Código de Trânsito prevê punições para ciclistas, mas normas não são respeitadas nem fiscalizadas

Publicado em
22 de Janeiro de 2014
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Não são aplicadas multas nem a ciclistas, nem a pedestres. Com isso, a lei que prevalece é a do cada um por si

Sem capacete e outros itens de segurança, um homem pedalava na manhã do feriado de São Sebastião em alta velocidade entre os carros na Avenida Oswaldo Cruz, no Flamengo. A cena expõe um problema que cresce na mesma proporção do aumento do número de bicicletas nas ruas da cidade. Nem sempre as regras mais elementares de convivência entre ciclistas, pedestres e motoristas são lembradas. Isso quando não são simplesmente ignoradas, pois a fiscalização não existe. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê normas e punições para os maus ciclistas, mas a Guarda Municipal trabalha apenas com ações educativas. Não são aplicadas multas nem a ciclistas, nem a pedestres. Com isso, a lei que prevalece é a do cada um por si.

— Se você está pedalando no fluxo dos carros, com o sinal aberto, tem que seguir pelas laterais. Nas vias com ciclovia, tem que ir para a ciclovia. Não pode, por exemplo, pedalar no Aterro, uma via de alta velocidade — alerta Raphael Pazos, presidente da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio, criada após a morte do ciclista Pedro Nikolay, atropelado por um ônibus na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, em abril do ano passado.

Pelo CTB, lugar de bicicleta não é em vias de trânsito rápido, muito menos em calçadas, embora para alguns seja quase um hábito pedalar entre os pedestres. Circular nos passeios é considerado uma infração média, para a qual, pelo menos na teoria, está prevista uma multa de R$ 85,13. O CTB estabelece ainda outras normas para os ciclistas, como circular na margem da pista de rolamento, no sentido do tráfego, quando não há ciclovia, ciclofaixa ou acostamento. Ou seja, cortar os carros no meio do trânsito vai contra a lei, que prevê multa também de R$ 85,13. Já aos veículos, cabe manter uma distância lateral de segurança de um metro e meio ao passar ou ultrapassar uma bicicleta. O descumprimento da regra pelo motorista é uma infração média, com multa de R$ 85,13.

O CTB determina que os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres. Mas, com o caótico trânsito do Rio, é comum essa hierarquia ser embaralhada. O engenheiro Alex Nery, de 50 anos, mora em Laranjeiras e costuma pedalar com a mulher, Simone Nery, de 43, até as praias da Zona Sul. Como não há ciclovia no bairro onde moram, os dois, em alguns trechos, encaram as calçadas.

— Ou você escolhe disputar espaço com as pessoas ou com os carros. Optei pelas pessoas, pois ando em baixa velocidade e com muito cuidado. Com o carro, a disputa é mais complicada — diz Alex.
Raphael Pazos — que defende a obrigatoriedade do capacete para todos os ciclistas, a ampliação do CTB em relação às normas de segurança em favor de quem usa bicicleta e a aplicação de multas — é radical quanto às regras:

— Calçada e faixa de pedestres são para pedestres. Se for passar por elas, tem que transportar a bicicleta. Não pode pedalar. Ciclista tem que andar na mão correta das vias e não pode avançar sinal. Mesmo na ciclovia, tem que parar — ressalta Pazos, lembrando que a maioria dos acidentes com bicicletas ocorre pelo desconhecimento das leis pelos ciclistas.

A Guarda Municipal diz que a orientação para os agentes em casos de ciclistas que não seguem as normas é de esclarecimento e educação em relação à forma segura de conduzir as bicicletas. Já o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, afirma que não está nos planos da prefeitura multar, mas orientar:

— Essa questão da convivência exige um esforço muito grande. Não adianta apenas a prefeitura atuar. É necessária a conscientização do ciclista, com o poder público fomentando e ajudando. Os ciclistas têm regras de utilização que nem sempre são respeitadas. No verão, colocamos a Guarda Municipal orientando os ciclistas na ciclovia e na pista fechada para o lazer dos pedestres — conta o secretário, citando outras ações previstas. — Vamos incluir nas escolas atividades relacionadas à convivência e o tema bicicleta em todas ações educativas para o trânsito. Nosso trabalho é orientar, e não punir.

Na opinião do professor da Uerj e especialista em engenharia de tráfego Alexandre Rojas, independentemente das leis, o que deve mover a relação entre ciclistas, pedestres e motoristas é a noção de coletividade e o entendimento de que certas atitudes podem ferir outros e a si próprios.

— A coisa mais importante no trânsito é a prudência — afirma o professor. — Você pode caminhar na ciclovia, mas o bom senso tem que prevalecer. Se você está na ciclovia e as pessoas estão numa certa velocidade, você tem que estar compatível. Alguém que só anda na ciclovia atrapalha o ciclista. Tudo isso independe das normas do CTB, difíceis de serem aplicadas. Se o ciclista avançou o sinal, como o guarda vai multá-lo? Não tem multa ou lei que vá dar conta disso. O bom senso é a melhor lei que existe.

Em Nova York, expansão com regras claras - O ciclismo é atividade em expansão em Nova York. O número de pessoas que usam bicicletas como principal meio de transporte aumentou 262% entre 2000 e 2010, e espera-se que triplique até 2017. Segundo o Departamento de Transportes, 22% das viagens de automóvel feitas na cidade são de menos de 1,6 quilômetro e 56% são de menos de 4,8 quilômetros — distâncias perfeitas para serem percorridas pedalando, fato que motivou uma extensa campanha da prefeitura.

Nos últimos sete anos, foram construídos quase 500 quilômetros de ciclovias (são mais de 1.126 quilômetros ao todo), praticamente dobrando a rede. As ruas foram redesenhadas, ganhando faixas para bicicletas no asfalto próximo à calçada. A prefeitura criou ainda uma legislação para o estacionamento interno das magrelas (por exemplo: as garagens para mais de cem carros devem oferecer vagas para bicicletas), além de oito mil bicicletários. Já em maio, teve início o amplo sistema de aluguel de bicicletas CitiBike.

As regras lá são claras. Apesar da ampla malha de ciclovias na cidade, as bicicletas podem dividir a rua com os carros, desde que se pedale no sentido do tráfego e respeite os sinais de trânsito. Os ciclistas são proibidos, porém, de usar estradas e calçadas, a não ser que tenham menos de 12 anos. A distância entre uma bicicleta e os carros estacionados na rua deve ser de pelo menos um metro. A lei exige o uso de capacete apenas para menores de 13 anos, mas todos são encorajados a adotar o hábito, assim como usar faróis à noite.

A prefeitura lançou, em 2010, a iniciativa Bike Smart, que inclui uma série de campanhas educativas. O livro “Bike Smart: o guia oficial para o ciclismo em Nova York”, com leis e dicas de segurança, pode ser baixado no site do Departamento de Transportes em seis línguas. E os anúncios de TV batizados de “Don’t be a jerk” (“Não seja um idiota”) trazem celebridades pedalando sem seguir as normas enquanto são chamadas de idiotas pelos passantes.

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