Compreender a ciência econômica, em sua essência, sempre foi indispensável. Agora mais do que nunca!

Publicado em
10 de Agosto de 2022
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Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes* – 10 de agosto de 2022
 
Tenho ficado desanimado e razoavelmente desiludido, pois a complexidade dos problemas nacionais, quiçá de todo o mundo, é de tal ordem e envergadura que exigiria um conjunto de soluções políticas, econômicas e sociais, muito mais profundas e estruturais do que se tem visto nas discussões que se apresentam atualmente. Mais notadamente no Brasil. 
 
Talvez por ignorância, desconhecimento, imprecisão histórica ou até mesmo má-fé, a abordagem, quase sempre feita a partir de premissas irreais e incorretas, tem resultado em diagnósticos superficiais, no mínimo incompletos, e que não atingem sequer o cerne das questões. E com diagnósticos mal feitos passa-se “ao longe” das efetivas e concretas soluções. 
 
Esses não são, evidentemente, problemas novos, tanto que fui ‘levado’, já em 2016 e em 2019, a escrever dois artigos que tratavam, direta e indiretamente, desses temas. O primeiro, publicado no site do Guia do TRC (05.07.16), tinha o seguinte título: “A Ciência Econômica, por ser uma ciência social, jamais poderá ser exata”. O outro, “Mais economia e menos finanças”, foi publicado no site da Tecnologística dia 30.01.19. 
 
Pois bem, considerando que a crise dos últimos anos tem sido agravada e o momento atual está ainda mais complicado, volto ao assunto, pois “meu desânimo e minha razoável desilusão” ainda se mantêm. 
 
O objetivo daqueles textos era demonstrar, simplificadamente, que a ciência econômica é meio cujo fim maior pode ser resumido pela busca do bem estar universal da sociedade no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades básicas (pelo menos) de bens econômicos e serviços. Implícito está, portanto, criar condições para que todos os cidadãos, além de participarem do processo de produção também participem, via justo processo de distribuição, do respectivo consumo. E mais, que as classes dirigentes, a partir e principalmente do próprio governo, uma vez compreendidos os fenômenos econômicos do mundo real, no qual as imperfeições de mercado estão presentes, e das leis ou teorias formuladas, têm totais condições para desenvolverem e estabelecerem, via Programas e Políticas Econômicas, normas de comportamento que busquem respostas eficazes para os problemas econômicos existentes na sociedade. 
 
Conclui-se, ao contrário do que se possa pensar, que a ciência econômica não é uma ciência na qual se fazem previsões desconsiderando a realidade e nem tampouco o que sugerem ou propõem, sem a devida compatibilidade, as diversas correntes de pensamento econômico. Na verdade, através da utilização de instrumentos apropriados, tais como a estatística, a econometria, a matemática ou a contabilidade, são reunidos os dados e as informações reais para, juntamente com os valores filosóficos, morais e éticos aceitos pela sociedade, construir a Teoria Econômica e estabelecer a correta compreensão dos fenômenos econômicos analisados (campo da Economia Descritiva). E, à partir daí, desenharem cenários futuros (projeções) que, uma vez comparados com o que se quer e deseja, poderão exigir as respectivas normas de comportamento (Economia Normativa). 
 
Vale ressaltar que por melhores que sejam os instrumentos de análise, projeção e elaboração dessas políticas, somente no futuro, composto por uma infinidade de variáveis, conhecidas ou não, sujeito a interferências diversas, humanas ou não, racionais ou não, é que se poderá comprovar se as projeções e os cenários desenhados estavam corretos e representavam, de fato, a realidade econômica analisada.
 
Em texto intitulado “A miopia ideológica” (revista Veja de 27.01.16), Philip Tetlock, escreveu que “previsões funcionam como a visão humana: quanto mais longe se tenta enxergar, menos nítido será o cenário, menos precisão se terá dos detalhes”, e que “as previsões são inevitáveis porque sempre que alguém toma uma decisão – seja ela pessoal, política ou econômica – leva em conta quais serão as suas consequências”.
 
É fundamental, portanto, compreender que previsões ou desenhos de cenários futuros no ramo da economia, quando feitos por profissionais, não são – ou não deveriam ser – apostas, como comumente se fazem no momento de se escolher números da loteria, pois não se trata de sorte ou azar. Cenários de futuro ou previsões elaboradas no campo das ciências econômicas (1), por exemplo, são feitas com base em premissas estudadas e detalhadamente analisadas e considerando as condições (não só econômicas, mas humanas, políticas e sociais) do momento da análise. Um grande erro que se pode cometer, por exemplo, é acreditar que os agentes econômicos agem racionalmente e os mercados operam de forma eficiente sem quaisquer interferências governamentais. Aliás, como se fazia antes das crises macroeconômicas mundiais mais recentes, e muito por força da crença no pensamento “econômico clássico ou tradicional”. 
Parece evidente, portanto, que previsões econômicas ou projeções de desempenho empresariais de longo prazo, entre tantas outras, correrão riscos de não acontecerem como esperado, diante da provável possibilidade de sofrerem alterações nas condições, nas premissas assumidas ou mesmo em face de medidas, procedimentos ou normas de conduta adotadas.
 
Por outro lado, e como se sabe, nos milhares de livros já publicados, mesmo diante de formas diferentes de se conceituar, uma característica comum, embora com algumas contestações (2), é a aceitação de que o conjunto de estudos que se faz sobre os fenômenos econômicos de qualquer sociedade, seja classificado como uma ciência. Outra característica aceita é a de que esse conjunto de estudos refere-se a uma ciência social e, como tal, relacionada ao comportamento da sociedade, em geral, e do ser humano em particular, com todas as características inerentes, entre elas, a da irracionalidade de seus atores durante o processo de tomada de decisões. 
Consequentemente, ao se ter essa compreensão, isto é, da essência da ciência econômica (“ciência social que estuda a produção, a organização e a distribuição de bens econômicos e serviços”), percebe-se que ela não pode estar limitada somente à busca da eficiência produtiva, principalmente quando for em detrimento de outros objetivos tão importantes quanto, valendo relembrar, enfaticamente, o quanto imprescindível é que se busque a melhor forma de distribuir a produção dos bens e serviços produzidos, posto que é essencial manter cidadãos justa e corretamente recompensados, seja como consumidor, seja como produtor. Como escrito anteriormente, irracionais muitas das vezes, mas atores fundamentais da economia. 
 
À partir desse entendimento (o ‘comportamento’ do ser humano (3), em todas as suas características, tem importância fundamental no ‘comportamento’ da sociedade, incluindo-se aí, a própria economia), é de se imaginar já ter passado o tempo no qual os estudos econômicos consideravam, quase que exclusivamente, premissas que tinham como base a racionalidade do ser humano nas decisões relativas às atividades econômicas. “Quem manda é o Espírito Animal” (4).
Em 2019, na revista ‘Foreign Polity’, Fareed Zakaria, jornalista e apresentador de uma programa na CNN, escreveu um artigo para questionar o fato de que em assuntos econômicos não deveríamos considerar os seres humanos como atores racionais, posto que eles raramente agem assim. “O fim da economia?” (‘Os seres humanos raramente são racionais, então é hora de todos pararmos de fingir que são’) foi o título do seu artigo. Zakaria também não teve dúvidas ao afirmar que durante as três décadas que se sucederam, desde o fim da Guerra Fria, a “economia desfrutou de uma espécie de hegemonia intelectual”, reforçando ainda mais a “noção de que a economia fornece a lente mais poderosa para entender o mundo moderno”. Felizmente, essa hegemonia não existe mais.
 
Paul Krugman, por exemplo, em setembro de 2009 ao comentar sobre a crise da época, foi categórico ao publicar texto no New York Times Magazine: “Poucos economistas viram nossa crise atual chegando, mas esse fracasso preditivo foi o menor dos problemas do campo. Mais importante foi a cegueira da profissão para a própria possibilidade de falhas catastróficas em uma economia de mercado” (grifos meus). E foi mais adiante: “os economistas confundiram a beleza, vestida com uma matemática de aparência impressionante, com a verdade”. Nas palavras de Zakaria: “eles (os economistas) se apaixonaram pelo suposto rigor que deriva da suposição de que os mercados funcionam perfeitamente. Mas o mundo acabou sendo mais complexo e imprevisível do que as equações”. 
 
Deveria estar claro para todos que os mercados não funcionam de “forma perfeita” e que as pessoas, empresas e países, além de não atuarem de uma forma eficiente, ainda são irracionais, posto que outros valores, inclusive políticos, sociais e culturais, também são responsáveis por ações que movimentam o mercado e as atividades econômicas. Não à toa, muitos países, além dos indicadores puramente econômicos, também realizam mensuração de diversas outras variáveis relativas ao bem estar da sociedade, tais como a liberdade, a felicidade ou a sustentabilidade ambiental.
 
“A economia continua sendo uma disciplina vital, uma das maneiras mais poderosas que temos para entender o mundo”, escreveu Zakaria no artigo aqui comentado, mas “à medida que tentamos entender o mundo das próximas três décadas, precisaremos desesperadamente de economia, mas também de ciência política, sociologia, psicologia e talvez até literatura e filosofia”. Não tenho qualquer dúvida a respeito!
Quem tem acompanhado as reuniões do Fórum Econômico Mundial sabe que, além das preocupações com o meio ambiente e os conflitos entre nações, um dos assuntos que mais tem chamado a atenção é a desigualdade, isto é, a forma injusta como são distribuídos os bens econômicos e serviços produzidos. Aliás, todos somos sabedores que as consequências de processos contínuos de concentração de renda geram, em todo o mundo, desconfiança com as instituições, erosão do contrato social, desesperança com a política e descrédito com relação à Democracia. Não há dúvidas que a desigualdade, o desemprego, as mudanças climáticas, para pior, e até muitos dos impactos tecnológicos (5), irão alterar profundamente o comportamento das pessoas e da sociedade. Os movimentos sociais ficarão mais ativos, estimularão a busca por soluções inovadoras e testarão, de forma cada vez mais contundente, a geopolítica mundial e as sociedades que ainda não perceberam esses “novos tempos”. O Brasil, como de resto todo o mundo, precisa se atualizar a respeito.
(1) Embora existam diferentes formas para se definir a ciência econômica, há uma bastante clara, apesar de simplificada: “a economia é uma ciência social que estuda a produção, a organização e a distribuição de bens econômicos e serviços” (esta definição de economia foi exaustivamente utilizada por mim, enquanto professor universitário. Infelizmente não sei quem é seu autor para lhe dar os devidos créditos).
 
(2) ”Não concebo outro lugar para a economia que não o de subdisciplina das ciências sociais, ao lado de história, sociologia, antropologia, ciências políticas e tantas outras”. “Ciência econômica parece-me um pouco arrogante. Prefiro a expressão ‘economia política’, que busca estudar cientificamente qual deve ser o papel ideal de um Estado na organização econômica e social de um país, bem como quais são as instituições e as políticas públicas que mais nos aproximariam de uma sociedade ideal” (Thomas Piketty, em “O Capital no século XXI” – Ed. Intrínseca Ltda., 2014).
 
(3) Talvez o economista Robert Shiller (6) tenha sido um dos únicos a prever as ‘bolhas’ de 2000 e 2008 em função do comportamento dos investidores. Robert J. Shiller, Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2013, através de seus estudos sobre ‘comportamento’, conseguiu prever a “Bolha pontocom”, responsável pela quebra de 2000, bem como a “Bolha Imobiliária” de 2008. Ainda como professor na Universidade de Yale, Shiller estuda “finança comportamental na economia e na gestão de riscos”.
 
(4) “Diante das informações detectadas nos estudos e de toda a base teórica e experimental que a Neuroeconomia oferece, não é exagero afirmar que os agentes econômicos são susceptíveis a estímulos específicos para a orientação acerva do contexto decisional e das emoções apresentadas, tendo em vista a geração de uma percepção positiva ou negativa acerca de um grupo social ou de uma ação que algum destes grupos tenha realizado ou esteja por realizar”. Trecho extraído do livro “Neuroeconomia – Uma nova perspectiva sobre o processo de tomada de decisões econômicas” – José Chavaglia Neto, José Antônio Filipe e Manuel Alberto Ferreira, Alta Books Editora, 2017. 
 
(5) “O fato é que, com o avanço da tecnologia e com as tarefas desempenhadas pelos trabalhadores divididas em diversas etapas, os donos dos meios de produção puderam aos poucos ir substituindo as etapas mais simples e repetitivas pelas máquinas. E aí, aos trabalhadores que eram responsáveis por essas etapas só restou a opção de aceitar ganhar menos e se tornar responsável (com sorte) por alguma outra etapa mais simples do processo produtivo, que a tecnologia ainda não fora capaz de substituir por uma máquina”, escreveu Eduardo Moreira (engenheiro e economista, fundador da Brasil Plural e da Genial Investimentos), em seu livro “Desilgualdade & caminhos para uma sociedade mais justa”, publicado pela Civilização Brasileira em 2019.
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