Desindustrialização preocupa o Ministério do Desenvolvimento

Publicado em
16 de Novembro de 2010
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O país vive um preocupante processo de "desindustrialização negativa" que pode ameaçar as contas externas, alerta documento reservado do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) obtido pelo Valor. O documento, que circula na equipe econômica, diz ser um "fator de preocupação e sinal de alerta" a influência da balança comercial no aumento do saldo negativo nas contas externas, que torna o Brasil cada vez mais dependente de investimentos especulativos. Ele sugere ao governo criar uma "diretriz" para elevar o saldo comercial, em torno de 9% das exportações.

O governo, segundo o MDIC, deveria fixar um "nível mínimo" considerado aceitável para a relação entre saldo comercial e exportações, e apoiar exportadores para garantir esse resultado. No primeiro semestre, essa relação superávit/exportações ficou em 8,8%, para um saldo de US$ 7,9 bilhões. Para eliminar a necessidade de cobrir as contas externas com investimentos em carteira (ações e títulos) do exterior, seria necessário que o superávit no período tivesse sido de US$ 19,5 bilhões, desempenho considerado "inexequível" pelo próprio ministério.

O documento propõe que, após fixado o "nível mínimo aceitável" para o saldo comercial (segundo sugere, no primeiro semestre deveria ter sido 14,3%), o governo adotaria medidas para elevar as exportações de forma a reduzir pela metade a necessidade de financiamento para as contas externas.

Numa clara oposição às intenções do Ministério da Fazenda, que tem proposto medidas de controle das importações no debate interno do governo, o MDIC argumenta, no texto, que a busca de um saldo comercial mais alto deve ser feita com iniciativas de estímulo às exportações, com "medidas estruturantes" - como redução de tributos sobre exportadores, simplificação de procedimentos burocráticos e políticas de incentivo à desvalorização do real.

Baseados no desempenho das exportações no primeiro semestre, os técnicos do ministério previam que as exportações teriam de ter crescido US$ 5 bilhões acima do resultado obtido entre janeiro e junho, ou 35% além do desempenho do mesmo período em 2009. No segundo semestre, o surpreendente desempenho das exportações elevou a previsão de exportações, de US$ 180 bilhões para US$ 195 bilhões, o que reduziria o esforço para obter o superávit maior - o número exato teria de ser recalculado pela equipe econômica.

O documento, concluído em julho, mesmo mês em que, coincidentemente, o Banco Central interrompeu a escalada de alta nas taxas de juros, toma partido no debate se há ou não desindustrialização no país argumentando que é evidente a "reprimarização" da pauta de exportações (predomínio de bens primários, como minério de ferro, soja e grãos). A desindustrialização não se caracteriza pela queda na produção física da indústria, que pode até aumentar, argumenta o estudo. "A característica fundamental do processo de desindustrialização é a perda relativa de dinamismo da indústria na geração de renda e emprego na economia", define o texto.

Para o ministério, a "reprimarização" ameaça o país desde 2007 e ficou evidente no primeiro semestre, quando a participação dos produtos manufaturados (máquinas, veículos, eletrodomésticos) no total das exportações foi de 40,5%, abaixo dos 43,4% da participação de produtos básicos - "composição que retrocede ao patamar de 2008", diz o documento.

Enquanto o Brasil exporta cada vez mais commodities (ferro, soja) do que importa, o comércio de produtos manufaturados segue tendência inversa, e passou, de um superávit em favor do país de US$ 4 bilhões em 1992, para um déficit de US$ 9,8 bilhões em 2007 - valor que subiu para US$ 30,5 bilhões só no primeiro semestre de 2010. O ministério prevê um "déficit histórico", até o fim do ano. A indústria de transformação, que chegou a um superávit recorde de US$ 31,9 bilhões em 2005, passou a ter mais importações que exportações a partir de 2008 e registrou um déficit de US$ 13,9 bilhões no primeiro semestre de 2010.

Setores de "baixa-média" tecnologia como os de têxteis, confecções e móveis, que mantiveram superávits comerciais até o começo da década, já têm déficits ou, como no caso de móveis e indústrias diversas, deverão ter saldo negativo até o fim do ano, prevê o MDIC. No caso de couro e calçados, as vendas de couro têm compensado o déficit no subsetor de calçados.

Outro exemplo da "deterioração" é o segmento de veículos automotores e equipamentos de transporte, considerado de média-alta e alta intensidade tecnológica e que passou de um superávit anual de, em média, US$ 9,1 bilhões entre 2004 e 2007 a um déficit de US$ 3,1 bilhões em 2009, que deve se elevar neste ano. O déficit no primeiro semestre já é maior que o alcançado em todo o ano 2000 por setores de intensidade alta e média-alta, que já eram deficitários, como o de máquinas de informática, elétricas e de comunicação, equipamentos médico-hospitalares, automáticos e de precisão e químicos e artigos de borracha.

Há uma "tendência estrutural de geração de déficits em importantes segmentos da tecnologia de transformação", nota o documento, que classifica essa tendência de "um sinal de alerta para uma possível vulnerabilidade da atividade econômica nacional e para as contas externas do país". Nos últimos três anos, as exportações aumentam a um ritmo inferior ao do crescimento do país e, na falta de medidas compensatórias, o câmbio influencia diretamente a perda de competitividade das vendas da indústria ao exterior, mostra o estudo. Já as importações aumentam acima do ritmo de crescimento da economia, ameaçando o saldo comercial, e os investimentos diretos já não são suficientes para cobrir as necessidade de financiamento do déficit nas contas externas totais.

É um cenário preocupante, "posto que reflete uma dependência de capitais de curto prazo, sujeitos a volatilidade e nervosismos dos agentes financeiros internacionais", alerta o ministério.


  Fonte: Valor Econômico

Aço importado entra no país custando até metade do nacional

 

 

A maior valorização do real em relação ao dólar ampliou a diferença de preço entre os produtos siderúrgicos oferecidos por fabricantes nacionais e os importados. Os setores importadores relatam que produtos como vergalhões, fio-máquina e aços longos chegam ao país, já colocados no mercado nacional, com o custo do frete e impostos já pagos, 40% mais baratos do que os oferecidos pela indústria doméstica.

José Velloso Dias Cardoso, diretor de mercado interno da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), diz que 40% é a diferença de preço quando se compara o aço longo brasileiro com o que vem da Europa. "Com outros países a diferença é maior. O preço do fabricante nacional chega a ser o dobro do aço chinês."

Com a diferença, as atenções se voltam ao fornecedor externo, seja de onde for. "Os grandes fabricantes de máquinas aumentaram a fatia de aço comprado do exterior e a importação só não é maior porque o fornecedor de fora ainda não é tão acessível às pequenas e médias empresas", diz Velloso.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) indicam que não é somente a indústria de máquinas que tem optado mais por fornecedores externos. De janeiro a setembro a importação brasileira de produtos siderúrgicos atingiu US$ 3,95 bilhões, quase o dobro dos US$ 2,06 bilhões desembarcados nos primeiros nove meses de 2009. Os produtos siderúrgicos representam 42,3% das importações totais do setor metalúrgico.

A indústria metalúrgica ainda tem superávit na balança comercial, mas o saldo positivo teve redução significativa este ano. Segundo dados do MDIC, o superávit do setor caiu de US$ 3,66 bilhões de janeiro a setembro de 2009 para US$ 689,7 milhões nos três primeiros trimestres de 2010. O setor metalúrgico foi responsável por 13% do aumento do déficit total da balança comercial da indústria de janeiro a setembro deste ano.

Segundo estimativas do Instituto Aço Brasil (IABr), que reúne fabricantes nacionais de aço, a taxa de penetração dos importados no consumo nacional de produtos siderúrgicos subiu para 20% de janeiro a agosto deste ano. Historicamente o índice varia entre 4% e 6%. Com a maior penetração do aço importado, o IABr tem levantado discussões sobre benefícios fiscais concedidos para a importação. A Secex mantém duas investigações em curso para pedido de medida antidumping. Uma é para prorrogar a aplicação da sobretaxa antidumping já existente para tubo de aço carbono originado da Romênia. O outro pedido é para aplicação do direito antidumping sobre laminados planos de baixo carbono e baixa liga vindos da Coreia do Norte, Coreia do Sul, Espanha, México, Romênia, Rússia, Taiwan e Turquia.

O IABr também chegou a questionar judicialmente a importação de vergalhões e pleiteou à Receita Federal a aplicação de mecanismos de valoração aduaneira para o desembaraço de produtos siderúrgicos. Importadores ouvidos pelo Valor não acreditam, porém, que a valoração atingirá volume considerável das importações. Procurado para comentar a diferença de preços entre os produtos siderúrgicos nacionais e os importados, o IABr não se pronunciou.

Rubson Lopes Nogueira, presidente da Cobraço, distribuidora de aço que representa a fabricante espanhola Celsa, diz que os preços dos produtos siderúrgicos no mercado internacional sempre foram mais atraentes, mas os fornecedores de fora ficaram mais acessíveis somente no cenário pós-crise.

"Quando os Estados Unidos e a Europa cresciam, os produtores de fora não se interessavam muito em vender aço em volumes menores", diz Nogueira. "Mas com a crise foi possível encontrar fornecedores de aço de qualidade que se dispunham a vender para nós e adequar-se às especificações técnicas exigidas pelo Brasil. Eles precisavam de novos mercados para tornar seu negócio viável."

No começo de 2009, conta Nogueira, a Cobraço começou a buscar parceiros para importação de vergalhão e fio-máquina, desembarques que se efetivaram somente este ano. Ele diz que o desembaraço de vergalhão chegou a ser alvo de ação judicial por parte do IABr, que questionou a certificação técnica do material importado. Nogueira não revela o volume de importação, mas diz que as compras do exterior devem continuar no próximo ano, com maior diversificação de produtos siderúrgicos. A Cobraço atualmente importa vergalhão para a construção civil e fio-máquina para pequenas e médias indústrias.

Segundo ele, no início do ano, a diferença de preço entre o produto nacional e o importado da Turquia e da Espanha chegava a 40%. Atualmente, diz, a diferença é menor, perto de 10%. "Não houve reajuste pelos fabricantes nacionais em julho e o preço de mercado caiu no segundo semestre", diz. Mesmo assim, diz, a Cobraço não pretende trocar imediatamente o aço comprado do grupo Celsa pelo fabricado no mercado interno. Para ele, é importante manter o canal das importações. "Se pararmos de importar, o preço do nacional vai voltar a subir."

O preço do aço medido pelo IGP-DI ainda acumula alta de 3,72% de janeiro a outubro deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra, porém, que a partir de junho o aumento de preços perdeu força e desde agosto apresenta variação negativa na ponta. O aço teve deflação de 0,38%, de 2,48% e de 1,51% nos meses de agosto, setembro e outubro, respectivamente.

Dentro do aço, alguns produtos específicos, como o vergalhão, por exemplo, tiveram quedas maiores de preços na ponta, o que faz a variação do ano ficar negativa em 3,18% no acumulado de janeiro a outubro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2009. As bobinas e chapas grossas de aço ou carbono, porém, somam ainda alta de 11,2% no acumulado até outubro, embora tenham tido queda de preço na ponta em setembro e outubro, de 3,08% e de 1,04%, respectivamente.

As variações medidas pelo IGP-DI, explica Quadros, refletem os preços do aço produzido no Brasil. Segundo ele, a redução de preços é resultado da pressão das importações no mercado interno. "Há evidências de que a demanda internacional de aço não está firme, o que resulta em queda de preços no mercado internacional." Essa redução, diz, combinada com o real valorizado em relação ao dólar, facilita as importações.

Também atraída pela redução de preço propiciada pelo câmbio, a Metal Mecânica Maia é um exemplo de como a importação de produtos siderúrgicos também está sendo realizada por empresas do próprio setor metalúrgico. A empresa fabrica tradicionalmente autopeças, além de estampados, aramados e gabinetes diversos.

Em 2009, a indústria, diz o seu diretor-administrativo-financeiro, Daniel Barreto, passou a produzir treliças, telas e vergalhões. Para isso, importou 10 mil toneladas de fio-máquina. Este ano, as importações de produtos siderúrgicos da metalúrgica somaram 35 mil toneladas distribuídas entre fio-máquina e vergalhões. A aposta numa nova linha de produção aconteceu como resultado de "uma convergência de fatores", diz Barreto.

A empresa, diz o diretor, opta por trazer fio-máquina da Turquia em vez de comprar no mercado interno em função da diferença de preço provocada pelo câmbio. No mercado interno, diz ele, a empresa pagaria perto de R$ 2,5 mil por tonelada do produto. A empresa importa por cerca de US$ 650 a tonelada.

Barreto diz que a nova linha demandou investimento. "Para se importar fio-máquina, por exemplo, é preciso comprar 3 mil toneladas para ser viável. Levando em conta o preço, já são US$ 2,1 milhões só para começar a brincadeira." Atualmente, porém, com o câmbio mais favorável, diz, alguns fabricantes têm conseguido compras em volumes menores por meio de tradings e distribuidoras. A importação da Metalúrgica Maia também foi alvo de ação judicial do IABr.

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