Em Agosto de 2016, eu publiquei um texto com o título “A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) também precisa ser aplicada com eficácia nos Estados e Municípios brasileiros”, no qual comentava que os seguidos déficits orçamentários e o crescimento exagerado da dívida pública estavam impedindo o governo, sempre o maior investidor de uma economia, de governar de forma eficaz.
Naquela oportunidade fiz uma breve observação sobre o indesejável comportamento de prefeitos e governadores, uma vez que a grande maioria deles pouco se importava com o controle efetivo das contas públicas e, em alguns casos, ignoravam a LRF. Até porque, diante da fraqueza do governo central, inclusive com problemas desse mesmo tipo, eles poderiam ‘negociar’ mais verbas, prorrogar ou até mesmo conseguir o perdão de suas dívidas com a União. Em resumo: “chantagear” o governo.
Pelos mais diversos motivos, incluindo as ‘mazelas’ praticadas, é óbvio que a falta de recursos nos setores públicos atinjam, sempre mais diretamente, as faixas mais pobres da população brasileira, como comprovam as notícias diárias, vinda de quase todos os municípios brasileiros, relativas à situação da educação, da saúde, da segurança e da infraestrutura. Óbvio, também, que sem investimentos governamentais, devido a essa mesma falta de recursos, o crescimento econômico e a geração de empregos ficam comprometidos.
E concluia, ainda naquele artigo: “torna-se fundamental, portanto, que as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislaivas e os Tribunais de Contas, pressionem os prefeitos e governadores para que cumpram, como todo e qualquer instituição, a legislação vigente, na qual a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma delas”.
Entretanto, de lá para cá, pouca coisa mudou e os gastos têm extrapolado os limites desejáveis, como comprovam alguns relatórios do Banco Central, ao indicar que o déficit primário dos Estados quintuplicou entre 2016 e 2017! Não é difícil concluir, portanto, que uma das causas do aumento da violência no Brasil, são os exagerados aumentos dos déficits orçamentários que, em muito, ultrapassaram os limites estabelecidos pela legislação. Sem dinheiro, pouco se pode fazer, inclusive com respeito à segurança e à geração de empregos. Raul Velloso, economista e um dos maiores conhecedores das finanças públicas do Brasil, ao ser perguntado sobre a intervenção na segurança do Rio de Janeiro, não teve dúvidas: “A situação do Rio é grave para se usar esse tipo de subterfúgio (intervenção para não votar a Previdência). Se a questão financeira não for equacionada, outros Estados vão precisar de intervenção” (grifos meus). Há cerca de duas ou tres semanas atrás o ministro Raul Jungman disse que não concordava com uma eventual intervenção no estado de Pernambuco, pois isso poderia estimular outras intervenções! Pois é!
Em outro artigo (este de 27/01/2017 – “Crimes comuns, corrupção e democracia”) eu escrevi que a Democracia corria riscos, na medida em que uma “insatisfação generalizada e a própria dificuldade de se aceitar uma sociedade que, se nada for feito, tende a ser cada vez mais desigual e injusta”, poderá criar ambientes férteis para a ocorrência de conflitos que, em algum momento, poderão se tornar insolúveis”.
Também já comentei (desculpem-me se faço muitas citações a respeito de meus próprios artigos) que o caos já estava instalado no País e, “como ‘sapos em panela de água que vai esquentando devagar’, estamos todos sendo sacrificados”. E observava que sempre são as classes mais pobres as primeiras a receberem os impactos negativos de uma era de crise. As classes mais privilegiadas conseguem se defender e, até de forma alienada, vão vivendo.
Há muito tempo que o tema da (in)segurança pública faz parte do noticiário nacional e da forma negligente e incompetente como era (e ainda é) tratado. É, portanto, problema conhecido. Bem como a apresentação, pelos candidatos ou governos de plantão, de planos com soluções infalíveis. O próprio ministro Moreira Franco, candidato ao governo do Rio, em 1986, prometeu acabar com a violência em apenas um ano. Como se sabe, esses planos não passaram de discurso e se limitaram a ser instrumentos de marketing e de propaganda. Pura demagogia e o exercício de ‘politicagem’ da pior espécie.
Mas chegou outro período de carnaval e tudo aquilo que todos já sabiam (1), mostrou-se de forma explícita na televisão, principalmente ao transmitir, para todo o mundo, os acontecimentos do Rio de Janeiro, quando até regiões mais ‘nobres’ passaram a sofrer mais diretamente os efeitos da violência. E aí alguma coisa, mais radical e midiática, precisaria ser feita! Intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e a criação de um Ministério da Segurança Pública parece que foram as ‘prontas’ respostas do governo federal.
E agora, mas somente agora, a segurança pública passou a ser prioritária e grande preocupação governamental (2). Anunciada a intervenção no último dia 16, um “Plano Integrado de Segurança” está sendo desenvolvido e deverá ser apresentado na próxima semana. Não teria sido melhor realizar a intervenção após a elaboração do plano e, paralelamente, buscar a aprovação da reforma da Previdência no Congresso, já que ela é indispensável ao equilíbrio das contas públicas? Apenas como ilustração: técnicos do Ministério da Fazenda dizem que, para 2019, o orçamento já criou um ‘buraco’ de R$ 14 bilhões por conta de não reforma. Quanta incompetência! Quanta improvisação! Quanto oportunismo!
Mas os estragos não ficam só por aí, pois outras oportunidades importantes estão sendo perdidas, posto que o Congresso Nacional, enquanto estiver vigente a intervenção, não poderá discutir mais de 140 PECs (Projetos de Emenda Constitucional) que, inevitavelmente ficarão paradas. Entre elas a revogação do foro privilegiado. Quanta coincidência!
O fato é que o governo trocou de ‘bandeira política’ e a busca do equilíbrio das finanças públicas – necessária para o País como um todo - cedeu espaço para a retomada da segurança pública no Rio de Janeiro. Sem dúvida, assunto de fundamental importância, mas que deveria ser resolvido pelas autoridades daquele Estado. Até porque as Forças Nacionais e as Forças Armadas já lá estavam trabalhando. À menos que essa brusca mudança de rumos tenha acontecido por interesses desconhecidos.
Não sou especialista em segurança pública, mas é óbvio que nossos atuais governantes não estão preparados para resolver este seríssimo problema. Como de resto outros, exceto, talvez, aqueles ligados à área econômica, já que saúde, educação, infraestrutura e geração de empregos (nem ministro do Trabalho há!!!!), também vivem crises semelhantes.
Está claro que a desorganização do Estado brasileiro, a corrupção, a falta de integração entre as diversas polícias, inclusive entre as polícias estaduais e as próprias Forças Armadas, a falta de uma política nacional de segurança, principalmente de prevenção, a permissividade e a impunidade e a falta de recursos corretamente aplicados nos sistemas judiciário, policial e presidiário, enfraquecem cada vez mais as autoridades responsáveis para que se realize uma política de segurança eficaz (3). Sem recursos, sem controle e diante da falta de uma política de segurança pública integrada – em todos os níveis de governo, federal, estadual e municipal – a violência tomou conta do País. O Rio de Janeiro (4) reflete o caos generalizado que se instalou em todo o Brasil.
Se por um lado é necessário que se adotem medidas drásticas e extraordinárias quando se tem problemas como esse, o que por si só poderia justificar a intervenção, também é verdade que jamais deverão ser ultrapassados os limites estabelecidos pelo direito e pelas leis vigentes no País. Estamos diante de problemas sérios, é verdade, mas não estamos em guerra!
É imprescindível que um conjunto de cuidados (5), com o mesmo nível de importância, precisa ser tomado simultaneamente com a intervenção, pois o combate à violência pressupõe políticas sociais e que incentivem os investimentos, inclusive aqueles voltados à infraestrutura e à geração de empregos. É verdade, também, que ações sem diagnósticos corretos, é praticar “política de tentativa e erro”, dependente, substancialmente, da sorte de quem as adota. É improvisação!
Sem isso e a retomada do crescimento econômico, os resultados da intervenção não serão satisfatórias e provarão, infelizmente, que a decisão, além de improvisação, foi um grave erro (depois das Forças Armadas, a quem deveremos recorrer?). Pior do que isso, deixou de lado um processo reformista de fundamental importância para a recuperação deste País.
Seja como for, a intervenção está ‘decretada’ e esperamos que ela seja um sucesso, não só para a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro como também para o Brasil. Respeitando os valores democráticos, a Constituição, a legislação vigente (a LRF é uma delas) e sem desvios que nos levem a comportamentos autoritários, esperemos que agora tudo é prá valer!
(1) Apenas para ilustrar a atual situação, alguns dados recentes da violência no Brasil e, em especial, no Estado do Rio de Janeiro. Dados da Firjam (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) indica que houve, na Região Metropolitana do RJ, em janeiro do ano passado, 317 tiroteios e agora, em janeiro de 2018, 688! Aumento de 117%. Em 2011, enquanto o Brasil registrava 12.124 roubos de cargas, o Estado do Rio de Janeiro teve 3.073. Já em 2016 foram, respectivamente, 22.551 e 9.862, ou seja, o aumento em todo o Brasil foi de 86% e no RJ 221%. Quase três vezes mais! Estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública do RJ, com referência aos 6 dias de carnaval, indicam que em 2017 houve 5.773 ocorrências (homicídios e tentativas de, confrontos policiais, roubos, furtos, sequestros relâmpagos, etc.) e em 2018, 5.865 ocorrências, aumento de 1,6%! Significativo, não pelo incremento, que foi de apenas 1,6%, mas pelos números em si, que são uma vergonha e reflexo da crise instalada naquele Estado e no Brasil. O número de mortes violentas em 2016, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foi de 61.283, um recorde. Crescimento de 4,8% se comparado com 2015, que registrou 58.467. Um total absurdo! Um caos!
(2) Ou teria sido pelo simples fato de ter ficado claro que a reforma da Previdência não teria qualquer chance de ser aprovada (e quem não sabia disso?), principalmente quanto mais próximo das eleições estivermos? Será que o presidente Michel Temer resolveu se aproveitar da situação do momento e, num lance de marketing e oportunismo resolveu intervir na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro? Aliás, reuniões com marqueteiros e publicitários já foram até realizadas.
(3) Como dito por Celso Ming no Estadão do último dia 18: “a perda de controle da segurança não ocorreu apenas por gestão incompetente e corrupta das autoridades públicas. Ocorreu porque a droga e o crime viraram negócios tão lucrativos que compram a política, compram políticos, compram juízes, compram armamentos pesados, sustentam logísticas complexas, destroem o monopólio da força exercida pelo Estado e sustentam poderoso estado paralelo”.
(4) Com isso, e com as UPPs parando de funcionar, o governo optou por ações pontuais, muito mais para dar satisfação à opinião pública do qualquer outra coisa. Ou seja, o governo optou por ações isoladas, sem planejamento e mais baseada na repressão. Sozinha, desorganizada, sem foco e com armamento inferior, a polícia perdeu espaço e todos os esforços anteriores se perderam.
Outro exemplo de ‘política desintegrada’, ou mesmo de má vontade quando se trata de segurança pública, está na reportagem do Estadão do último sábado, realizada por Roberto Godoy. Nela o repórter comenta: “a inteligência das Forças Armadas, do Exército principalmente, tem um mapa do crime organizado no Rio, com localização provável de instalações como centros de comando e rotas de fuga usados pelas facções em constante movimento pelos morros e comunidades. Há mais que isso, garantem fontes militares ouvidas pelo Estado, e essas informações serão fundamentais nos próximos dez meses (grifos meus), tempo máximo de duração da intervenção na segurança pública do Estado”. Engraçado, somente agora é que as Forças Armadas utilizarão esse “mapa de informações”? Anteriormente, nas dezenas de operações conjuntas com as polícias estaduais não havia esse tipo de cooperação? Reportagem de Marcelo Godoy, do Estadão, dá conta que, desde a ECO.92, as Forças Armadas já participaram de quase 40 operações, das quais 41% foram para combater o crime organizado.
(5) Exemplos: o déficit fiscal, em todos os níveis de governo, não poderá ser aumentado, principalmente de forma indiscriminada e sem controle; a repressão e o confronto, por si sós, não resolverão os problemas do crime organizado, é preciso ‘inteligência’; as polícias estaduais, uma vez livres da parte podre, precisam ser fortalecidas, prestigiadas e terem participação assegurada em todo o processo; política de segurança pública, com estratégia de longo prazo precisa ser elaborada e colocada em prática; políticas sociais complementares, de geração de emprego e de investimentos em infraestrutura, também precisam ser contempladas, principalmente nas áreas de maior violência.