A gestão João Doria (PSDB) prepara uma mudança controversa na remuneração dos serviços de transporte coletivo, com um modelo semelhante ao adotado na cidade de São Paulo na década de 1990 e que é apoiado por empresários de ônibus.
Pela proposta apresentada nesta quinta-feira (1º), as empresas não receberão mais da prefeitura de acordo com a quantidade de passageiros transportados, como ocorre desde a gestão Marta Suplicy –na época PT, hoje PMDB.
Elas devem ganhar com base em custos globais dos serviços (como folha de pagamento, encargos, combustível) definidos após licitação e sujeitos a variações conforme indicadores de qualidade.
O modelo proposto foi bem recebido pelo sindicato das empresas de ônibus –elas precisariam oferecer determinada quantidade de veículos, mas não ficariam mais tão dependentes da variação de passageiros no sistema.
A gestão Doria defende a mudança sob a justificativa de que a atual estrutura da rede de transporte, com baldeações gratuitas, é um complicador para pagar as empresas por número de usuários.
Diz ainda que os índices de qualidade atrelados à remuneração evitarão que uma empresa piore os serviços por não ter mais a mesma responsabilidade de atrair clientes.
Afirma também que a nova lógica facilita atender áreas periféricas com menor demanda, que precisam do transporte mas que hoje não atraem interesse das empresas –que preferem competir por passageiros no centro.
Já os críticos temem a volta de problemas de duas décadas atrás que levaram à aposentadoria desse modelo.
Uma das preocupações é porque os riscos de demanda ficam mais com a prefeitura do que com as empresas. Esse fator contribuiu para a disparada de subsídios –injeção de dinheiro dos cofres municipais no sistema.
Além disso, sem tanta obrigação de atrair usuários, há receio de que a qualidade caia.
"É uma lógica que só interessa a quem não quer ter prejuízo. O risco da operação fica no colo da população, e não do empresário", diz Ivan Whately, diretor de mobilidade no Instituto de Engenharia.
Para Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), a mudança está de acordo com a lei de mobilidade urbana, mas seu sucesso depende dos indicadores de qualidade a serem definidos.
"O que precisamos saber é quais serão os cálculos que definirão os pesos dos índices de qualidade", afirma.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
GESTÕES
A discussão sobre os contratos e remuneração das empresas de ônibus ganhou corpo nos protestos de 2013 contra a alta da tarifa. Esse serviço movimenta na capital mais de R$ 7 bilhões por ano.
A nova licitação do sistema de ônibus foi prometida pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que encerrou seu mandato sem terminá-la.
Agora é bandeira de Doria, que anunciou ainda que todos os ônibus deverão ter ar-condicionado, wi-fi e botão de pânico para que motoristas acionem a central de operações em casos de violência.
O novo modelo de remuneração foi apresentado durante uma audiência pública que deu início ao processo de contratação das empresas, planejado ainda para este ano.
Doria disse em abril que os novos contratos terão validade de dez anos. O secretário municipal de Transportes, Sergio Avelleda, porém, disse que a questão ainda está aberta e "depende também de discussão na Câmara".
José Carlos Martinelli, presidente da SPTrans (empresa municipal de transporte), disse que a forma atual de pagamento das empresas de ônibus está esgotada devido à expansão de baldeações –que são gratuitas para usuários, mas que requerem pagamento aos prestadores do serviço.
Para Francisco Christovam, do SP Urbanuss (sindicato que representa as empresas de ônibus), a proposta é similar à implantada na gestão Luiza Erundina nos anos 1990.
"O modelo começou bem, mas depois se tornou uma equação perversa, pois quanto mais aumentavam os custos [operacionais], mais a empresa ganhava", diz ele, embora seja favorável à mudança. "É interessante porque garante os investimentos. E os resultados financeiros da empresa vão depender do seu desempenho e qualidade."
Para a gestão Doria, é possível colocar freios ao aumento de custos por meio de índices de qualidade –que também haviam sido prometidos pela gestão Haddad em 2014.
POLUENTES
Após descumprimento do cronograma para que a frota do transporte coletivo poluísse menos, a Prefeitura de São Paulo quer estabelecer metas de redução de emissão de poluentes no novo contrato com as empresas de ônibus.
A proposta da gestão Doria é estabelecer no contrato de concorrência índices redução de dióxido de carbono, de material particulado e de óxidos de nitrogênio (presente na cadeia de formação do ozônio).
A prefeitura disse que não estipulará quais tipos de combustíveis as empresas deverão usar (por exemplo, diesel, biodiesel, etanol, eletricidade, gás).
Para especialistas, a liberdade dada às empresas permite que elas optem por tecnologias que no futuro sejam mais baratas. Assim, poderiam montar um cardápio de veículos com diferentes combustíveis.
Resta saber quais serão as metas e prazos que serão estabelecidos pela prefeitura no contrato com as empresas de ônibus.
Atualmente, uma lei de 2009 da gestão Gilberto Kassab (atual PSD) estabelece que a frota de ônibus de São Paulo reduza a cada ano 10% de seus veículos com combustível fóssil.
Pela conta, até 2018, toda a frota deveria dispensar combustível fóssil. Mas a empreitada não foi cumprida, e a cidade está longe de alcançar a meta.
O Ministério Público Estadual está em discussão para que as empresas avancem na redução da poluição, mesmo que em ritmo mais lento.
Para contornar as exigências, o vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (DEM), propôs um projeto de lei que estabelece metas de substituição dos atuais ônibus da cidade por modelos abastecidos por biodiesel.
O plano de troca de veículos, porém, vai até 2037, o que, para organizações ambientais, é um retrocesso frente à lei de 2009.
"O projeto privilegia o biodisel, considera uma entrada muito tímida dos veículos elétricos, e não leva em conta outras tecnologias de energia", argumenta o coordenador da comissão de meio ambiente da Associação Nacional de Transporte Público, Olímpio Alvares.
Estima-se que apenas na cidade de São Paulo morram 4.000 pessoas ao ano em decorrência de problemas causados pela poluição do ar.