O tempo dos trens apitando carregados apenas de minério já não é mais uma realidade no Brasil. Com as garantias de segurança, pontualidade, previsibilidade e, principalmente, redução de custos relativos a problemas estruturais, novos produtos começaram a ocupar os vagões.
Cervejas, televisores, produtos eletrônicos, vidros, árvores de Natal, brinquedos, ovos e até cílios postiços passaram a ser transportados pelas locomotivas que cortam o país, aumentando a fatia do mercado e criando um novo braço para o transporte sobre trilhos. De acordo com a ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), a diversificação de produtos fez com que o transporte ferroviário por contêineres registrasse um crescimento de 15% no ano passado. De 1996 a 2018, o volume transportado cresceu 140 vezes, saindo de 3.000 para 490 mil contêineres ao ano.
“As ferrovias estão se direcionando para o mercado doméstico. Não existe mais só exportação de commodities. Hoje, estamos levando refrigerantes, cervejas, isotônicos, produtos de limpeza e materiais de construção para o mercado interno. Além disso, estamos operando vários produtos com valor agregado, como televisores”, destaca o diretor-executivo da associação, Fernando Paes. No entanto, ainda cabe destacar que, atualmente, mais de 40% das commodities agrícolas chegam aos portos brasileiros por ferrovia. Esse número é ainda mais expressivo quando se trata do açúcar, com cerca de 50%; e do minério, com mais de 95%.
Na visão de Paes, algumas das justificativas para o crescimento são os projetos já em andamento nas ferrovias e a existência de gargalos na infraestrutura rodoviária no Brasil. “Esse crescimento vem desde 1997. Durante todo esse período, o transporte sobre trilhos vem aumentando seu volume. De 2008 a 2018, a taxa de crescimento do transporte de contêiner foi de 6,4%, em média, por ano”, destaca ele. Com a inserção de novos projetos ferroviários e da renovação das concessões na pauta do governo, a expectativa das concessionárias é que, neste ano, o crescimento fique entre 20% e 25%, o que consolida essa tendência de expansão e volume de carga. “A Rumo está encerrando o processo da renovação da Malha Paulista. O contrato deve sair ainda no começo do segundo semestre. A renovação com a MRS também já está encaminhada. Esse é um processo longo e demorado, mas é preciso que ele aconteça para destravar os contratos”, alerta o diretor da ANTF.
E nesse novo cenário, o crescimento da cabotagem também tem impactado positivamente o transporte por ferrovias. Uma nova rota foi criada para os produtos da Zona Franca de Manaus: as cargas descem de navios até Santos (SP) e, de lá, sobem de trem até Campinas (SP) para serem distribuídas para outras regiões.
É o que vem sendo feito pela MRS. Com grades fixas de saída e chegada ao porto de Santos, o volume transportado pela concessionária cresceu 10% no primeiro trimestre de 2019 em comparação a 2018. O gerente comercial de industrializados e de granéis não agrícolas da empresa, Rodrigo Napoleão, descreve uma série de fatores que contribuíram para esse crescimento. “Não foi fruto só da greve dos caminhoneiros. A MRS já estava preparada para esse tipo de transporte antes mesmo dessa alta. Nossa maior rota não chega a 200 km. Além do minério, transportamos produtos siderúrgicos, agrícolas e cimento. E dentro dos contêineres, tudo pode ser transportado. Hoje, temos mais de 300 empresas atendidas e estamos levando produtos, como árvore de Natal, brinquedos e até cílios postiços.”
Napoleão destaca ainda a segurança e a previsibilidade como fatores que trouxeram credibilidade para o modal. “A regularidade e a previsibilidade para o cliente são fatores importantes. Outro ponto é a segurança, principalmente no eixo Rio-São Paulo. A falta de segurança no trem quase não existe, e o custo do seguro da carga é bem menor”, afirma ele.
Outra empresa que segue a tendência de expansão do mercado é a Brado. Atualmente, mais de 60 tipos de produtos são transportados diariamente entre Sumaré (SP) e Rondonópolis (MT), atendendo a cerca de 160 empresas. “Estamos atendendo à crescente demanda do mercado interno doméstico em rotas de subida, que é como chamamos o trecho com partida em Sumaré e destino em Rondonópolis. Começamos a buscar clientes no mercado interno em 2017, demonstrando as vantagens do modal ferroviário: frete mais competitivo (cerca de 10% mais barato em longas distâncias), previsibilidade de entrega e garantia da integridade dos produtos transportados”, comenta o presidente da empresa, Rogerio Patrus.
De acordo com ele, hoje, o mercado interno já responde por 30% do volume global de contêineres transportados por ferrovia pela Brado. “Temos alcançado muito sucesso na adoção da estratégia round trip (ciclo completo), na qual os vagões circulam cheios nos trajetos de ida e volta para o mercado interno. Um exemplo bem prático disso está em nosso trecho Rondonópolis-Sumaré. Do Mato Grosso, vêm cargas sensíveis como as congeladas (proteína animal), movimentadas em contêineres do tipo reefer, que possuem equipamentos para manter as condições ideais de temperatura. Depois de descarregado, o mesmo contêiner tem a refrigeração desligada em Sumaré, sendo carregado com garrafas de cerveja para voltar a Mato Grosso. Temos transportado bens de consumo, itens de higiene, materiais de construção, alimentos, bebidas, milho, óleo vegetal, ração animal e produtos de limpeza. Há, ainda, produtos sazonais, como os panetones nos períodos de festas natalinas”, finaliza.
Novas operações
Para aumentar a capacidade de carga nos contêineres, as empresas começam a investir em inovações. A Brado, operadora logística da Rumo que tem a concessão da Malha Paulista, apresentou, em junho, sua primeira operação com vagões double-stack. Feita com vagões que podem carregar contêineres empilhados (por exemplo, dois contêineres de 40 pés um sobre o outro), a operação, utilizada com frequência nos Estados Unidos, foi realizada pela primeira vez em trajetos de longa distância no Brasil. Um trem composto por 68 vagões double-stack, totalizando 136 contêineres, partiu do terminal em Sumaré. Com esse tipo de operação, a empresa prevê um aumento de 40% da capacidade de transporte.
A Rumo, desde que assumiu a concessão da Malha Paulista em 2015, já investiu mais de R$ 8,5 bilhões em renovação da frota, construção e aperfeiçoamento de pátios de cruzamento e melhorias em tecnologia e segurança da operação. Foram adquiridos 2.649 vagões e 178 locomotivas. O diretor de tecnologia da Rumo, Roberto Rubio Potzmann, cita que a empresa conta com mil locomotivas e 25 mil vagões.
Responsável por fazer o escoamento dos maiores centros produtores do país, que conectam a ferrovia aos principais portos do Brasil, entre eles Santos e Paranaguá (PR), a Rumo atingiu em 2018 sua melhor marca operacional.
“Nossa operação atende ao agronegócio brasileiro por meio do transporte de grãos (soja, milho, farelo de soja) e produtos industriais (combustível, madeira, papel, celulose, contêineres). Registramos uma movimentação de 55,9 milhões de toneladas úteis nos seis estados em que operamos (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) no ano passado.”
Outra empresa que se destaca é a Tora Logística, com operação em seis terminais rodoferroviários nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Em julho, a empresa, em conjunto com a MRS, iniciou a operação de uma nova solução logística ferroviária de contêineres na rota RJ-SP. “O novo serviço quebra paradigmas, mostrando que a logística de contêiner traz para a ferrovia a flexibilidade para operar qualquer tipo de carga, em qualquer volume e em qualquer distância”, afirma Janaína Araújo, diretora-presidente da empresa. Pelos terminais operados pela Tora são movimentados, em média, 2.500 contêineres por mês. Inicialmente planejada para a rota SP-RJ, a solução logística pode ser estendida. A Tora analisa individualmente as necessidades de clientes interessados em soluções customizadas.