Dia 27/09/21, aqui mesmo neste Portal, escrevi um artigo (“Investimentos em infraestrutura: fundamentais e imprescindíveis para o Brasil”) que realçava a necessidade de se tomar concretas providências “para que se aumentem os níveis de investimentos voltados à retomada do crescimento econômico, condição imprescindível para a geração de empregos e de rendas e, portanto, fundamental para a manutenção das estabilidades política e social do País”.
Quanto a isso, considerando-se às inúmeras opiniões daqueles que analisam de forma isenta a situação econômica brasileira, parece não haver qualquer discordância.
Assim como não parece haver dúvidas que, diante dos cenários econômicos vislumbrados para o Brasil no futuro breve, ainda convivendo com a pandemia, quase todos foram desenhados com base em expectativas de baixo crescimento do PIB, principalmente quando se compara com as necessidades do País ou com o desempenho mundial esperado. O FMI projeta crescimento do PIB mundial próximo dos 5,9% em 2021 e 4,9% em 2022. Para o Brasil, respectivamente, os percentuais são de 4,9% e 1,0%.
Consequentemente, mesmo considerando que os impactos correspondentes tenham graduações diferentes, dependendo do segmento produtivo analisado, todas as empresas terão seus “dias difíceis” e a consequência disso obrigará que se busquem, cada vez mais, rentabilidade e preservação de suas posições de mercado.
Está claro que incorporar o conceito ESG (Environmental, Social and Governance) à estratégia empresarial será fundamental, pois não há dúvidas que as questões sociais, ambientais e de governança terão cada vez mais importância, não só para o desempenho do momento, mas também para a garantia de que os acionistas, na medida em que veem seus investimentos agregando valores, estarão dispostos não só a mantê-los, mas também a ampliá-los.
Não há dúvidas que a maximização do valor das empresas, agora e no futuro, é objetivo empresarial indiscutível, posto que isso está diretamente ligado à responsabilidade que cada uma dessas empresas tem com seus clientes, funcionários, fornecedores, acionistas, comunidades e sociedade como um todo.
Digitalização, inovação, renegociação de contratos, treinamento e capacitação da mão de obra, por exemplo, fazem parte do receituário da maioria quando se busca aumento de produtividade e redução de custos, assim como a melhoria no atendimento a clientes e suas correspondentes cadeias de suprimentos e aumento na eficiência dos processos operacionais são itens imprescindíveis quando se quer manter posições de mercado.
É de se depreender que essas exigências, cada vez mais, e como já vem ocorrendo há algum tempo, coloquem a logística em posição estratégica e de essencialidade, caso se queira que esses objetivos sejam alcançados.
No entanto, e como já registrado diversas vezes, especificamente no caso brasileiro, a ainda precária e insuficiente infraestrutura logística continuará forçando para cima os custos operacionais correspondentes. Sabe-se que custos altos e operações logísticas de baixa qualidade comprometem, sempre, desempenho econômico e empresarial (1) de qualquer sociedade.
Os resultados produzidos diante dessa situação, em um país como o Brasil, são constatados diante de fatos indiscutíveis, tais como: dimensão irrisória da estrutura logística, se comparada com o tamanho do país, queda contínua dos volumes investidos, se comparados com o que é necessário, matriz de transporte dependente demasiadamente do modal rodoviário e qualidade operacional aquém de algumas das principais exigências mínimas (2). Todos aqueles que direta ou indiretamente necessitam da logística para realizar seus negócios, diariamente percebem seus impactos.
Apenas como ilustração, já em 2014, Armando Castelar e Cláudio Frischtak coordenaram e organizaram o livro “Gargalos e Soluções na Infraestrutura de Transportes” (Editora FGV), no qual descreveram, de forma clara, detalhada e objetiva, os graves problemas da infraestrutura nacional (transporte, saneamento, telecomunicação e energia elétrica), bem como os principais fatores para sua modernização. Outras publicações respeitáveis tem estimado, inclusive, a necessidade de planos de investimentos que superem o R$ 1 trilhão como único caminho para que, num período que varia entre dez e quinze anos, o Brasil tenha uma infraestrutura de transporte compatível com as condições mínimas esperadas de um País que precisa aumentar a competitividade (3) de seus produtos e serviços.
Como comentei no artigo aqui já citado, atualmente o Brasil não está investindo sequer o necessário para repor o capital gasto, fazendo com que se “perca” parte da infraestrutura instalada. Investe-se hoje no País, cinco vezes menos do que se investia há 40 anos (4).
Considerando-se que a demanda por transporte de cargas em 2035 deverá ser aproximadamente 45% maior do que aquela realizada em 2015 (5), não há dúvidas que o Brasil precisa realizar esforços concretos para se colocar em prática, os diversos planos e projetos de desenvolvimento da infraestrutura logística já elaborados, sendo fundamental que sejam de “Estado”, de tal forma que qualquer governo de plantão, e sob quaisquer circunstâncias, execute-os.
Mesmo considerando o razoável sucesso do atual Ministério da Infraestrutura (6), atrevo-me a fazer algumas observações que podem ajudar na consecução do que aqui se propõe. Por exemplo:
1º) Restabelecer a capacidade de planejamento integrado que contemple, de fato, toda a cadeia logística nacional, e definir a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), uma vez que existe para essa finalidade, como única empresa estatal responsável para organizar, estruturar e qualificar o planejamento integrado da infraestrutura e da logística no Brasil.
2º) Evitar a sobreposição de funções institucionais, eliminar os conflitos de gestão e definir de forma racionalizada o papel de cada um.
3º) Transformar o PNL (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2025 (7)), ou outro que se queira elaborar, em real instrumento de institucionalização de um processo contínuo de planejamento, integrando todas as políticas pertinentes.
4º) Integrar os modais de transporte e as cadeias produtivas, respeitando as vocações regionais e o meio ambiente, de tal forma e estimular a multimodalidade.
5º) Dadas as circunstâncias políticas e econômicas do momento, que limitam ou pelo menos contingenciam os recursos públicos, estabelecer instrumentos para atrair a iniciativa privada nos investimentos de infraestrutura logística, considerando que são exigidos não só retornos sobre os investimentos, mas regras e normas claras.
6ª) Estabelecer políticas que direcionem os investimentos em infraestrutura de transporte rumo ao “carbono zero”, pois sem dúvida, uma das grandes preocupações mundiais é o cuidado com a proteção do meio ambiente e da sustentabilidade (8). Ferrovias e hidrovias não só contribuem para a elevação dos níveis de serviço e a diminuição de custos, como também a emissão de GEE (9).
7ª) Promover, em toda a infraestrutura de transportes existente, melhorias nas condições para permanência daqueles que trabalham no setor, mais notadamente os “caminhoneiros”, considerando ser imprescindível maiores cuidados com a saúde e a segurança das pessoas, principalmente diante das possibilidades, cada vez maiores, da ocorrência de pandemias como a atual.
É preciso, portanto, definir os novos papéis institucionais dos diversos órgãos que “discutem e planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país, como única forma de cortar o mal pela raiz, isto é, combater os entraves à modernidade, tais como a fragmentação dos núcleos de gerenciamento e decisão, a desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, a politização dos cargos nas agências, ministérios e departamentos técnicos, as indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios, e a falta de políticas claras de investimentos e suas correspondentes garantias.
É necessário também, que as “agências reguladoras” desempenhem um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, mais complexa operacionalmente e que exige novas relações com as concessionárias. Estas, por sua vez, precisam oferecer, além de tarifas justas, maior qualidade nos serviços prestados.
Em resumo, depois de décadas de paralisia, o Brasil já passou pela fase de discussão e conhece as principais causas que mantêm o chamado “custo logístico” como um dos entraves ao desenvolvimento. Tratado como prioridade, o investimento em infraestrutura logística e de transportes, no qual o incentivo à multimodalidade tem lugar certo, deverá, e muito, ampliar as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País. Urge transformar planos e projetos em realidade.
(1) “Num prazo mais longo, o crescimento econômico somente poderá ser mantido e sustentado quando as condições econômicas e sociais estimularem investimentos significativos em todos os setores, cujas carências mais se apresentam. É preciso priorizar. E nessa priorização, sem dúvida, além de itens como educação, saúde e segurança, há que se colocar como um dos grandes objetivos a serem alcançados, os investimentos na infraestrutura logística”, foi o trecho de artigo publicado na Revista Mundo Logística nº 39 (“A Política Econômica e a Infraestrutura Logística”).
(2) Analisemos apenas quatro exemplos: (a) enquanto temos 213 mil km de rodovias pavimentadas, os Estados Unidos têm 4,5 milhões de km; (b) EUA têm 225 mil km de ferrovias e o Brasil tem 30 mil km; (c) o Brasil tem 34 km de dutos e os norte-americanos operam com 2840 mil km; (d) Hidrovias: Brasil 14 mil km e EUA 41 mil km (Dados publicados pelo ILOS no Fórum Internacional de Logística de novembro.21).
(3) De acordo com o Global Infrastructure Outlook, até 2040, mais de US $ 2 trilhões anuais serão necessários, em todo o mundo, de investimentos em infraestrutura de transporte para que se alcance níveis de desenvolvimento econômico desejados.
(4) “Estudos de Cláudio R. Frischtak e João Mourão (InterB Consultoria Integrada), publicados em 24.05.21, mostram que os investimentos público e privado, especificamente em transportes (rodoviário, ferroviário, mobilidade urbana, aeroportos, portos e hidrovias), que representaram 2,36% do PIB brasileiro na década de setenta (do século passado!), alcançaram apenas 0,56%, 0,53%, 0,45% e 0,42%, respectivamente, nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Não estamos investindo nem sequer para repor o capital gasto, o que faz com que nosso “estoque” de infraestrutura de transporte, ainda segundo dados da InterB, que já representou 21,4% do PIB na década de oitenta, agora em 2020 chegou a apenas 11,7%! Estamos investindo cinco vezes menos do que investíamos há 40 anos e, exatamente por isso, “perdendo” infraestrutura.
(5) “Diagnóstico e projeções para infraestrutura de logística de transporte no Brasil”, elaborado pela Fundação Dom Cabral (Novembro de 2018). Medidos em TKU, a demanda de transportes de 2015, equivalente a 1,65 trilhões de TKU, deverá alcançar, em 2035, 2,39 trilhões de TKU.
(6) “Quando se tem propósitos, espírito público e conhecimento, mesmo em governos ruins é possível realizar algo de bom” foi o artigo publicado aqui no site da Logweb dia 18/01/21.
(7) As propostas do PNL (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2025) tem como objetivos, modernizar e integrar os diversos modos de transporte de forma a atingir maior efetividade dos investimentos na infraestrutura e contribuir com o desenvolvimento de um sistema inovador e eficiente para movimentação de cargas no país. Aliás, também está proposto no PNL, elaborado pela EPL (Empresa de Planejamento e Logística), “identificar e propor, com base no diagnóstico de infraestrutura de transportes, soluções que propiciem condições capazes de incentivar a redução dos custos, melhorar o nível de serviço para os usuários, buscar o equilíbrio da matriz, aumentar a eficiência dos modos utilizados para a movimentação das cargas e diminuir a emissão de poluentes”.
(8) “Feito para durar: fazendo da sustentabilidade uma prioridade na infraestrutura de transporte” – McKinsey, 01/10/21 (Emma Loxton , Luca Milani, Detlev Mohr e Nicola Sandri): “A preocupação com a sustentabilidade tem feito com que os responsáveis pela infraestrutura de transportes também se ocupem com a redução dos impactos ambientais correspondentes, de tal forma que se exige a incorporação de “práticas, conceitos e métricas de sustentabilidade em cada estágio do ciclo de vida da infraestrutura de transporte. Antes de os empreiteiros começarem a melhorar a infraestrutura atual ou iniciar a construção e construir aeroportos e portos, abrir novos trilhos ferroviários e pavimentar novas estradas, é fundamental que as partes interessadas trabalhem juntas para conceber maneiras de transformar a construção de infraestrutura para se tornar mais sustentável. O setor de transporte é o maior contribuinte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na União Europeia, sendo responsável por cerca de 28 por cento do total das emissões. Ao contrário de muitas outras indústrias que estão gradualmente tomando medidas para reduzir significativamente suas emissões, o setor de transporte continua a reportar cerca de 0,8 por cento de crescimento em toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 e) a cada ano, com carros de passageiros sendo responsáveis pela maior parte”.
(9) Não há dúvidas que para que se alcance os três objetivos mais desejáveis do mundo atual (crescimento econômico, diminuição da pobreza e futuro sustentável) serão necessários níveis altíssimos de investimento. A Agência Internacional de Energia, por exemplo, estima que serão necessários investimentos de US$ 5 trilhões por ano, até 2030, e mais US$ 4,5 trilhões por ano, até 2050, para que se alcance emissões líquidas zero. E mais: investimentos adicionais necessários para a descarbonização na agricultura, transporte e outros setores podem quase dobrar a conta (“Nossas futuras vidas e meios de subsistência: sustentável e inclusivo e crescente” – Estudo da McKinsey de 26/10/21 – Bob Sternfels , Tracy Francis , Anu Madgavkar e Sven Smit).