Para analistas, a redução das mobilizações pode ser explicada por uma combinação de fatores que inclui a perda de receitas dos sindicatos com a reforma trabalhista; o clima de temor entre servidores públicos diante da retórica inflamada do governo contra a categoria; o pessimismo com relação à possibilidade de vitória diante da situação fiscal em todas as esferas administrativas; além da atividade econômica fraca e o desemprego elevado.
Considerando anos fechados, o país registrou seu maior número de greves em 2016, quando foram realizadas 2.114 paralisações. Desde então, os movimentos paredistas têm diminuído, indo a 1.568 em 2017 e 1.435 em 2018. Para Rodrigo Linhares, técnico do Dieese, a queda no primeiro semestre é parte desse movimento maior, que seria uma “volta ao normal”, após um pico que destoou da média histórica.
Mas essa não é toda a história, já que a retração registrada neste início de ano é maior do que aquelas do ano fechado de 2017 (-26%) e 2018 (-7%). Além dessa queda bastante mais aguda, no primeiro semestre, as greves do setor privado superaram em número as do setor público, invertendo a tendência registrada nos últimos cinco anos.
“A agressividade do governo Bolsonaro com relação ao funcionalismo – que tem respaldo social – introduz um elemento de precaução, em meio à ameaça de fim da estabilidade e possibilidade de redução de salários e demissões”, diz o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto. “A redução das greves é resultado de uma pressão que tem dado certo.”
Para Linhares, a menor mobilização dos servidores também pode ser resultado de um cálculo político. “O ânimo de greve tem muito a ver com a expectativa de que o movimento pode trazer algum benefício, porque a greve é sempre um risco”, afirma. “Talvez a crise fiscal esteja produzindo um desânimo, uma avaliação de que não vale a pena arriscar num momento em que o ganho não é plausível.”
Na esfera pública, as greves do funcionalismo somaram 236 no primeiro semestre deste ano, contra 481 um ano antes. Já as paralisações em estatais diminuíram pela metade, para 22.
Os servidores municipais, como de costume, realizaram o maior número de greves do funcionalismo (172, ante 347 no primeiro semestre de 2018). Nessa esfera, as greves da educação recuaram de 176 para apenas 72, e as paralisações da saúde caíram de 56 a 18.
Para Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), um dos fatores que podem explicar o menor número de greves de professores municipais neste ano é o fato de que o reajuste do piso do magistério, estabelecido pelo Ministério da Educação, foi de apenas 4,17%. Como o percentual serve de parâmetro para as negociações salariais municipais e o valor foi baixo para os padrões históricos, mais municípios podem ter aplicado o percentual, evitando protestos.
“Geralmente a greve ocorre por falta de negociação ou quando é proposto um percentual abaixo da referência, que é a lei do piso”, explica Araújo. Outro fator, diz ele, é o temor da categoria diante do governo Bolsonaro. “O professor está sendo tratado como inimigo e isso coloca medo.”
Na esfera privada, as greves somaram 268 no primeiro semestre, contra 369 um ano antes. O setor de serviços ganhou peso nas mobilizações, indo de 73% para 78% do total dessa esfera.
“A greve na esfera privada cai em menor velocidade do que no setor público, porque, entre os trabalhadores de serviços e os terceirizados, principalmente, há muita greve de funcionários que estão com meses de salários atrasados”, diz Linhares. Ele explica que, nesse tipo de situação extrema, o desaquecimento do mercado de trabalho e o desemprego elevado têm menor peso na decisão de parar. O atraso de salários motivou 56% das greves do setor privado no primeiro semestre.
Pesou ainda sobre a mobilização o fim da contribuição sindical obrigatória, estabelecido pela reforma trabalhista em vigor desde novembro de 2017. Segundo dados do antigo Ministério do Trabalho, a arrecadação da contribuição sindical urbana caiu de R$ 3,65 bilhões em 2017 para R$ 500,1 milhões no ano passado, um recuo de 86%. “A reforma trabalhista tirou recursos das entidades. Assim como não há almoço grátis, não há greve grátis”, diz Vargas Netto.
Importantes categorias profissionais têm data-base na segunda metade do ano. É o caso, por exemplo, de metalúrgicos, bancários e químicos. Os metalúrgicos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) de São Paulo têm data-base em 1º de setembro e, com cláusulas sociais garantidas até agosto de 2020, negociam a pauta econômica.
Segundo Luiz Carlos da Silva Dias, presidente da Federação dos Sindicatos de Metalúrgicos da CUT-SP, as negociações correm normalmente e a expectativa é que possam ser concluídas ainda neste mês. Já os bancários de São Paulo fecharam ano passado convenção coletiva com validade de dois anos e, portanto, não sentam à mesa de negociações neste ano.
Com data-base em 1º de agosto, os trabalhadores dos Correios pararam na quarta passada. A categoria pede reposição da inflação nos salários, manutenção do plano de saúde e é contrária à privatização da estatal. Na quinta, a Justiça determinou a volta ao trabalho de ao menos 70% dos funcionários. O dissídio coletivo vai a julgamento em 2 de outubro.
“Pode ser que este semestre venha a alterar a proporção da queda observada na primeira metade do ano”, diz Linhares, do Dieese. “Há datas-base importantes e a saída de professores do recesso.”
Vargas Netto é menos otimista. “Não há nenhuma indicação de retomada forte do emprego, os efeitos da reforma trabalhista vão continuar se acumulando, além da dificuldade de mobilização”, lamenta. “Este ano, do ponto de vista sindical, deve ser o pior desde a Nova República.”