Após mais de dois anos de recessão e com os fretes achatados, os transportadores de cargas precisam “se virar nos 30” para sobreviver. Além de cortes de despesas, as empresas de transporte e os caminhoneiros estão tomando medidas para buscar o máximo de eficiência com o mínimo de frota. No setor de grãos, um implemento que começou a ser usado em 2013 está ganhando mercado com a crise econômica: a carreta LS com quatro eixos.
As fábricas não produzem o implemento. Quem quiser, tem que mandar instalar o quarto eixo isolado do tandem triplo numa oficina. Com ele, o PBTC da configuração, que pela portaria 63/09 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) era de 48,5 toneladas, passa a 58,5 toneladas (cerca de 39 toneladas líquidas). Ou seja, 1,5 tonelada a mais que o bitrem de sete eixos. Além de ser composta por apenas um implemento, a combinação tem a vantagem de não exigir cavalo 6×4 – pelo menos na visão de quem a está adotando.
Só que a inclusão desse quarto eixo abre uma polêmica parecida com a que ocorreu em 2012, com a transformação dos sete-eixos em bitrenzões (de nove eixos): a medida é legal ou não? Transportadores têm recorrido à Justiça e obtido liminares para trafegar com os quatro eixos. Ou seja, pelo menos até que os juízes analisem o mérito dos processos, eles estão seguros.
A reportagem teve acesso a uma liminar emitida recentemente no Paraná, na qual o juiz aceitou o argumento de que a inclusão do quarto eixo constava do Certificado de Registro e Licenciamento da carreta. E escreveu que a inclusão “aparentemente é regular”.
Guilherme Novakowski, diretor comercial da Germani Implementos, de Maringá, tem feito a transformação das LS. Para ele, trata-se de uma configuração que vai “explodir” no mercado. Na Germani, o serviço custa R$ 20 mil. Segundo Novakowski, a alteração tem respaldo numa resolução do Contran, a 292, que trata de modificações de veículos.
Ele ainda argumenta que a carreta de quatro eixos é menos prejudicial ao pavimento que a vanderleia legalizada pelo Contran.
Segundo o diretor, a polícia rodoviária “acata” a carreta de quatro eixos e só discorda do PBTC. “Nós dizemos que são 58,5 toneladas e eles dizem que são 54,5 toneladas”, afirma. Ele também cita a norma técnica 007 da PRF, de 2015, como prova de que o implemento é legal. O documento “suspende e relativiza a fiscalização” do quarto eixo em caminhão e semirreboque.
Por meio da assessoria de imprensa, no entanto, a PRF informou à Carga Pesada que “a configuração em questão não é reconhecida”. Mesmo assim, sustenta que a norma técnica permanece em vigor e que a fiscalização continuará suspensa “até que o órgão máximo normativo e consultivo de trânsito emita manifestação conclusiva sobre o tema”.
Também pela assessoria de imprensa, o Contran afirmou que a configuração “não é contemplada” pelas suas regulamentações e tampouco pela portaria 63/2009, cujo anexo tem todos os desenhos de combinações permitidas no País. Mais: segundo o Contran, pela resolução 373/11 é necessário haver tração 6×4 para qualquer veículo com PBTC igual ou maior que 57 toneladas.
Vale ressaltar que o Dnit autoriza carretas de quatro e até seis eixos para o transporte de cargas indivisíveis, mas não de carga comum.
Neuto Gonçalves dos Reis, diretor Técnico Executivo da NTC&Logística e membro da Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Contran, foi curto e grosso quando falou com a Carga Pesada sobre a carreta de quatro eixos: “É ilegal”. E completou: “Ela é curtinha. Concentra muita carga nas pontes. Tem uma série de problemas. Aqui no Brasil fazem tudo errado para forçar a legalização depois”.
Além disso, afirmou que a transformação dessas carretas não traz vantagem nenhuma para o transporte de carga. Pelo contrário: “Quanto mais carga leva, menor o frete por tonelada”.
O superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Maringá (Setcamar) e coordenador da Câmara do Agronegócio da NTC&Logística, Geasi Oliveira de Souza, diz o mesmo: “Quanto mais carga colocamos nos nossos veículos, mais desvalorizado fica o frete. E isso só piora a situação num momento em que estão sobrando caminhões no mercado”. Para ele, não é “inventando novos implementos” que o setor irá superar a crise.
A Carga Pesada voltou a fazer contato com o Contran para repercutir a liminar concedida no Paraná e também para perguntar por que os Detrans emitem os documentos da carreta, se ela é considerada ilegal. A resposta veio cheia de evasivas: Sobre a liminar, o órgão respondeu: “A competência para se manifestar sobre processos judiciais é da AGU (Advocacia Geral da União)”. Quanto ao motivo da expedição de documentos de veículos tidos como irregulares, a assessoria disse que a pergunta deveria ser feita aos Detrans. Acontece que os certificados de segurança veicular (CSV) são emitidos pelo Denatran. Sem os CSVs, os Detrans não liberariam as carretas.