Com novas regras para cobrança do ICMS, Estados acirram guerra fiscal

Publicado em
24 de Março de 2010
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Nos últimos meses, os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro têm se sucedido na publicação de medidas relacionadas à cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O Rio ampliou, em janeiro, um regime especial do imposto, cerca de 15 dias após São Paulo publicar lei pela qual a Fazenda paulista pode colocar em prática ações de fiscalização ou conceder, sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), incentivos para compensar ou minimizar prejuízos sofridos com a aplicação de incentivos de outros Estados.

O que o Rio fez, na verdade, foi ampliar um incentivo mantido desde a gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho e que, em novembro do ano passado, já havia provocado uma reação formal de Minas Gerais. Num decreto publicado em novembro, o governo mineiro deu à Fazenda local poderes para conceder facilidades fiscais a empresas mineiras que comprovem ter sido prejudicadas por benefícios concedidos por outros Estados.

Entre os benefícios previstos pelo decreto de Minas, de nº 45.218, estão suspensão da cobrança de ICMS, crédito presumido do imposto, redução de base de cálculo e prazos especiais para pagamento do imposto. Os benefícios podem ser analisados a partir de pedidos de empresas ou de entidades de setores que se declarem prejudicados.

Na época em que o decreto mineiro foi publicado, o benefício fluminense era oferecido a 37 municípios. O regime especial tinha duração de 25 anos. Com uma nova lei publicada em janeiro, de nº 5.636, o Estado do Rio amplia o incentivo para 48 municípios, alguns deles situados na região metropolitana da capital, e estabelece o prazo de duração do regime especial para 35 anos. A lei do Rio oferece o incentivo como parte de uma política de recuperação industrial regional.

Na prática, a lei permite trocar o sistema de débito e crédito com alíquota de 19% de ICMS por um recolhimento de 2% de imposto sobre o faturamento. O regime especial só pode ser adotado por indústrias instaladas nos municípios listados pela lei, mas não se aplica a fabricantes de automóveis, caminhões ou ônibus. Também não pode ser aproveitado para as indústrias que vendem ao consumidor final.

"Trata-se de um benefício relativamente fácil de ser usado", diz o tributarista Ricardo Fernandes, do escritório Avvad, Osorio, Fernandes Advogados. "Não é preciso apresentar projetos detalhados de expansão da indústria, por exemplo. A empresa precisa fornecer alguns dados e declarar que cumpre as condições da lei", explica. A facilidade tem atraído empresas para o regime. Segundo ele, seu escritório acompanha quatro empresas que se candidataram para entrar no regime especial. A lei não permite a adesão ao benefício por empresas que estão em falta com o fisco, com débitos em atraso em parcelamentos ou inscritos na dívida ativa, por exemplo.

Para a advogada Marissol Sanchez Madriñan, o benefício fluminense está entre os que dificultam a fiscalização pelos Estados, cujas empresas se declaram prejudicadas com o incentivo. "O imposto é lançado normalmente na nota, seja nas vendas internas ao Estado ou nas operações interestaduais", diz.

As empresas que estiverem dentro do regime especial deverão manter seus livros contábeis com débitos e créditos de ICMS. No recolhimento do imposto a 2% sobre o faturamento, porém, os lançamentos não devem ser levados em consideração. Procuradas, as Secretarias de Fazenda de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro não se manifestaram.

Briga de ICMS no comércio eletrônico vai para a justiça (DCI)

A arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre produtos vendidos pela internet já chega aos tribunais. Como a sede física da maioria dos sites fica em São Paulo, a queda-de-braço entre estados vem prejudicando a circulação de entregas feitas por empresas de e-commerce, já que cada território exige o pagamento do tributo quando a mercadoria sai de um estado e passa para outro.

No Mato Grosso e no Ceará, por exemplo, algumas empresas já tiveram que pagar ICMS duas vezes: uma no estado onde está sediado seu centro de distribuição - como manda a lei - e outra nestas unidades da federação, onde suas mercadorias foram entregues. "Esta cobrança é ilegal, portanto as empresas lesadas devem procurar a justiça e exigir o imposto pago a mais de volta", afirma Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, do Natal, Locatelli e Lopes de Almeida Advogados.

Segundo ele, um de seus clientes teve problemas no acesso aos dois estados por causa de impasses no que se refere ao pagamento de ICMS.

"Os estados de destinação das mercadorias entendem que estão perdendo arrecadação. Com isso, a empresa precisa de uma solução rápida para solucionar o impasse sem perder o prazo de entrega do produto para o cliente", explica o advogado. Natal orienta que em casos como esse, quando existir a barreira tarifária, se opção for deixar de pagar o tributo, que exista um mandado de segurança e, em caso de pagamento do ICMS no outro estado, que seja ajuizada uma ação declaratória cumulada com repetição de indébito.

Segundo relato de um dos clientes de Natal, o Estado de Mato Grosso alega que deixa de recolher anualmente cerca de R$ 350 milhões em face do volume de negócios realizados por meio do comércio eletrônico. "O caminhão do nosso cliente ficou três dias parado aguardando os fiscais na fronteira do estado. No final, estava tudo certo com a mercadoria e com o ICMS recolhido, mas a situação causou prejuízo à empresa", disse

De acordo com a Constituição Federal, a cobrança do ICMS no estado de destino do produto não é cabível. "Eles não podem cobrar o ICMS, tampouco apreender o transporte de produtos. Se isto ocorrer, será necessário recorrer ao Poder Judiciário. Só uma Emenda à Constituição Federal poderia alterar a competência tributária para cobrança do ICMS", assinala Bruno Henrique Coutinho de Aguiar, do Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados.

Para os especialistas ouvidos pelo DCI, a falha vem da legislação brasileira e da falta de especificidade no que se refere ao direito eletrônico. "Não há dúvidas de que a Constituição Federal garante ao estado de origem o direito ao recebimento do ICMS no caso de vendas diretas ao consumidor, ainda que realizadas pela internet. Porém, creio que o mais adequado seria a adoção de uma legislação específica sobre o comércio eletrônico. Vivemos em uma nova era, que gerou mudanças em nosso cotidiano. O direito não pode ficar imune a tais mudanças", opina Ulisses César Martins de Sousa, do Ulisses Sousa Advogados Associados.

Para ele, são evidentes os prejuízos sofridos pelos estados não produtores. "O incremento do comércio eletrônico tende a aumentar essas perdas. Precisa se buscar uma solução para o problema. No entanto, é lógico que tal solução esbarra nos interesses dos estados produtores", sinaliza.

Prejudicial

O problema relacionado ao ICMS já chamou a atenção da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A expansão da cobrança do imposto pelo regime da substituição tributária sobre um número cada vez maior de produtos, que vem sendo decidida pelos fiscos estaduais e do Distrito Federal, foi desaprovada por 58% de 1.193 empresas pesquisadas pela CNI.

Pelo sistema, o ICMS é pago por quem vai vender o produto, ou seja, na ponta do sistema, deixando isenta da cobrança a indústria, em geral de outro estado. No sistema convencional, o produto é taxado na origem e não no estado onde será vendido. A adoção da cobrança dentro do sistema de substituição tributária é decidida pelos fiscos estaduais sob alegação da simplificação.

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