Assunto já abordado por mim outras vezes, mas considerando o momento atual, que exige quase que uma total reconstrução do Brasil, vale à pena retomá-lo, pois não há dúvida que o chamado “custo Brasil”, dentre outros, tem sido um dos principais obstáculos para que se obtenham menores custos e um melhor desempenho das atividades produtivas brasileiras. São inúmeros os estudos que comprovam haver, no País, custos desnecessários e burocracia muito acima do razoável e que afetam diretamente a capacidade das empresas locais para oferecerem produtos e serviços com maior rapidez, maior eficiência e preços muito mais competitivos.
Uma das consequências, por exemplo, é a baixíssima participação dos produtos e serviços brasileiros no contexto do mercado global, como indicam diversas pesquisas. À quase 20 anos, mesmo tendo um PIB que representa 2,4% do PIB mundial, o Brasil tem apenas 1,2% das exportações. São diversos os países que, com PIB’s menores, conseguem ter participações maiores do que o Brasil no comércio internacional.
Pesquisas realizadas por universidades e instituições empresariais brasileiras tem comprovado, ao longo de muitos anos, que as empresas brasileiras encontram um conjunto enorme de dificuldades para exportar. Altos custos do transporte, altas tarifas cobradas por órgãos anuentes, excesso de leis e documentos complexos e conflituosos existentes na enorme burocracia que envolve as atividades empresariais brasileiras, notadamente aquelas relativas ao comércio exterior, são alguns dos exemplos.
Estudos oficiais do governo federal tem demonstrado, também, que a burocracia brasileira, mais especificamente, ainda é um dos maiores fatores de inibição das exportações brasileiras, posto que algumas das exigências aduaneiras, acima do razoável, aumentam os prazos médios de exportação nos portos brasileiros. Estudo feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), juntamente com o Banco Mundial, mostra que os atrasos gerados pela burocracia nacional, representam custos adicionais médios de 13% para todas as exportações e importações brasileiras.
Em outra pesquisa EAESP/FGV e CNI ficou demonstrado que, dentre 62 principais itens listados, o mais crítico é o custo do transporte. Elevadas tarifas cobradas nos portos e aeroportos ficaram em segundo. No transporte, segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), uma das explicações é a má qualidade das rodovias brasileiras, nas quais trafegam, calculado com base no TKU (tonelagem por quilômetro útil), mais de 61% do total de cargas movimentadas do Brasil. A própria CNI estima que apenas uma queda de 10% no custo do transporte poderia gerar mais de 30% de acréscimo nas exportações brasileiras! O estudo ainda mostra que a precariedade de nossa infraestrutura logística (rodovias, ferrovias e portos) faz com que cerca de US$ 1,5 bilhão em produtos manufaturados deixem de ser exportados para países vizinhos todos os anos.
A CNT, ao avaliar o “Estado Geral das Estradas” em 2022, classificou com regulares, ruins ou péssimas, 66% delas. Eram, 57% em 2018. Boas e ótimas, somente 34% agora em 2022, contra 43% em 2018. Principais itens analisados: pavimento (55,5% regulares, ruins ou péssimas), sinalização (60,7% regulares, ruins ou péssimas) e geometria da via (63,9% regulares, ruins ou péssimas). Importante salientar que o trabalho da CNT também indicou quais as prioridades (1), caso haja, de fato, a retomada dos investimentos para recuperar a malha rodoviária brasileira. Dados com detalhes estão na Revista CNT Panorama das Estradas, nov/dez de 2022.
Não é à toa, portanto, que o Índice de Desempenho em Logística (LPI) brasileiro, regularmente publicado pelo Banco Mundial, e desde que publicado pela primeira vez, coloca o Brasil na parte do “meio” do ‘ranking’ mundial. O LPI é montado com base na avaliação dos seguintes parâmetros: a) eficiência do processo de desembaraço aduaneiro; b) qualidade do comércio e infraestrutura relacionada com o transporte; c) facilidade para contratar o transporte com preços competitivos; d) competência e qualidade dos serviços logísticos, e) capacidade de rastreabilidade da carga, e f) cumprimento dos prazos de entrega. Posições alcançados pelo Brasil: 2007, 61, entre 150 países analisados; 2010, 41 em 155; 2012, 45 em 155; 2014, 65 em 160; 2016, 55 em 160; e 2018, posição de número 56 em 160 países analisados. Algumas das piores notas do Brasil dizem respeito à infraestrutura e competência logística.
O “World Bank Group”, ao analisar a competitividade de 190 países em 2020, coloca o Brasil na 124ª posição no item de Avaliação Geral. Aqui também a infraestrutura de transporte é um dos problemas de baixa pontuação obtida. E em todos os modais! A pesquisa relativa ao ano de 2020, a respeito da facilidade de se fazer negócios (“Doing Business”), o “World Bank Group”, analisados 190 países, classificou o Brasil na 124ª posição, com nota final igual a 59,1. O primeiro país foi a Nova Zelândia, que obteve a nota 86,8.
Portanto, são diversos os estudos que comprovam a baixa competitividade das empresas brasileiras, notadamente aquelas voltadas ao comércio exterior, como resultado de um serviço logístico ainda precário. Infraestrutura insuficiente e demasiadamente dependente do modal rodoviário, ausência de políticas de integração entre os diversos modais, falta de marcos regulatórios e de planejamento, baixos índices de investimentos, pelo menos nos últimos 20 anos, e modelo de gestão ultrapassado, caracterizado pela baixa integração das diversas agências reguladoras que interferem nessas atividades, são alguns dos itens que compõem e explicam o precário desempenho logístico nacional.
Necessário, portanto, que haja decisão política no sentido de se buscar soluções para os problemas ligados à logística. Se está evidente que a solução para a crise instalada no Brasil atual, depende de um programa sério de combate à desigualdade, de geração de empregos, de proteção ao meio ambiente e de retomada de investimentos, torna-se evidente também que políticas e investimentos voltados à expansão e à melhoria da infraestrutura e ao desenvolvimento logístico, com significativa e decisiva participação do setor privado, são extremamente necessários. Não se pode esquecer que tem sido os sucessivos superávits comerciais em nossa balança de comércio exterior, os principais responsáveis pela estabilidade da moeda, pela garantia das importações e pela geração de divisas, fatores que diminuíram, e muito, a vulnerabilidade brasileira.
Por isso, embora sua realização nos dois últimos anos deixou muito a desejar, foi bem-vindo o Plano Nacional de Logística 2035, cujos investimentos, até a sua realização total (15 anos, entre 2021 e 2035), e considerando o Cenário 9 (aquele de maior oferta de infraestrutura logística), necessitará R$ 789 bilhões em investimentos (média de R$ 52,6 bilhões por ano). Investimentos de R$ 52,6 bilhões por ano, com base nos valores apresentados à época (2020), equivaliam a 0,74% do PIB por ano. Como já comentei, é muito menos do que se exige, pois especialistas calculam a necessidade de investimentos na ordem de 2% do PIB ao ano, durante mais de duas décadas para que o Brasil tenha, instalado e operando, uma infraestrutura de transporte compatível. De qualquer forma, caso a retomada do planejamento se concretize e os investimentos sejam realizados, já é um bom começo, considerando os baixos níveis de investimentos observados nos últimos anos. Como escrevi e publiquei no site da Faria de Oliveira Advogados Associados, dia 09/05/22, “a infraestrutura logística brasileira não padece de planos, mas de realizações”. Esperemos que agora seja para valer.
Observação: ao considerar todos os recursos direcionados a investimentos e manutenção dos empreendimentos simulados, o valor total de desembolso previsto até 2035 pode chegar a R$ 1,172 trilhão no Cenário 9. Vale à pena relembrar que já em 2017 a Confederação Nacional do Transporte (CNT), na apresentação de seu plano de transporte e logística, ao listar mais de 2.045 projetos para todos os modais de transporte, de forma integrada e sistêmica, estimava investimentos na ordem do R$ 1 trilhão.
Considerando portanto, algumas das principais tendências mundiais – aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestrutura social, bem como maiores cuidados com a saúde das pessoas, do meio ambiente e da sociedade, de uma forma geral – será fundamental manter políticas que deem ao Brasil uma infraestrutura moderna, de maior qualidade e que contemple a multimodalidade, contribuindo direta e efetivamente para a diminuição de custos e aumento da competitividade do produto brasileiro. Mas é muito mais do que isso, pois operações logísticas eficazes contribuem direta e indiretamente para diminuir tensões sociais e a própria desigualdade, na medida em que possibilita menores custos na produção e na movimentação de pessoas, gera crescimento e empregos. Uma logística eficaz contribui, efetiva e concretamente, para o desenvolvimento econômico.
(1) O atual ministro dos Transportes, Renan Filho, já anunciou, por exemplo, um conjunto de obras (Plano de 100 Dias) que, juntas, representarão investimentos de R$ 1,7 bilhão. O plano contempla a retomada de diversas obras rodoviárias e ferroviárias que, infelizmente, foram iniciadas, mas abandonadas. Ainda, segundo o ministro, a proposta é realizar 861 quilômetros de rodovias. Como já mencionado, as prioridades estabelecidas estão de acordo com o estudo feito pela CNT, em sua 25ª edição. Renan Filho, além de defender maior participação do transporte ferroviário na matriz nacional de transportes, tem dito que há um plano que lista quatro prioridades: a) prevenção de acidentes e redução de mortes nas rodovias federais; b) medidas para escoamento da safra recorde de grãos; c) pronto atendimento para emergências; e d) ações de fortalecimento para atração de investimento privado.
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