Com déficit estimado de 5.000 caminhoneiros, Portugal tem recorrido cada vez mais a profissionais estrangeiros, especialmente brasileiros, para assegurar seu sistema de transporte de cargas. Dados do setor publicados pelo "Jornal de Notícias" indicam que, no último ano, cerca de 2.000 caminhoneiros brasileiros foram contratados em Portugal, além de outros mil da Venezuela. A dificuldade para contratar esses motoristas -chamados de camionistas em Portugal- é tão grande que empresas oferecem bônus para o recrutamento no exterior.
Acostumada a cruzar a Europa transportando toneladas em carga, Patrícia Barreira, 43, conta que "não sabia nem dirigir um carro" quando estava no Brasil. "Trabalhei em loja, fábricas, e só depois fui conhecendo brasileiros que eram camionistas aqui. Eles começaram a falar para eu e o meu marido tentarmos", conta. Patrícia destaca a remuneração e a segurança como aspectos positivos, embora a rotina de trabalho seja puxada. A curiosidade dos conterrâneos com a profissão acabou transformando Patrícia e o marido em youtubers. A dupla alimenta um canal em que relata o dia a dia na estrada, com vídeos que passam de 500 mil visualizações.
O déficit de caminhoneiros profissionais em Portugal deve-se a uma conjunção de fatores, especialmente salariais. Enquanto a remuneração base no país é de 630 euros (cerca de R$ 2.800), o valor mais do que dobra em outros vizinhos europeus, como França e Alemanha. Valendo-se da mobilidade no espaço europeu, muitos portugueses optam por trabalhar em outros países. Além disso, há um forte envelhecimento do setor e dificuldade de atrair jovens para a carreira atrás do volante.A idade mínima de 21 anos, prevista em lei, também é outro fator problemático para o setor, "um hiato temporal indesejável entre o fim da escolaridade obrigatória e a possível entrada na profissão", afirma a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, que congrega mais de 200 empresas do setor.
Além de falarem a mesma língua, os brasileiros contam com outra vantagem: um convênio bilateral permite converter a carteira de habilitação brasileira em carta de condução portuguesa. O benefício, no entanto, é válido apenas para brasileiros que comprovem residência legal em território português. Para carros e motos, a troca é simples. No caso de veículos pesados -categorias C e D-, é necessário um curso adicional, exigido em toda a União Europeia. A formação varia entre 30 e 140 horas, dependendo do tipo e do tempo de habilitação do condutor.
Na vizinha Espanha, por exemplo, a conversão da CNH é um pouco mais burocrática, e os solicitantes das categorias C e D precisam fazer até um novo exame que ateste a capacidade de condução. As exigências para a atuação no mercado europeu -que obedece rígidas regras de segurança e regulamentação- frustram motoristas que chegam a Portugal sem a documentação adequada. É o caso de um jovem de Goiás, de 26 anos, que pede para não ter o nome revelado. Caminhoneiro no Brasil, ele embarcou há dez meses com a mulher e o filho de dois anos para Portugal, motivado por relatos de sucesso em redes sociais. Em situação irregular no país, o caminhoneiro ainda não conseguiu a carteira de motorista europeia. Segundo ele, a ideia de que as empresas estão desesperadas por contratar é ilusória. Haveria, sim, demanda, mas só para quem tem toda a documentação e o visto em dia.
Em grupos de caminhoneiros nas redes sociais, alguns portugueses se queixam da presença dos estrangeiros. Para eles, os novos motoristas desvalorizam a profissão ao aceitarem salários baixos.