Apesar da situação fiscal do país, Bolsonaro ainda driblou as orientações do Ministério da Economia para contratar novos policiais e melhorou suas condições de aposentadoria
Desde que seu comando foi trocado, há quatro meses, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) caiu nas graças de Jair Bolsonaro (sem partido), passando a ganhar do presidente recorrentes homenagens e favores não concedidos a outros órgãos.
O mandatário elogia a corporação com frequência, divulga em suas redes sociais as operações feitas por patrulheiros e visita postos às margens de rodovias, até de helicóptero, para fazer selfies e gravar vídeos.
Apesar da situação fiscal do país, Bolsonaro ainda driblou as orientações do Ministério da Economia para contratar novos policiais e melhorou suas condições de aposentadoria.
Os gestos se tornaram mais frequentes a partir de 22 de maio, quando o presidente demitiu o então chefe da instituição, Adriano Marcos Furtado –indicado pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça), que rompeu com o Planalto em abril.
O presidente se irritou com a divulgação, pela gestão de Furtado, de uma nota oficial que lamentava a morte de um policial pelo novo coronavírus.
Alçou ao posto Eduardo Aggio de Sá, que integrou a equipe de transição do governo e ganhou a sua simpatia ao atuar como assessor na Presidência, lidando com temas como a facilitação da posse de armas.
Menos de uma semana depois da troca, o presidente assinou decreto que autorizou a convocação de 609 candidatos excedentes do último concurso para a PRF, em 2018.
Os aprovados na seleção pleiteavam a contratação ao governo havia dois anos e, recentemente, passaram a fazer plantões na porta do Palácio da Alvorada para convencer Bolsonaro.
Numa dessas ocasiões, o presidente admitiu que estava atrasando a sanção do projeto de lei de socorro a estados e municípios, com regra restritiva a novas contratações, para atendê-los.
Os novos policiais, com salário inicial de R$ 9.800, estão no curso de formação e o presidente já anunciou mais incorporações de pessoal.
Numa transmissão ao vivo na internet, afirmou no fim de agosto que haverá novo concurso para a PRF, "de modo que seus quadros continuem cumprindo com seu dever".
A corporação e o Ministério da Justiça, ao qual está subordinada, encaminharam ao Ministério da Economia o pedido formal de autorização para selecionar 2.634 policiais.
A proposta é formar três turmas, que começariam a atuar nas pistas em 2022. Segundo o órgão, elas vão repor vagas que estão abertas.
A reportagem enviou questionamento ao Planalto sobre as medidas de Bolsonaro em favor da PRF. A Secretaria de Comunicação pediu que a demanda fosse encaminhada à corporação, que não respondeu.
Em 17 de junho, Bolsonaro tomou medida que melhorou as condições de aposentadoria de cerca de 4.000 integrantes da PRF e de outras carreiras do setor.
Em solenidade no Planalto, assinou parecer vinculante da AGU (Advocacia-Geral da União) que assegura aos policiais civis da União (rodoviários, federais, legislativos e civis do DF), ingressos na carreira a partir do fundo complementar de Previdência dos servidores (Funpresp), criado em 2012, o direito de se aposentar com integralidade e paridade.
Como inativos, eles passam agora a receber o último salário da ativa e a ter os mesmos reajustes dos profissionais que continuam em serviço.
Até então, a AGU entendia que se aplicava àquele grupo de policiais o teto do regime geral de Previdência (R$ 6.100), cabendo a eles contribuir para o Funpresp para complementar o valor.
Vice-presidente da FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais), Marcelo Azevedo diz que o parecer pacificou uma posição que já vinha sendo adotada pela Justiça em várias decisões que, contudo, não haviam transitado em julgado. Com isso, criou um ambiente de mais segurança jurídica.
Aos policiais que ingressaram na carreira após 12 de novembro do ano passado, aplicam-se as regras da nova reforma da Previdência.
Azevedo afirma que o prestígio da PRF não é fenômeno recente, mas fruto das plataformas de campanha de Bolsonaro, que prometeu em 2018 valorizar a segurança pública e a atividade policial.
De fato, houve uma demonstração de apreço pela PRF ainda durante a gestão de Moro, em outubro do ano passado, quando Bolsonaro aumentou o poder de investigação da PRF com uma portaria que autoriza a força a atuar para além das estradas, "em áreas de interesse da União", em operações conjuntas com o Ministério Público e a Receita Federal.
Os acenos mais contundentes à corporação, contudo, se deram a partir da nomeação de Aggio de Sá.
Integrante da PRF desde 2005, com formações em direito e em cursos da Escola Superior de Guerra, do Ministério da Defesa, Aggio é considerado um quadro técnico.
Chegou ao governo Bolsonaro na transição, a convite do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, e depois subchefe-adjunto de Assuntos Federativos.
Após Santos Cruz deixar o Planalto em junho de 2019, Aggio se tornou assessor especial do ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira.
Na pasta, cuidava de projetos como a facilitação da posse de armas. Nesse período, ele participou de alguns despachos do ministro com o presidente e aproximou-se de Bolsonaro.
Em conversa reservada, um ministro atribui a satisfação do presidente ao aumento do número de apreensões de drogas nas rodovias. Já autoridades da área de segurança, que são ou foram próximas a Bolsonaro, dizem que ele faz apenas um aceno a seu público cativo.
Os afagos à PRF incluem postagens como a da quarta-feira (9), no Instagram, em que celebrava a Operação Tamoio, deflagrada nas estradas, com apreensão de vários bens de criminosos.
Também se verificam nas agendas recentes.
Em 6 de junho, ele pousou de helicóptero em uma blitz na BR-020, em Planaltina, entorno de Brasília. Por cerca de uma hora, tempo em que provocou aglomerações, conversou e fez vídeos com os policiais.
Em 24 de julho, em tratamento contra a Covid-19, discursou remotamente no aniversário de 92 anos da corporação. "A gente não vê um presidente da República participar de uma solenidade da PRF", diz Azevedo, da FenaPRF.
Atualmente, há ao menos sete policiais rodoviários cedidos pela PRF para trabalhar na Presidência, seis com vínculo iniciado em 2019 ou 2020, durante o governo Bolsonaro.
Azevedo diz que, fora os pleitos que estão sendo atendidos, há uma uma sinalização no governo pela equiparação do salário dos agentes da PRF (R$ 9.800) com os da Polícia Federal (R$ 12,5 mil).