Setor privado critica ‘apagão das canetas’, em que gestores têm receio de processos
Falta de previsibilidade, licenças ambientais demoradas, mudança de regras, agências reguladoras fracas, ambiente de negócios hostil. Estes são problemas tradicionais dos investidores que decidem aplicar recursos em projetos públicos no Brasil. Na visão de especialistas, porém, há um entrave ainda maior: o chamado “apagão das canetas”. Na prática, significa que os gestores públicos, em vários níveis, têm medo de serem responsabilizados jurídica ou criminalmente por assinarem documentos que liberam, por exemplo, a duplicação de estradas.
— O TCU (Tribunal de Contas da União) poderia apenas fazer recomendações. Mas, hoje, atua como agência reguladora de segunda instância. Olha a insegurança jurídica disso — afirmou o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovia (ABCR), César Borges. — A agência faz as contas, diz quanto tem de ser o reequilíbrio de um contrato. E aí o TCU fala: não, isso não. O gestor da agência, portanto, não quer se pronunciar porque, se tomar uma decisão, tomará uma multa enorme ou ficará inapto por oito anos. É a infantilização do agente público.
O próprio Borges passou por situação semelhante quando era ministro dos Transportes, lembrou o repórter do Valor Daniel Rittner, um dos mediadores do evento. Em 2013, Borges assinou uma orientação, enviada à Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT), para avaliar a possibilidade de um aditivo contratual para a concessionária responsável pela estrada entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora (MG). Ele recomendava a duplicação da rodovia e o reequilíbrio do contrato por causa do gasto extra da concessionária. Após essa recomendação, a Justiça Federal em Petrópolis mandou bloquear as contas bancárias pessoais de Borges para investigação.
Especialistas criticam ingerência política nos órgãos reguladores
Na visão do secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, que já foi membro do TCU, é necessário um “pacto entre os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)” para destravar a infraestrutura.
— Não dá pra negar que há receio de técnicos de assinar documentos — admitiu.
Para Borges, as agências ficam sempre “a reboque do que o Tribunal vai decidir”.
O ex-ministro assegura que as empresas querem investir. O problema, diz, é que o setor público não sabe direcionar. Ele criticou ainda a negociação feita pelo governo federal com os caminhoneiros, ao cancelar a cobrança de pedágio dos eixos suspensos sem compensação para as concessionárias. Segundo Borges, fatos como esse “tiram a atratividade do investimento”.
Proteção ao funcionário
David Díaz, diretor-presidente da concessionária de rodovias Arteris, concordou com a avaliação de Borges. Mas lembrou que, sempre que há um problema em um projeto, a iniciativa privada culpa o TCU, enquanto o Tribunal considera que o erro é da agência reguladora, e esta aponta a empresa. É nessa ciranda sem saída que surgem os atrasos, afirmou Díaz.
— Na empresa privada, se não tomarmos decisão, nada acontece. Temos de incentivar que o funcionário público tome decisões, e ele tem de ser protegido e defendido. Claro que o TCU pode discutir se procede ou não procede, mas, muitas vezes, eles querem entrar na quarta casa decimal, e aí o debate não acaba nunca.
Procurado, o TCU não comentou a expressão “agência reguladora de segunda instância”. Mas apontou que, em duas auditorias operacionais em órgãos reguladores, em 2009 e 2013, constatou a “baixa transparência do processo decisório” e “ocupação prolongada dos cargos vagos por interinos, o que fragilizava a autonomia decisória”. Em nota, o TCU afirmou que “não pode ser omisso quando verifica a ocorrência de ilegalidade ou ilegitimidade na gestão e no uso de recursos públicos e deve cumprir seu papel constitucional de executar as sanções previstas em lei.”