Especialistas afirmam que o ato de persuadir e a exposição frequente da escolha de voto feita pelas empresas são indícios de crime eleitoral
A polarização política invadiu definitivamente o ambiente de trabalho, esgarçando as relações entre colegas e entre chefes e empregados. Em muitos locais, são casos de assédio explícito, e alguns ganharam grande repercussão nas redes sociais. São muitas violações da legislação trabalhista, segundo Adriane Reis de Araújo, procuradora regional do Trabalho: entre elas, abuso de poder, sobrecarga de informação (com mensagens em grupos de WhatsApp), convencimento, manipulação, chantagem, persuasão, constrangimento, humilhação, promessas e ameaças. “É muito grave”, afirma.
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É o que aconteceu, por exemplo, em uma empresa de frutas de Pernambuco. De acordo com um funcionário, que pediu para não ter o nome revelado, por medo de retaliações, seu chefe levou um candidato ao pátio da empresa e mandou todo mundo escutar. Não obrigou ninguém a votar, mas ficava enviando mensagens e às vezes entregava santinhos, relata.
Segundo a procuradora regional do Trabalho Adriane Reis de Araújo, o ponto de alerta está justamente na relação desigual entre o empregado e o empregador, já que este último detém “o valor econômico”. Por conta disso, a influência sobre a orientação política tende a constituir o “voto de cabresto”, que configura crime eleitoral e aparece em espaços públicos, privados e em autarquias. “Além de violar os direitos trabalhistas, o assédio eleitoral também fere direitos fundamentais como pessoa”, complementa a advogada Maria Laura Alves, especialista em Direito do Trabalho.
O trabalhador tem o direito de expor a escolha do voto, mas quando a exposição de preferência política é feita pelo empregador é diferente - esta pode ser considerada “incitação”. Como foi apresentado nos relatos ouvidos pela reportagem, nem todos empregadores expressaram obrigatoriedade do voto.
Mas o simples ato de tentar convencer o trabalhador já demonstra indícios de assédio eleitoral, sugere a procuradora Adriane. A partir do momento em que o patrão tenta persuadir o funcionário, há uma tentativa de limitar direitos básicos, como a liberdade do voto e a liberdade política, além de ameaça à democracia, diz a advogada.
Apesar das práticas indevidas surgirem principalmente dos superiores hierárquicos, eles não são os únicos a cometerem delitos no trabalho. O assédio eleitoral pode acontecer de forma horizontal, entre os próprios funcionários. Por isso, separar a ideia da pessoa é o ponto de partida para conviver com diferentes opiniões no ambiente corporativo. “Discordar não é conflitar. Escutar não é concordar”, explica Juliana Bley, psicóloga e especialista em segurança no trabalho.
Quando a vida social invade o ambiente de trabalho
Tentar silenciar discussões que fazem parte do cotidiano é uma tarefa difícil não só para os líderes, como também para os empregados. Especialistas já indicam algumas soluções para o problema, como inteligência emocional e a prática de convivência coletiva. Mas, antes de tudo, é preciso levar em consideração o contexto em que os trabalhadores estão inseridos: equipes já desgastadas por conta da pandemia agora têm enfrentar o cenário político.
Sentimentos de ódio e raiva do colega de trabalho por votar no candidato oposto ou pela ideologia política são fatores para um espaço com alto risco de relacionamento, aponta Juliana Bley. “O ambiente fica perigoso para a convivência”. Quando o empregador ou o líder identifica que não há espaço para um debate saudável, o ideal é sugerir outra opção. “Se não há habilidades sociais para conversas, os debates devem ficar fora do trabalho”, diz.