houve um interesse maior na BR-050, mas a BR-262 era uma concessão atrativa. Outro ponto é que a rodovia está no Espírito Santo, um Estado com histórico de contrariedade com pedágios. Isso foi reforçado com as manifestações do governador e da bancada. Em terceiro, acredito que houve falhas de comunicação. Pelo menos uma resposta dada pela ANTT teve impacto [na avaliação dos investidores].

Valor: A senhora se refere ao risco de o Dnit não concluir sua parte nas obras e não haver como reembolsar o investidor?

Gleisi: Sim. Se uma obra pública não é feita e compromete o processo, isso é responsabilidade do Estado, o que gera a possibilidade de reequilíbrio econômico do contrato. Foi de fato uma resposta equivocada [da ANTT].

Valor: A senhora considera que um pedágio de R$ 12, como previsto na BR-101 (na Bahia), terá a concordância dos usuários?

Gleisi: O modelo está correto, mas pode ser que não consigamos encaixá-lo para algumas rodovias porque têm pedágio muito alto ou porque não poderão remunerar o investidor como ele quer. No caso da BR-101, o próprio ministro César Borges pediu para deixá-la para o final, a fim de termos uma avaliação melhor. Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública.

Valor: Há intenção em rever trechos de algumas concessões?

Gleisi: Não é impossível reavaliar isso, mas precisamos de um tempo para todas as respostas. Estamos ouvindo as empresas, o mercado, as construtoras. O ministro César Borges está coordenando esse processo.

Valor: É possível que rodovias saiam do plano de concessões?

Gleisi: É possível uma avaliação como essa. Temos que lançar [os editais] no mercado, saber a reação e sentir se elas são exequíveis ou não nesse modelo. Se a combinação de capex [volume de investimentos] e de taxa de retorno requer uma tarifa que onera demais o usuário, então a concessão não se viabiliza.

Valor: A duplicação das rodovias em cinco anos é "cláusula pétrea"?

Gleisi: Não diria que ela é cláusula pétrea, mas é importante para que se possa responder às necessidades do país. Temos estradas em que a demanda já requer duplicação em prazo imediato. Não dá estender os investimentos em 10 ou 15 anos. Não teria aderência à realidade.

Valor: As empreiteiras também criticam a ausência de previsão para riscos de contingência. O governo estuda permitir correções na tarifa em caso de eventos inesperados?

Gleisi: A contingência tem impacto na tarifa. É preciso calcular esse impacto. Alguém tem que pagar e precisamos de muita cautela para fazer esses cálculos. Se é uma concessão, quem paga é o usuário.

Valor: Qual será a próxima rodovia a ser leiloada?

Gleisi: O TCU nos informou que deve apreciar os processos de novos lotes nesta ou na próxima quarta-feira. Se o tribunal liberar nesta semana, talvez possamos lançar em seguida o edital da BR-060 ou o da BR-163. Aí, são 30 dias até o leilão.

Valor: O consórcio vencedor da BR-050 não incluiu nenhuma das grandes empreiteiras. Por quê?

Gleisi: Elas têm um portfólio maior de obras que já estão tocando e são empresas mais alavancadas. Quando entram em um processo como esse, têm uma margem e precisam de uma garantia maior. O Consórcio Planalto, com nove empresas, podia ser mais ousado em uma concorrência como essa.

Valor: Um outro assunto que está na pauta do governo é o socorro às empresas aéreas, que estão registrando prejuízos bilionários. A sra. já tem uma resposta?

Gleisi: Com o crescimento da demanda por transporte aéreo, esse setor ganhou ainda mais importância. Mas Já fizemos um esforço grande para ajudar as companhias aéreas. Desoneramos a folha de pagamento, suspendemos o aumento de taxas de navegação aérea e retiramos as tarifas aeroportuárias de aeroportos regionais. Foram contribuições relevantes. Infelizmente, o retorno que tivemos das empresas foram demissões, enxugamento de rotas e aumento de passagens. Então, temos muita calma e tranquilidade para analisar o que elas estão colocando na mesa. O governo entende que já deu uma grande ajuda a esse setor.

Valor: Mas as companhias afirmam que, nos últimos meses, todo o esforço que fizeram para reduzir custos foi corroído pela alta do dólar.

Gleisi: O dólar é inerente aos negócios no setor aéreo. E a taxa de câmbio também já recuou.

Valor: O governo tem três opções para abrir o setor aéreo ao capital estrangeiro. Existe alguma inclinação por uma dessas alternativas?

Gleisi: Isso é uma discussão interna e embrionária. Não temos ainda uma posição.

Valor: Há fortes dúvidas também sobre a viabilidade e até sobre aspectos legais das novas concessões de ferrovias. Como destravar esse processo?

"Infelizmente, o retorno que tivemos das aéreas foi demissões, enxugamento de rotas e aumento de passagens"

Gleisi: Estamos apresentando um modelo novo. Não há uma cultura de construção de ferrovias no Brasil e poucas empresas têm essa expertise. É natural que haja dúvidas e até resistências. Cabe a nós conversar, interagir e prestar esclarecimentos, mostrando como esse modelo se sustenta. Tivemos um modelo muito ruim para o país que era baseado em outorga, em arrecadação e deixava pedaços de ferrovias sem utilização. Tivemos um sucateamento de boa parte da malha.

Valor: A senhora se refere às privatizações feitas durante o governo FHC. Mas o economista Edmar Bacha, ligado ao PSDB, afirma que o modelo de concessões de infraestrutura adotado pelo atual governo não favorece a competição.

Gleisi: Vi nos jornais alguns senhores da Casa das Garças [centro de estudos ligado ao PSDB] nos criticando. É sempre bom fazer uma autocrítica antes de apontar o dedo. O que eles entregaram ao país, em termos de concessões de ferrovias e de rodovias, não foi o melhor modelo. Em ferrovias, foi um desastre completo.

Valor: E no caso de rodovias?

Gleisi: Foi um pedágio alto, uma reação da população aos valores da tarifa e um processo de investimento questionável.

Valor: Será necessário algum ajuste legal para que o modelo de ferrovias se enquadre na legislação vigente para as concessões?

Gleisi: Estamos discutindo com os ministérios dos Transportes e do Planejamento uma medida para reestruturar a Valec, para deixar claro como será exercida a garantia de compra de carga pelo governo, porque muitas ferrovias vão iniciar a operação com déficit. Acredito que, com esse esclarecimento, conseguiremos dar resposta a esse questionamento.

Valor: Quando a medida será enviada ao Congresso?

Gleisi: Queremos enviar ainda este ano. Não sei se na forma de uma medida provisória ou projeto de lei com regime de urgência.

Valor: O governo recebeu mais de 3 mil contribuições durante a audiência pública para a licitação de novos arrendamentos no Porto de Santos. O que será considerado?

Gleisi: Queríamos enviar os estudos de Santos ao TCU no início da semana que vem. Mas levaremos mais uma semana porque causa da quantidade de contribuições na audiência pública.

Valor: Havia uma discussão sobre retirar do processo de licitação a área de Saboó. Será feito?

Gleisi: Há muitas contribuições para não se mexer [nessa área do porto]. Mas alguns contratos não têm nem base legal para prorrogar, pois são anteriores à lei de 1993. Nos que têm previsão de prorrogação, vencida a primeira perna, vamos licitar. Não tem sentido ficar com um terminal pequenininho no meio de um outro terminal grande com cargas que não têm a ver. Porto precisa de escala e, em Santos, procuramos especializar um pouco as áreas, cuidando para que tivessem competitividade.

Valor: O leilão da BR-050 e a lista de participantes do leilão do campo de Libra foram vistos como indicação de que falta apetite do investidor estrangeiro para vir para o Brasil. A senhora concorda com essa avaliação?

Gleisi: A relação das empresas interessadas no leilão de Libra mostram que há interesse de estrangeiros.

Valor: O governo espera maior participação de investidores externos nos próximos leilões de ferrovias e rodovias?

Gleisi: Nós gostaríamos que tivesse, mas é muito difícil avaliar. Isso depende de uma composição das empresas.

Valor: As chances de sucesso do programa de concessões diminui com a ausência dos estrangeiros?

Gleisi: Estão surgindo players novos. Acredito que temos uma quantidade de empresa se preparando para entrar nesse processo.

Valor: Há previsão de reajuste para combustíveis?

Gleisi: Não está sob minha alçada tratar disso. Vocês vão perguntar, eu não vou responder.

Valor: Para finalizar, o governo mantém a expectativa de que as concessões puxem o crescimento econômico no último trimestre e em 2014, mesmo diante das revisões?

Gleisi: Mesmo reavaliando o cronograma, teremos muitas concessões até o fim deste ano. Temos os dois aeroportos [Galeão e Confins], os portos de Santos e do Pará. Podemos licitar também Paranaguá e Bahia. Já soltamos duas rodadas dos terminais privados. E pelo menos um trecho de ferrovias, gostaríamos muito de ter este ano. Então, ainda que reconsideremos o cronograma, teremos um volume significativo de concessões.

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