Como o paradigma da inovação desafiará os CIOs no futuro da TI, por Felipe Dreher

Publicado em
20 de Maio de 2010
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O planeta vive um período de transformação profunda. O amanhã se modifica a cada fração de segundo. Em um ritmo cada vez mais intenso, inovações instantâneas chegam e trazem consigo impactos sistêmicos. Na mesma medida em que as novidades necessitam ser assimiladas - e isto exige um tempo de compreensão e reação -, as corporações precisam manter-se ágeis para não perder o tempo que as fará permanecerem competitivas nesta era de urgências. O melhor seria uma bola de cristal para ajudar a traçar estratégias que garantam a longevidade das organizações. Mas isto ainda não existe. Se prever o futuro é impossível, a saída, então, é tentar gerenciá-lo.

Os atores desse jogo devem compreender seu papel na construção da história. Hoje, muitas empresas ainda acreditam que o futuro será igual ao ontem só que amanhã. Pegam dados de seu passado e projetam em um modelo para tentar antecipar seus próximos passos. Para coisas simples pode até funcionar. Contudo, para um mundo cada vez mais complexo, que vive transformações e desafios que incluem variáveis fora dos bancos de dados, já não basta.

Avanços tecnológicos, disseminação de informações, barateamento de produção, interdependência de regiões, maior fluxo comercial ao redor do globo e interação de diferentes áreas do conhecimento são apenas alguns elementos que acrescentam caldo à contemporaneidade. Se antes existia a mecânica e a biologia, hoje é possível fazer uma interseção entre as duas correntes propondo inovações.

Rafael Ramirez, professor da universidade de Oxford e membro de um centro de estudos para antecipação estratégica, diz que a gestão do futuro vem a partir da compreensão das casualidades, das conexões existentes entre fatos distintos, da correlação entre elementos paralelos que muitas vezes não tem um impacto tão direto no setor onde a empresa está, atualmente, inserida. Os empresários que conseguirem montar um cenário e traçarem planos eficazes sobreviverão às intensas transformações cada vez mais frequentes.

"O futuro se desenvolve a partir de ações tomadas no presente. Que aos poucos se torna passado", sintetiza o professor de história contemporânea da UFRJ e coordenador do laboratório de estudos do Tempo Presente, Francisco Carlos Teixeira da Silva. Com uma visão crítica, ele identifica que os brasileiros pensam no desenvolvimento dentro de uma física de movimentos uniformes. "Mas, no século 20, as teorias da Relatividade e do Caos nos disseram coisas extremamente relevantes sobre as novas formas de administração." É preciso alterar as lógicas para conseguir saltos de qualidade. "Para moldar o futuro em direção àquilo que a gente deseja, não podemos nos conformar com as regras e métodos existentes. Precisamos buscar o diferente, o que não existe."

No início do século passado, grandes fabricantes de carroças morreram devido à chegada dos automóveis. A falência é atribuída ao fato de que os empresários definiam seus negócios ao redor do produto que vendiam. O erro soa grotesco, mas este tipo de postura pode ser vista nos dias de hoje. Uma grande inovação de 2009, o carro de baixo custo desenvolvido pela indiana Tata, pareceu realmente revolucionário. No entanto, observando a invenção por uma lente macro da administração contemporânea - o trânsito caótico das grandes metrópoles (em especial, na Índia) -, veremos algumas complicações no horizonte. "Em vez de pensar como se transportar melhor, a empresa pensou no produto", analisa Kip Garland, diretor da consultoria de processos em inovação InnovationSeed, avaliando que o veículo não trouxe o retorno esperado e resolveu uma questão instantânea e não o problema maior: melhor capacidade de locomoção.

O consultor mostra exemplos semelhantes na indústria de TI. "Ao longo dos anos, vimos sete mudanças nas arquiteturas de armazenamento. Deste total, quatro vezes, os então líderes de mercado, não conseguiram manter a posição na transição tecnológica." Garland cita que os fabricantes que produziam storage em fitas, não conseguiram se posicionar a frente quando o mercado começou a comprar discos.

Criar ou, ao menos, entender
Entretanto, a maneira de as organizações trabalharem a inovação está passando por um período de transformação. Paulo Gustavo Franklin de Abreu, líder de estratégias de colaboração e negócios da Embraer, percebe uma mudança sensível na forma das companhias brasileiras traçarem planos e gerirem o futuro. "As empresas, no passado, avaliavam o ambiente competitivo externo em três situações", comenta, para listar: "quando ocorria a mudança do CEO; antes do orçamento anual; ou quando era surpreendida por algum evento externo". Definida a meta para os próximos três anos, era baixar a cabeça e começar a trabalhar para atingir os números estipulados como se houvesse um acordo com o ambiente externo de que não haveria nenhuma mudança.

As coisas não podem mais serem conduzidas dessa forma, uma vez que as ameaças e oportunidades vêm de qualquer indústria ou região do mundo. Os mercados deixaram de ser cativos e os conhecimentos disseminaram-se ocasionando homogeneização e diminuição dos ciclos de vida dos produtos. Isto faz com que as empresas necessitem acompanhar sistematicamente as variáveis externas que possuem maiores riscos e incertezas, além de identificar os chamados "sinais fracos" vindos de outros setores que podem impactar o negócio, mas não eram previstos anteriormente.

Ou seja, uma inovação na indústria de embalagens pode afetar consideravelmente o mercado de transporte de produtos perecíveis. "Ganha o jogo quem se antecipa e consegue identificar tendências", revela Abreu. Contudo, para traçar cenários futuros, a maior dificuldade em um contexto de gestão a cada dia mais complexo reside justamente em compreender adequadamente o mercado onde a empresa atua e seu papel no jogo. Informações, em muitos casos, vêm incompletas, algumas antigas convicções podem cegar os líderes e as premissas que se tem em mãos podem não ser verdadeiras.

Inovação urgente
A preocupação em antecipar cenários reside, muitas vezes, no fato de que a inovação baseia-se no passado, em realidades existentes. "Isto é pobre. Precisa-se criar uma capacidade de inovar dentro de uma perspectiva futura", inconforma-se Carlos Arruda, professor da Fundação Dom Cabral. Os ciclos de vida de produtos e serviços estarão mais concentrados, demandando novas soluções em velocidades muito mais altas de lançamento. No contexto, as empresas ganham mais em pouco tempo, mas o que você criou se torna obsoleto mais rapidamente. "Vivemos na era da perenidade", contextualiza. Compare o tempo que o telefone fixo levou para se massificar e compare com o avanço dos celulares.

O Banco Central norte-americano (FED) mapeou as principais inovações do último século identificando seu comportamento alinhado a seus índices de crescimento. Todas tecnologias de destaque evoluíam de uma maneira não-linear, o que mostra que sofreram impactos não previsíveis. "Se as novidades têm ciclos de vida cada vez mais curtos, os gestores precisam pensar as curvas de crescimento e desenvolvimento de seus modelos de negócio dentro desta perspectiva", comenta Garland, da InnovationSeed, usando o exemplo da General Electric (GE), companhia mais longeva na Bolsa de Nova York. "Eles começaram com lâmpadas e hoje produzem turbinas de avião, além de atuarem em diversos outros negócios aparentemente sem relação com o foco inicial".

Uma forma de conseguir gerenciar várias ondas de crescimento e continuar uma instituição relevante, alerta o consultor, é estabelecendo um grande tema, maior do que qualquer uma das ondas menores, que dará a direção do futuro para onde a companhia quer chegar. Mas manter tal constância pode não ser simples.

O historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva conta que, durante a crise global recente, empresas e Estados preocupados com a longevidade aproveitaram o momento turbulento para promoverem um salto de qualidade baseado em intensivos investimentos em inovação. Na visão do professor, isso não pode ser visto no Brasil, que se apegou a ações pontuais. "Somos muito bons na capacidade imaginativa de propor soluções. O brasileiro tem respostas rápidas, mas a gerência é penosa." A teoria do especialista é que tivemos uma gestão de qualidade quando pertencíamos a uma economia média, mas com a sofisticação econômica deixamos de dar repostas adequadas. Isso fará com que o País saia da crise, "maior, mas o mesmo". A visão pontual, portanto, pode não ser mais suficiente.

Na opinião dos especialistas, o gestor do futuro precisa continuamente avaliar a proposta de valor da empresa para que o modelo de negócio e a estratégia da companhia não descolem da realidade do ambiente externo. O preceito contempla a disseminação de inteligência competitiva por todas esferas corporativas e a construção de uma cultura que favoreça o fluxo de informações horizontal e verticalmente. Com isto, as empresas que se reposicionam dentro de propostas de valor tendem a mudar a estrutura hierárquica de acordo com o novo modelo estabelecido. Abreu, da Embraer, acredita que o estrategista moderno deveria ter em suas mãos três tipos de incertezas resolvidas antes de tomar decisões: de estado (o evento está realmente acontecendo?), de efeito (o que isso significa para nossa empresa?) e resposta (quais minhas opções de ações frente a esse evento?).

A metáfora 2.0
As redes sociais viraram uma forma figurativa de ressaltar a importância das interconexões da modernidade. Com níveis de interação constante e o fluxo cada vez mais caótico de informações, diversifica-se a atuação do CIO. "Trabalhar o futuro é entender os papéis das redes dentro da paisagem de soluções de TI", avalia José Cláudio Terra, CEO da TerraForum Consulting. Historicamente, os gestores de tecnologia trabalharam muito (e com sucesso) as informações internas da empresa e canalizaram esforços na automação de processos, ganhos de agilidade e eficiência. Tais atributos arraigados são expostos no estudo "A nova voz do CIO", divulgado pela IBM Brasil em 2009 e que ouviu mais de 130 líderes de TI do País. Nele, os gestores nacionais são descritos como "visionários e pragmáticos, criadores de valor e agentes de redução de custo, decisores estratégicos e fontes de inspiração para a equipe técnica".

De acordo com o levantamento, os profissionais hoje preocupam-se com a mudança nos modelos de negócio, orçamento e fatores macroeconômicos. "Estamos na metade do caminho de uma mudança que vem acontecendo ao longo dos últimos anos", reconhece Adriano Aquino, diretor de TI da Abyara Brokers e sócio do CIO On Demand.

A orientação de uma estratégia para desenvolvimento de tecnologia contemplará o alvo apontado pela empresa e será tomada com base em macro tendências sociais, econômicas e culturais. O gestor do futuro, talvez, terá menos que fazer previsões e passará a fazer criações para levar o curso da história para onde ele imagina que as coisas se transformarão. "A TI como suporte tende a ficar no passado devido à automatização. A área precisará ser reorientada para criar experimentação e modelos de negócio", avalia Kip Garland, dizendo que a tecnologia terá a função de facilitar a interação cliente-empresa. Restará ao CIO entender todo o processo para canalizar a sabedoria de seu time em busca da melhor solução possível para o negócio. "O único ganho de escala virá da criação de plataformas de experimentação", projeta.

É provável que as definições clássicas dos cargos percam a relevância. "O que vai ficar cada vez mais importante será a capacidade dos profissionais de atuarem em múltiplos projetos", diz o CEO da TerraForum, prevendo que essa forma flexível ajudará a potencializar habilidades individuais para a conquista de um objetivo comum. As pessoas, então, desfrutarão um maior grau de liberdade, o que, por sua vez, aumenta a responsabilidade. Colocar todo mundo na linha de frente da inovação implica não passar fórmulas, mas desafios aos times. Na avaliação de José Terra esta postura foi desencadeada pelo fato de as corporações não saberem de antemão todos os desafios que terão pela frente.

Se gestão é conjunto, valerá mais a cooperação e não a competição. Algumas empresas continuam incentivando com bônus financeiro os funcionários que atingem patamares de vendas ou produção. "Não podemos mais procurar gênios. Precisa-se de pessoas que trabalhem em equipe que vivam no cotidiano. Não adianta colocar um sujeito com 180 de QI desplugado do mundo. O especialista isolado não é mais um quadro ideal", conclui o historiador Francisco da Silva sobre a forma de organização necessária aos construtores do futuro.

Resta a certeza de que as distâncias não são mais barreiras e o mundo de amanhã mostra-se ainda mais complexo do que o de agora. Se a mudança é constante, a inovação, a adaptação, a visão sistêmica serão fatores necessários aos que querem empresas longevas. Afinal, o ditado que diz "a idade da pedra não acabou por falta de pedra" traz uma boa carga de verdade. 

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