Estradas em más condições e perigosas têm impedido transporte de cargas excedentes para região
Estradas em más condições e perigosas têm impedido transporte de cargas excedentes para região
As condições das estradas que ligam o Vale do Aço ao restante do País têm tirado o sono dos executivos da área de logística. O pesadelo atinge especialmente o polo metalmecânico baseado na região, que não está conseguindo entregar às indústrias as chamadas cargas excedentes, assim denominadas por seu peso e dimensão. São peças com altura superior a 5,20 metros e largura maior que 5 metros, que pedem condições muito especiais para o seu transporte.
Estradas ruins e perigosas como as BRs-262 e 381 são um problema recorrente em Minas, agravado pelas chuvas de janeiro do início deste ano. Soluções paliativas como interdições e desvios restabeleceram o trânsito em muitos dos trechos impedidos, mas acabaram se eternizando na falta de obras definitivas. Com um detalhe: a estação das chuvas logo vai voltar. Uma tragédia anunciada que tem seus reflexos no preço do frete, na competitividade das empresas e, consequentemente, no chamado custo Brasil.
Enquanto as obras não são finalizadas, a produção de peças gigantes está ilhada no Vale, enchendo os pátios de empresas como a Emalto, Vitaly, Lumar e Thermon, ao mesmo tempo em que os clientes deixam de receber componentes fundamentais para sua operação. Na direção contrária, grandes peças que chegam do exterior nos portos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo deixam de ser entregues à indústria metalmecânica do Vale do Aço, que reúne 274 empresas e gera dez mil empregos diretos.
O Vale do Aço é conhecido internacionalmente em virtude de grandes empresas lá estabelecidas, como Usiminas, que produz chapas de aço carbono em Ipatinga, e a Aperam South América, produtora de aço inoxidável, em Timóteo, todas com um considerável volume de produtos exportados.
Ali as condições são cada vez mais desafiadoras para o transporte de cargas gigantes. “O Vale do Aço está praticamente isolado, as peças não têm como sair de lá e nem chegar do porto. Isso interrompe a atividade industrial, inviabiliza investimentos e, enquanto isso, as obras nas estradas seguem em passo de tartaruga”, reclama o empresário Adalcir Lopes, proprietário da transportadora Transpeciais e vice-presidente do setor de Cargas Especiais da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC).
Ele salienta a importância de um transformador da Cemig, por exemplo, que pode alimentar 80 cidades, ou uma pá eólica, também fundamental na geração de energia. “Para transportar esses equipamentos, são necessárias várias autorizações das diversas instâncias para cada viagem, além de batedores e escolta policial. Como não há prioridade, então é um transporte que aproveita oportunidades. Some-se a isto obras de arte que não são conservadas e pistas precárias, que as chuvas pioraram ainda mais”, relata Lopes.
Chuvas aumentam desafio
Em janeiro deste ano, as fortes chuvas atingiram intensamente as estradas de Minas, estado que abriga a maior malha rodoviária do País. Com mais de 271 mil quilômetros, ela equivale a cerca de 16% de todas as rodovias estaduais, federais e municipais existentes no Brasil. No início do ano, as consequências das intempéries interromperam o trânsito em mais de 100 rodovias no Estado – 30 delas continuam com problemas, segundo os cálculos do transportador.
Casos emblemáticos são o estufamento do asfalto da BR-381, em Antônio Dias e Nova Era, e a queda de talude na BR-262, próximo a Abre Campo. Tais trechos continuam com desvios paliativos, que impedem a passagem das grandes peças fabricadas no Vale do Aço. Em Abre Campo, a obra estaria pronta em 180 dias, prazo já vencido. “Muita coisa ainda não foi consertada e as chuvas logo vão voltar e estragar tudo de novo”, avisa Adalcir Lopes.
Garantir a entrega das peças e equipamentos é um desafio cada vez maior. Distâncias de 300 quilômetros, como a que separa o Vale do Aço da Siderúrgica Gerdau, em Ouro Branco, na região Central de Minas, transformaram-se em percursos até cinco vezes maiores, em função dos desvios. Percursos de pouco mais de 300 quilômetros viraram 1.500 quilômetros, com evidentes reflexos nos custos e na competitividade do setor. Segundo os empresários, o frete chega a aumentar até 4 vezes e o preço final da peça, cerca de 30%.
Isso quando as condições das estradas não inviabilizam completamente o transporte e as peças gigantes vão sendo estocadas no parque industrial, tomando espaço de matéria-prima e outros produtos, atrasando cronogramas de manutenção nas indústrias e gerando multas contratuais pela demora nas entregas.
Equipamentos aguardam viabilidade de traslado
Com a saída da Usiminas Mecânica do mercado, a Emalto é hoje a maior empresa fabricante de bens de capital na região. Com unidades em Timóteo e em Santana do Paraíso, faz parte do segmento metalmecânico há mais de 48 anos, transformando o aço em equipamentos para as empresas dos ramos siderúrgico, papel celulose, mineração, geradores de energia eólica e hidrogeração e infraestrutura. O grupo conta hoje com 1.200 funcionários e tem como principais clientes Aperam, Usiminas, Vale, Gerdau, Siemens Gamesa, Nordex Acciona e Anglo American.
“Hoje enfrentamos diversas dificuldades para conseguir escoar nossa produção. Estamos com sérios problemas em várias rodovias de nosso Estado, o que tem causado enormes transtornos, não só à Emalto, mas a toda a população”, sustenta a diretora de operações da empresa, Maria de Lurdes Martins Pinto.
Do ano passado para cá, a empresa produziu doze panelas de aciaria para a Gerdau em Ouro Branco, que estão paradas na fábrica, aguardando viabilidade de transporte junto ao Dnit e ao DER. “As panelas foram adquiridas pela Gerdau para que ela pudesse trocar as existentes, que estão com a vida útil comprometida”, informa a executiva.
Outro equipamento de grande porte em execução é a Carcaça do Forno Rotativo para a Vallourec Sumitomo em Jeceaba. Neste caso, a Emalto decidiu mudar a forma de transporte, fabricando o equipamento em partes. A montagem final será feita na própria Vallourec. “Nós viemos, incansavelmente, solicitando ações do Dnit, através de e-mails, notificações à Fiemg e ao Ministério da Infraestrutura, a fim de sensibilizá-los quanto à solução mais rápida do problema. No entanto, até o presente momento, nenhuma resposta foi favorável”, lamenta.
O presidente da Fiemg Vale do Aço, Flaviano Gaggiato, é empresário do setor. Sua empresa, a Vitaly Indústria Mecânica, fabrica equipamentos e estruturas para siderurgia, indústria de celulose e de componentes navais. Segundo ele, o impacto dos problemas de logística no custo, no tempo e no preço final é expressivo.
“O polo produz principalmente bens de capital sob encomenda de outras empresas, como produtos e equipamentos para mineração e siderurgia, caldeiraria, estruturas metálicas. Nós não temos dados concretos, mas calculamos que a atividade movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano”, afirma Gaggiato.
“Mesmo assim, há 30 anos não temos um investimento de grande porte na região. Quando o investidor vê a estrada, ele desiste”, acrescenta. Segundo Gaggiato, recentemente um empresário demorou quatro horas para ir de Belo Horizonte a Itabira. Resultado: decidiu instalar sua empresa no Sul de Minas.
“Um grande gargalo, o viaduto de Sá Carvalho, que tem limitação de altura, vai ser desativado com a duplicação da 381. As más condições das estradas, porém, são evidentes. Em Nova Era, por exemplo, a pista nem caiu, ela subiu e o asfalto foi destruído. As obras têm que considerar a geologia do terreno, prevendo, por exemplo, taludes menos inclinados e, como tal, menos sujeitos a desmoronamentos”, observa o dirigente.
O diretor Comercial da transportadora Transpes, Mario Lincoln Costa, é taxativo. “As obras de arte estão em péssimas condições, e o que o Dnit faz, em vez de dar manutenção, é colocar restrições de peso; porém, elas são cobradas apenas dos transportadores de carga especial. Os transportadores de carga geral com bitrem nove eixos e peso bruto de 74 toneladas rodam livremente”, reclama.
Ele reconhece que as obras de arte são antigas, mas lembra que grandes peças saem e entram pelos portos do Rio de Janeiro e Espírito Santo. “Sem estrada, como irão chegar?”, pergunta. “Os grandes investimentos que estão ocorrendo no Estado são do setor de mineração e siderurgia. Estes impedimentos reduzem a competitividade de quem produz e deixam os projetos mais caros para as empresas que precisam deles”, observa.
Uma outra preocupação de empresários e transportadores diz respeito à prometida alça rodoviária que ligará a BR-381 à BR-262. “Ela poderá trazer um ganho logístico fantástico se, no seu projeto, considerar as necessidades de transporte dessas grandes peças e equipamentos. Menos viadutos, pistas mais largas e redução de curvas ajudaria e muito. É necessária uma mobilização urgente de nossas lideranças. É uma ação emergencial para proteger nossas indústrias e, consequentemente, nossos empregos”, afirma Maria de Lurdes Pinto.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg), Gladstone Lobato, alerta para o próximo período de chuvas, que já está chegando sem que os problemas gerados pelo último tenham sido solucionados.
“Autoridades e políticos têm que ver isso com seriedade, porque estes problemas acabam representando custos para toda a sociedade. O encarecimento do transporte, seja ele qual for, acaba chegando ao bolso do consumidor. Se faltar um transformador da Cemig, isso vai aumentar a conta de luz; se for uma panela da Gerdau, é a geladeira que fica mais cara”, avalia. (BA)
Verdadeiras acrobacias até a chegada ao destino final
A viagem de uma carga excedente pode ser comparada a um avô dos atuais videogames, o Pinball, no qual uma bolinha vai batendo em obstáculos e mudando seu percurso. No jogo, a bolinha acaba chegando lá, somando pontos pelo caminho. No caso da carreta que leva uma peça gigante, o prejuízo é contado a cada dia que ela perde na estrada.
Imagine uma carga saindo do Vale do Aço para ser entregue na Siderúrgica Gerdau, em Ouro Branco. Normalmente, ela sairia por Timóteo para Governador Valadares, iria até Realeza e seguiria pela BR-262 no sentido BH – um trecho de 390 quilômetros. Entretanto esta rota convencional pela BR-262 segue interditada desde o dia 27 de janeiro e o desvio utilizado por carros de passeio não permite a passagem desta carga.
A opção passou a seguir no sentido Teófilo Otoni, Salinas, Montes Claros e retornar por Curvelo até Ouro Branco. Neste trecho, a carreta percorre 1.400 quilômetros, ou seja, mais de 1.000 quilômetros além do roteiro original. E mesmo esta alternativa foi inviabilizada por problemas em um trecho na BR-116, onde o trânsito segue em meia pista.
Resta à transportadora procurar novos trajetos, pedir mais autorizações, “casar” as exigências das diferentes instâncias e, desta maneira, viabilizar o transporte. Para se ter uma ideia, um transformador fabricado pela Toshiba em Betim e que vai ser transportado pela BR-040 terá que obedecer às mais diversas legislações e autoridades. Começa pelas polícias municipais de Betim e Contagem, passa pela Polícia Rodoviária Estadual e o DER no Anel Rodoviário e, finalmente, pela Polícia Rodoviária Federal, o Dnit e a concessionária da rodovia.
Há alguns meses, o sindicato que reúne os transportadores de cargas excedentes, o Sindpesa, do qual Adalcir Lopes é diretor, teve uma audiência com o então ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas, atualmente candidato ao governo de São Paulo. “Nós solicitamos que haja uma única resolução, que seja acatada por municípios, estados, governo federal, DER, Dnit, ANTT e concessionárias e, assim, facilite e racionalize o processo. O Ministério ficou de estudar o problema, mas a coisa não andou”, revela Lopes.
DER e DNIT
Segundo o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), as condições de tráfego dos 22,2 mil quilômetros das rodovias pavimentadas mineiras, sob a responsabilidade do órgão, foram influenciadas por alguns fatores, como o reduzido investimento em infraestrutura e manutenção pelas administrações passadas e o período chuvoso da temporada 2021/2022, atípico em volume, intensidade e frequência das chuvas em Minas.
Em nota, a assessoria do órgão diz que, para garantir as condições de tráfego que atendam de forma geral à população mineira em demandas de trabalho, educação, saúde, recebimento de bens de consumo ou escoamento da produção agropecuária ou industrial, tem realizado desde 2019 um trabalho preventivo com serviços de tapa-buraco, roçada e capina da faixa de domínio, limpeza do sistema de drenagem e conferência da sinalização.
O DER informou que, em 2022, foram destinados R$ 113 milhões para a realização de obras rodoviárias de recuperação das ocorrências mais graves do período chuvoso. E que, para alavancar a infraestrutura rodoviária, um programa de concessões se encontra em andamento e deverá contemplar mais de 2 mil quilômetros.
Quanto ao transporte de cargas especiais – que são indivisíveis e possuem dimensões (largura, altura e comprimento) e peso e extrapolam os limites convencionais da pista simples -, precisam de carreta especial, escolta e, principalmente, de estudo de viabilidade do trajeto escolhido, conforme é especificado na portaria 3902, publicada em abril de 2021 pelo DER-MG.
Já a assessoria do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que o órgão segue trabalhando para restaurar a trafegabilidade nos trechos federais de Minas Gerais afetados pelas fortes chuvas que atingiram a região. Em Sabará, as equipes finalizaram os serviços de escavação, carga e transporte de material, preparando o local para a colocação das aduelas de concreto que compõem o bueiro que foi instalado para a passagem da água. O trânsito no local segue sem restrições.
Em Nova Era, foram executados os trabalhos de retaludamento e implantação dos dispositivos de drenagem e de construção das camadas de base da pista de rolamento. A conclusão se deu na segunda quinzena de julho. E que, em Abre Campo, o DNIT contratou de forma emergencial os serviços necessários para recomposição da rodovia.